Princípios de cirurgia geriátrica – Luiz Gonzaga Pimenta – 2003

    Data de publicação: 06/05/2003

    PRINCÍPIOS DE CIRURGIA GERIÁTRICA

    LUIZ GONZAGA PIMENTA – CADEIRA 52

    CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    Em 1950 assistimos o acanhado início, a predestinada implantação e o grande desenvolvimento da Cirurgia Pediátrica nas principais metrópoles de nosso país, onde predominava a juventude em relação à população geral. Desde 1990 começamos a tomar conhecimento, vivenciamos o princípio e passamos a acreditar no real progresso da Cirurgia Geriátrica no Brasil, onde parte da população cresce em quantidade de vida e passa a necessitar melhor e maior assistência médica.
    De acordo com dados oriundos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1996), os atuais 12 milhões de idosos devem alcançar nada menos que 33,8 milhões até o ano de 2025. Esse espetacular aumento da população idosa propicia colocações apostas: de maneira otimista, mostra o progresso alcançado através da moderna medicina hipocrática; de maneira preocupante, cria problemas de índole médica, social, profissional e econômica acoplados quase sempre a uma crescente população acima dos 65 anos de idade.
    Envelhecidos de ambos os sexos começam a dominar os leitos hospitalares em busca de tratamento, seja clínico ou cirúrgico, em todas as especialidades médicas. Hoje, sem sombra de dúvida, a terapêutica cirúrgica permite afirmar: “não é mais proibido operar o idoso”. Mas é preciso saber indicar!
    Pela atual e ilimitada evolução da medicina, e em particular do tratamento cirúrgico, torna-se impraticável a opção por um cirurgião eminentemente geriátrico. Os idosos, por direito, serão operados pelos especialistas de cada área cirúrgica, desde que com pendores e suficiente experiência no atendimento às pessoas idosas. Não custa repetir que os idosos vítimas de trauma por queda ou atropelamento e pelas afecções cirúrgicas abdominais são perfeitamente atendidos pelo cirurgião geral.
    Ao empregar um tratamento, em especial o cirúrgico, todo empenho deve voltar-se para a prevenção de acidentes, complicações e iatrogenias, condição trinaria capaz de fazer do idoso um mutilado ou inválido quando quase tudo perde em troca de nada! Idosos não toleram um pós-operatório deturpado por complicações gerais, especiais e específicas. A taxa de óbito aumenta de maneira extravagante e sempre acima de 50% dos casos, quando o idoso é submetido a uma precoce reoperação. O choque hipovolêmico e a deiscência de sutura prevalecem de maneira absoluta.
    Conhecer os princípios básicos da cirurgia geriátrica representa uma conduta indispensável ao cirurgião geral e especializado.

    FREQÜENCIA

    Freqüência representa, em propedêutica médica, um tópico que deve ser investigado e reconhecido de maneira ampla, pelo profissional que pretende exercer em plenitude a medicina.
    Por motivos epidemiológicos pouco conhecidos e complexa investigação, a mulher vive mais e é submetida muito mais ao tratamento cirúrgico que o homem.
    Das intervenções cirúrgicas eletivas prevalecem no sexo masculino a hernioplastia inguinal e a prostatectomia. No sexo feminino cresce em freqüência a colecistectomia e as operações realizadas na esfera ginecológica.
    Entre as afecções agudas, principalmente da cavidade abdominal, o homem tem na úlcera péptica duodenal perfurada para o peritônio livre uma incidência que alcança 95% dos casos. Na mulher jovem a salpingite aguda e na idosa a litíase biliar, ambas representadas por suas respectivas complicações e seqüelas. Despontam em incidência abaixo dos 50 anos a gravidez tubária rota e acima da meia idade a colecistite aguda.
    Há entre os idosos uma maior incidência do adenocarcinoma gástrico e nas idosas, além do carcinoma da mama, a lesão maligna do colo do útero. Esta última, afecção sexualmente transmitida, é uma doença que acomete preferencialmente mulheres abaixo dos 50 anos. O câncer de corpo uterino é diagnosticado na pós-menopausa. Para o adenocarcinoma gástrico, mesmo nos Estados Unidos, os fatores que contribuem com a etiopatogenia continuam obscuros. Infelizmente o hábito de fumar persiste no sexo masculino e aumenta no feminino, adição que faz crescer a incidência do carcinoma de pulmão nos dois sexos há mais de três décadas.
    Algumas afecções cirúrgicas agudas ou crônicas, benignas ou malignas, apresentam uma distribuição semelhante nos dois sexos. O carcinoma do intestino grosso talvez represente o melhor exemplo de uma verdadeira igualdade nosológica. A epidemiologia oncológica constatou que vem diminuindo o câncer gástrico no homem e aumentando em ambos os sexos o câncer do pulmão.
    Uma noção completa da distribuição das afecções cirúrgicas nos idosos, acima dos 65 anos de idade, revigora o raciocínio no sentido de realizar um diagnóstico clínico objetivo e precoce, com ênfase para as afecções agudas, traumas e doenças malignas.

