Situação do médico e do doente frente às novas conquistas da medicina – João Galizzi

    Situação do Médico e do Doente frente às Novas Conquistas da Medicina – Acadêmico João Galizzi

    Proferida pelo Acadêmico João Galizzi em sessão solene de Posse da Diretoria biênio 95/97, em 29 de março de 1995.

    Inicialmente, quero felicitar o Dr. Paulo Adelmo Lodi pela sua recondução à Presidência da Academia, numa demonstração de reconhecimento pelo seu eficiente desempenho à frente da Instituição. Felicitações que estendo aos demais membros da Diretoria, também reeleitos.
    Fiquei muito sensibilizado com o convite do Senhor Presidente para falar nesta oportunidade. O tema escolhido “A situação do médico e do paciente diante do grande desenvolvimento científico e tecnológico da Medicina” pareceu-me oportuno.
    Não se trata de uma conferência. Farei breves considerações, sem quaisquer conteúdos originais, ligados ao dia-a-dia do médico e do paciente.
    Antes, peço licença para ler o pensamento transcrito no frontispício do livro “Current Medical Diagnosis and Treatment”, o qual encerra grande sabedoria:
    “Da incapacidade de zelar pelo repouso do doente; da opção pela novidade, com desprezo pelo que é velho; da preferência pelo conhecimento à sabedoria, da ciência pela arte e da vivacidade pelo senso comum; de tratar os pacientes como “casos” é tornar a cura mais penosa do que a própria doença,
    Bondoso Senhor, livrai-nos”
    Robert Hutchinson
    O assunto escolhido envolve, também, a relação médico-paciente, questão básica para o correto exercício da Medicina e cujas normas estão explícitas nos códigos de Ética Médica e no Juramento Hipocrático em sua versão integral, com incursão em capítulos da Constituição Federal e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
    Códigos, regulamentos já nos foram legados pelas mais antigas civilizações, mas principalmente os ensinamentos adquiridos no berço, no seio de uma família bem constituída, são os que plasmam o comportamento humano.
    A escola ensina, mas nem sempre educa, podendo, até, em certas circunstâncias, influem negativamente nos espíritos menos amadurecidos.
    Refiro-me à educação em sentido amplo, que inclua o convívio harmonioso entre as pessoas, que oriente na preservação da saúde pela aquisição de bons hábitos de higiene e de alimentação e dos inconvenientes e perigos do uso de agentes agressivos ao organismo, como o álcool, o fumo e certas drogas.
    Preparar o homem pela educação, é, pois, o primeiro passo para proporcionar-lhe o direito de usufruir os benefícios das novas conquistas na área médica.
    Vivemos a época da medicina preventiva. No entanto, é lamentável o número de pacientes que procuram os serviços médicos em virtude de doenças evitáveis, se observadas normas elementares, e que agravam o triste quadro das filas nos ambulatórios e corredores dos serviços de atendimento ou internamento.
    País pobre, de clima em sua maioria propício à proliferação de endemias, tem nestas, na fome e na miséria, aliadas permanentes desse panorama.
    A explosão demográfica, à custa, sobretudo do contingente populacional menos esclarecido e mais penalizado pelas desigualdades sociais, é mais um fator agravante de tal situação.
    São distorções que precisam ser corrigidas, sob pena de se tornarem improfícuos os benefícios do progresso científico e tecnológico.
    Educação, paternidade responsável e corpo de saúde eficiente são as vigas mestras de qualquer sistema capaz de proporcionar assistência médica compatível com a dignidade humana.
    No corpo de saúde, cabe realçar a figura daquele médico sério, atualizado, trabalhador, compreensivo, conhecedor da psicologia humana e ciente da importância de seu trabalho e de seu discernimento na avaliação clínica do paciente, sobrepondo-se aos recursos de uma tecnologia valiosa, sem dúvida, mas nem sempre ajustada às necessidades do paciente.
    O aprimoramento tecnológico, quando racionalmente, é, em geral, decisivo na descoberta e caracterização da doença, mas não se pode esquecer de que o móvel da prática médica é o doente.
    É antiga, mas sábia, a advertência de Peters:
    “não há doenças, há doentes”.
    Cabe salientar que muitos pacientes, mesmo os da classe menos favorecida, procuram os serviços médicos movidos por distúrbios de natureza psíquica ou emocional que amiúde ignoram ou procuram disfarçar. Tais manifestações estão, muitas vezes, ligadas a afecções orgânicas ou funcionais não identificadas, mas podem resultar de desajustes e incompreensões no lar, no trabalho ou nas sociedades e cuja elucidação exige minuciosa investigação clínica.