    CLASSIFICAÇÃO

    As afecções cirúrgicas dos pacientes em avançada idade são distribuídas em três grupos, todos importantes: urgentes, eletivas e oncológicas.
    As afecções urgentes apresentam algumas características especiais: têm na obstrução intestinal orgânica a maior incidência, necessitam um diagnóstico precoce e infelizmente apenas 20% dos idosos operados em caráter urgente voltam a gozar de saúde plena.
    Das afecções eletivas ganham em freqüência no sexo masculino à hérnia inguinal indireta e no sexo feminino a coletitíase. A primeira é tratada por hernioplastia, com variável taxa de recorrência. A segunda recebe como tratamento a colecistectomia com a lamentável possibilidade de litíase residual do colédoco.
    De cada 10 idosos, no mínimo três tornam-se candidatos a adquirir uma neoplasia maligna. No sexo feminino chama a atenção o carcinoma da mama. No sexo masculino prevalece o câncer da próstata. A precocidade diagnóstica nem sempre é alcançada, transformando o prognóstico em sério e lamentável problema terapêutico.
    Conceituar de maneira correta em medicina é preciso e faz parte integrante de apurado conhecimento e mais ampla cultura. Infelizmente as indispensáveis campanhas de diagnóstico precoce são confundidas com as melhores medidas preventivas. Prevenção exige, de princípio, longo tempo e radical mudança no estilo de vida. Diagnóstico precoce representa o ideal em relação ao prognóstico a curto e longo tempo. Todo diagnóstico classificado como tardio é de fácil abordagem semiológica, contrastando com a difícil possibilidade de tratamento com finalidade curativa.

    INDICAÇÕES

    Os pacientes idosos e seus familiares nem sempre acreditam na validade da terapêutica cirúrgica por considerá-la excessivamente agressiva em relação ao grande risco cirúrgico e alta taxa de óbito. Mal sabem que o fator idade, tomado de maneira isolada, não pode ser considerado mais importante que a presença de afecções clínicas associadas, compensadas e principalmente descompensadas, como prenúncio da mais evidente e verdadeira gravidade.
    O êxito terapêutico, em todas as idades, mas de maneira específica nos idosos, começa por uma inadiável indicação cirúrgica. Todo tratamento cirúrgico deve ser realizado por absoluta necessidade, quer seja a afeção eletiva, urgente e neoplástica. A gravidade convence e supera a menor ou maior agressividade, principalmente quando a sobrevida útil representa uma meta a ser alcançada com pleno êxito.
    De maneira objetiva toda indicação cirúrgica se concretiza a partir do exato conhecimento e domínio das mais evidentes contra-indicações. O custo-benefício há de reger o raciocínio tático do profissional capaz de realizar uma intervenção com preferencial e perfeita técnica operatória.
    Uma hernioplastia por hérnia inguinal, realizada em caráter eletivo, até mesmo no octogenário, representa apenas 1% de perigo de óbito e muitas vezes relacionado a um acidente por um dos procedimentos de técnica anestesiológica. Em regime de urgência, uma hérnia inguinal estrangulada associada a necrose de alça intestinal não só exige uma ressecção entérica como aumenta o risco de óbito para até 30% dos idosos operados. Oportuna indicação cirúrgica é, com rigor, providencial.

    NECESSIDADE

    O tripé constituído pela indicação cirúrgica, pela oportunidade operatória e pela premente necessidade há de reger para sempre o tratamento cirúrgico oferecido aos idosos no sentido de obter por mais tempo o melhor resultado.
    Por absoluta necessidade, o idoso portador de uma síndrome abdominal aguda cirúrgica deve ser submetido a uma laparotomia exploratória sem perda de tempo. Por necessidade, o idoso portador de uma neoplasia maligna precisa ser examinado no sentido de avaliar a operabilidade e a ressecabilidade. Uma vez operado, que o seja sem a possibilidade de lesão residual, principal fator capaz de responder por um mau resultado terapêutico. As afecções benignas crônicas devem ser investigadas com grande critério, quando o tratamento cirúrgico oferece alguma prioridade. O idoso acaba sendo operado muito mais para ter uma sobrevida saudável.
    De maneira especial o paciente geriátrico não tolera uma intervenção cirúrgica desnecessária por inoportuna e excessiva gravidade. É mais do que justo reconhecer e respeitar todas as possíveis divergências. O cirurgião, por motivos intocáveis, não poderá subestimar sua responsabilidade e honestidade profissional deixando de agir de acordo com os magnos princípios regidos pela bioética.
    Conhecemos um importante exemplo prático. O pseudo abdome agudo é responsável por lamentável intervenção cirúrgica desnecessária. Por absoluta felicidade, uma laparotomia exploradora raramente é indicada e realizada nos idosos em caráter de falsa urgência.
    Não é pequeno o número de idosos portadores de hérnia inguinal direta. Esse tipo de hérnia, predominantemente bilateral, pode levar a um tratamento exclusivamente cirúrgico. Na dependência de fatores adversos essa hernioplastia inguinal transforma-se em uma operação simplesmente desnecessária principalmente quando se sabe que esse tipo de hérnia raramente estrangula. Uma correta decisão conta com a experiência do cirurgião.

    OPORTUNIDADE

    Torna-se oportuno reconhecer que o maior receio do idoso não é, em geral, a morte, mas sim a possibilidade de dor física, incapacidade profissional e uma completa dependência econômica. O idoso, mais que o jovem, é admitido no hospital com grande receio de tudo. Medo do ato cirúrgico, da anestesia geral e da mutilação. Tudo aumenta e perdura quando o idoso é esquecido ou abandonado.
    A oportunidade terapêutica oferece melhor prognóstico quando o idoso é operado em caráter eletivo. Uma legítima oportunidade não pode ser perdida de maneira irracional. Idoso portador de aneurisma da aorta abdominal deve ser submetido a aneurismectomia, uma vez tenha sido feito o diagnóstico clínico completo. O risco de óbito é, na maioria dos casos, inferior a 10% dos operados. De outro modo, o tempo passa, o aneurisma cresce e a rotura acontece como urgência absoluta. O tratamento cirúrgico, invariavelmente problemático, apresenta um risco de óbito acima de 90% dos casos. Toda oportunidade de tratamento cirúrgico eletivo não pode ser relegada a último plano. Infelizmente casos são adiados por falta de recursos financeiros. Inúmeros exemplos podem ser mencionados à medida que oferecem momento precoce ou tardio para um tratamento cirúrgico no paciente geriátrico.
    Ao se diagnosticar uma afecção cirúrgica crônica, o tratamento eletivo deve ser programado e realizado de maneira oportuna. Com o passar do tempo o risco de complicação aguda aumenta e acontece, exigindo um tratamento cirúrgico urgente com maior morbidade e mais alta taxa de óbito.
    Aceitar a indicação cirúrgica representa a maioria dos casos. A recusa significa grande objeção à oportunidade. É justo respeitar as divergências. É importante, dizimando dilemas, operar o idoso, fugindo ou sobrepondo à fobia ou à absoluta oposição. Para todos e para tudo há uma maneira humana, racional e ética de melhor resolver delicado e premente problema de saúde personalizada aliada a uma cidadania intocável.
    Uma tomada de decisão em relação à oportunidade de tratamento cirúrgico é complexa. Além do aspecto puramente médico, existem influências secundárias e muitas vezes obscuras de cunho emocional e econômico. Para o paciente vale muito o resultado e para o profissional a sensação do dever hipocraticamente alcançado.