    Na atualidade, os recursos disponíveis abrem amplo caminho à medicina preventiva, bem como ao diagnóstico e tratamento de doenças para as quais os recursos disponíveis até a pouco eram insuficientes, o que aumenta a responsabilidade dos que, direta ou indiretamente cuidam da preservação e recuperação da saúde humana.
    A medicina é ciência dinâmica e só os que se acham imbuídos da necessidade do aprimoramento constante de seus conhecimentos poderão exercê-la com eficiência.
    Atualmente, os benefícios das descobertas científicas e do aprimoramento tecnológico se incorporam quase de imediato à prática médica, ao contrário do que ocorria no passado. Alguns exemplos: da construção do primeiro microscópio, com a descoberta dos micróbios, por Leeuwenhoeck, em 1675, à comunicação de Pasteur, á Academia de Ciências de Paris, em 1878, sobre a teoria bacteriana de certas doenças, decorreram anos. Já a descoberta da penicilina, por Fleming, em 1929, e sua aplicação prática, graças aos trabalhos de Florey e cols, decorreram apenas 12 a 13 anos, tendo Fleming podido apreciar os benefícios trazidos à humanidade pela sua descoberta. A colecistectomia vídeo-laparoscópica, que revolucionou a cirurgia das vias biliares, realizada pela primeira vez em 1987, por Philippe Mauria, em Lion, na França, poucos anos depois passou a ser empregada nos grandes centros médicos mundiais.
    A facilidade dos meios de comunicação, com rápido acesso às revistas e jornais médicos, bem como a realização de cursos de atualização, congressos, conferências, palestras, jornadas médicas e simpósios, têm contribuído, para o aprimoramento dos conhecimentos e a mais pronta aplicação das descobertas científicas. Nos países mais desenvolvidos, é de um ano e meio a média do tempo decorrido entre uma descoberta científica e sua aplicação prática, conforme foi assinalado durante o simpósio “Da Geração Espontânea à Evolução Molecular”, realizado no Rio de Janeiro, em fevereiro último, em homenagem ao centenário da morte de Pasteur e patrocinado pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo o Instituto Pasteur de Paris.
    Não cabe analisar aqui as conquistas relativamente recentes, já em uso corrente, como, entre outras, a ultra-sonografia, a tomografia computadorizada, a ressonância magnética nuclear, os marcadores virais, os quimioterápicos e antibióticos de largo espectro, os transplantes vicerais, a cirurgia vídeo-laparoscópica.
    Convém destacar ainda os recursos proporcionados pelo desenvolvimento da engenharia genética.
    Os trabalhos sobre DNA, material básico dos genes e a manipulação destes já possibilitaram a localização e atribuição de cerca de 2.500 genes dos 50.000 a 100.000 que compõem o genoma humano, permitindo o diagnóstico pré e pós-natal de expressivo número de doenças ensejando, ainda, a inativação de genes nocivos.
    Mas, as experiências destinadas a promover a correção de deformações ligadas aos genes germinativos, bem como a reprodução, em laboratórios, de células de embriões humanos causaram graves preocupações de ordem ética e moral, levando à interrupção dos trabalhos nessa área, por consenso da comunidade científica internacional.
    É intuitivo que a caracterização genética de qualquer doença tenha como ponto de partida o reconhecimento clínico da mesma, com estudo pormenorizado dos membros da família, podendo chegar mesmo, à análise ética do paciente.
    O exame clínico metódico e minucioso constitui, pois a pedra angular da prática médica.
    A chamada medicina do primeiro mundo, ou medicina armada, por vezes dispendiosa, é aquela em que o doente, como ser humano, ocupa o primeiro lugar na preocupação dos órgãos de saúde, como seu acesso oportuno e sem trauma aos recursos disponíveis, sendo reservado ao médico atendente o tempo necessário para o exame clínico, e , a seu critério, encaminhamento do paciente aos exames subsidiários indispensáveis à formulação diagnostica correta e conseqüentemente terapêutica.
    Mas, convém ressaltar: Como os pacientes, que nas filas e nos corredores dos hospitais, aguardam, resignados, alívio para seus males, também os médicos são criaturas humanas, sujeitos aos caprichos do destino. Se para alguns a vida oferece conforto e segurança, para muitos a situação é de apreensões: trabalho persistente e cansativo, frustração na esperança de futuro promissor, temor de uma velhice desamparada, submissão, quase como máquina, a aviltantes subempregos para a segurança do lar e da família e, amiúde, atingidos, ainda, pela crítica, freqüente e por vezes indiscriminada, aos transgressores, involuntários alguns, contumazes outros, das boas normas de trabalho. Transgressões que, mesmo não sendo raras, não maculam o nobre sentido da profissão.