    PROPEDÊUTICA

    Os idosos devem ser examinados por um profissional experiente. Tudo começa por uma minuciosa história clínica, vários tipos de antecedentes pessoais e demorado exame físico. Evitar sempre que possível uma quantidade excessiva de exames complementares. Bastam alguns essenciais, solicitados e interpretados com precisão. Exames repetidos, invasivos e complexos, por perturbar o idoso e aumentar o custo operacional, devem ser solicitados em regime de exceção. Fica entendido que exceção não exclui a verdadeira necessidade em oposição a prejudicial economia.
    A propedêutica geriátrica interminável cobra do médico amplo conhecimento teórico e absoluta objetividade. A importância propedêutica cresce em agilidade diante do idoso com suspeita de abdome agudo cirúrgico e em objetividade na suspeita de uma afecção maligna. No Brasil, de maneira persistente gasta-se tempo excessivo e prejudicial em consultar um serviço médico quando o tratamento e o resultado assumem prognóstico incerto em razão do tempo perdido.
    O abc de exames complementares jamais será menosprezado. Pode detectar anormalidades sugestivas em idosos. Uma hipoproteinemia constitui um achado que não surpreende o geriatra. O exame radiológico simples do tórax, ótimo princípio semiológico, mostra uma hipertrofia ventricular esquerda na vizinhança de uma insuficiência cardíaca congestiva. O caminho mais curto entre o octogenário e a doença diverticular do cólon chama-se enema opaco, que comprova um simples envelhecimento ou preocupante complicação.
    Para o atendimento aos idosos, dois médicos são indispensáveis: o geriatra, que realiza o diagnóstico clínico, e o cirurgião, que faz uma intervenção cirúrgica com mínimo risco cirúrgico e raro perigo de morte precoce.
    Do ponto de vista propedêutico, deve-se considerar que todo paciente idoso apresenta peculiaridades clínicas que devem ser do conhecimento não só do geriatra como do cirurgião e anestesiologista:
    • O envelhecimento acarreta alterações anatômicas e distúrbios fisiológicos responsáveis por desestabilização homeostática;
    • Doenças associadas a afecção cirúrgica são detectadas principalmente quando a propedêutica investiga os sistemas orgânicos básicos broncopulmonar, cardiovascular e geniturinário;
    • Todo idoso, muito mais que a população geral, é um indivíduo desnutrido, condição clínica que precisa ser investigada com muito cuidado no pré-operatório especial.

    DIAGNÓSTICO

    De maneira preferencial o diagnóstico deve ser realizado de modo precoce ou mesmo oportuno. O diagnóstico tardio é lamentável, errôneo e uma catástrofe. O diagnóstico pode permanecer desconhecido em caso de neoplasia maligna avançada.

    TERAPÊUTICA

    A terapêutica cirúrgica completa consta de uma tríade composta de pré-operatório, transoperatório e pós-operatório.
    Pré, trans e pós-operatório, independentemente da faixa etária, reportam os atuais conhecimentos da cirurgia moderna a uma grande lição atribuída a Dupuytren: “uma disciplina cerebral faz o diagnóstico, mãos adestradas promovem a perfeição técnica e os cuidados dispensados ao operado selam o êxito ansiosamente esperado pela recuperação da saúde.”
    A cirurgia geriátrica, como decisiva e freqüente arma terapêutica, baseada no diagnóstico clínico completo, indicação cirúrgica por absoluta necessidade, técnica operatória adequada e especiais cuidados pós-operatórios, torna-se uma realidade quando a preocupação pela qualidade é maior que pela quantidade de sobrevida.

    PRÉ-OPERATÓRIO

    Muito mais que dominar e aplicar os conhecimentos relativos aos cuidados gerais, especiais e específicos no paciente idoso candidato a uma intervenção cirúrgica, segundo Petroianu (1999)2, todo cirurgião precisa saber que a maior parte das doenças de tratamento cirúrgico ocorrem em idosos. Mesmo que o cirurgião com habilidade e experiência seja capaz de operar adequadamente o paciente geriátrico, deve-se ressaltar que cirurgia é muito mais do que técnica operatória. O profissional deve aliar o conhecimento clínico em sua especialidade à sensibilidade para perceber as restrições físicas e psíquicas impostas ao paciente fragilizado pelo tempo, muitas vezes agravadas pelas dificuldades financeiras e condições adversas em seu domicílio e esfera social. O pré-operatório exige do cirurgião levar em conta se limitações decorrentes da avançada idade aliada, quase sempre, a bronquite tabágica, cardiopatia hipertensiva, insuficiência renal crônica, diabetes melitus e tantas mais.
    Coerente com o estágio atual da medicina no ano 2003, os idosos exigem um pré-operatório muito especial, para que possa ser aplicada por inteiro conhecida sabedoria popular: “bom começo, melhor fim!”

    TRANSOPERATÓRIO

    Entrar no bloco cirúrgico significa conviver num ambiente hermético específico com a finalidade de recuperar a saúde.
    O transoperatório deve desenvolver-se com segura anestesia, seja ela geral, radicular ou local e perfeita técnica numa operação superficial ou cavitária.
    Para Couto, Faria e Andrade (1998)1, a recuperação pós-anestésica é tão importante quanto a administração de drogas por uma das técnicas anestesiológicas. De maneira geral e sem restrições, o despertar, assim como a indução da anestesia, deve ser o mais tranqüilo possível.
    São responsáveis pelo trabalho desenvolvido no transoperatório o cirurgião, anestesiologista, dois auxiliares, instrumetadora e uma enfermaria de sala de cirurgia.
    Todo ato cirúrgico sincronizado desenvolve-se com conhecimento, segurança, ritmo e tranqüilidade. Para o idoso o tempo vale ouro!
    Idosos não toleram sangramento abundante, grande injúria, drogas em excesso e, principalmente, a possibilidade de uma reoperação.

    PÓS-OPERATÓRIO

    A cronologia há de reger a evolução clínica de uma doença pós-operatória.
    O primeiro dia consta de dois períodos distintos: as primeiras seis horas são regidas pelo período crítico, quando principalmente o idoso corre o risco de acidentes graves relacionados a remoção do tubo traqueal, despertar demorado, grau de hipóxia e nítida hipovolemia. As dezoito horas complementares são repartidas entre leve sono e discreto despertar, em ambiente onde prevalece a penumbra com o cobertor evitando tremores por hipovolemia.
    Do terceiro para o quarto dia, o infalível íleo funcional apresenta sinais de resolução ou mostra sintomas de íleo prolongado, lamentável prenúncio de uma possível complicação.
    A partir do quarto dia, começa de maneira otimista um discreto, mas prolongado anabolismo que, no idoso, perdura arrastado por mais de 45 dias.
    A remoção dos pontos e a alta hospitalar selam o término da doença pós-operatória, desde que longe de uma complicação solapada ou evidente. A quarentena vale e julga um bom resultado terapêutico.

    RISCO CIRÚRGICO

    O risco cirúrgico deve ser avaliado pelo cirurgião, ou seja, pelo responsável maior e direto pelo pré, trans e pós-operatório. Convêm assinalar que, no bloco cirúrgico, o cirurgião divide com o anestesiologista todo o êxito e qualquer risco de um acidente, seja ele anestesiológico ou cirúrgico.
    Um risco cirúrgico pode ser considerado bom ou mau. Do mesmo modo um bom risco cirúrgico pode se transformar em mau risco e vice-versa.
    De maneira simples, considera-se como bom risco o paciente com idade inferior a 50 anos, em ausência de afecções clínicas associadas, grau mínimo de agressão cirúrgica, afecção cirúrgica benigna, tempo operatório inferior a duas horas e outras considerações.
    De maneira insubstituível, considera-se como mau risco todo paciente acima dos 65 anos com alguma afecção clínica pulmonar, cardíaca ou renal, operação de grande porte, afecção cirúrgica urgente ou oncológica, tempo operatório acima de quatro horas e muito mais.
    Há risco operatório que não deve acontecer. Em diabetes tipo II, o pâncreas mal sintetiza insulina em pessoas acima dos 50 anos. Uma solapada hiperglicemia torna-se perigosa através de uma agressão cirúrgica. Nem sempre uma polidipsia, polifagia, poliúria e inexplicável perda de peso são investigadas ou acontecem de maneira exuberante. Enfim, uma displicência semiológica prejudica paciente idosos que mal sabem explicar seus verdadeiros ou obscuros sintomas clínicos.
    Pelo simples fato de ser idoso um paciente não precisa receber o rótulo de mau risco cirúrgico com perigo de óbito. Fica evidente que o idoso pode e deve ser operado por absoluta necessidade e após investigar todas as vantagens e desvantagens relacionadas ao verdadeiro resultado terapêutico a curto e longo prazos.

    PERIGO DE ÓBITO

    Mais importante que a avaliação de risco cirúrgico. Preve uma evolução fatal quando se trata de infecção grave, grau de desnutrição, tipo de choque, embolia pulmonar e estado de coma.
    Como conseqüência altamente negativa, um acidente vascular cerebral e o infarto agudo do miocárdio, como acidentes transoperatórios, aumentam a incidência de inesperada morte precoce, modificando o transcurso de um tratamento cirúrgico de pequeno ou grande porte técnico.

    COMPLICAÇÕES

    Das complicações pós-operatórias, duas de etiopatogenia embólica reúnem a importância, gravidade e conseqüências da evolução obscura, solapada ou descuidada da doença pós-operatória do geronte operado. Ambas vasculares, mas diametralmente opostas:
    • A primeira, de índole arterial, de cima para baixo, da cavidade cardíaca esquerda quando um êmbolo, de tamanho variável, dirige-se em velocidade rumo à artéria mesentérica superior ou para uma das ilíacas primitivas. A obstrução arterial, prenúncio de uma síndrome isquêmica, pode ser fatal.
    • A segunda, de origem venosa, de baixo para cima, de uma das panturrilhas ou cavidade pélvica em caráter de doença tromboembólica, deixa escapar a cauda de um fixo trombo que, silenciosamente, alcança a intimidade do pulmão numa embolia que se exterioriza por exuberantes sintomas e sinais que mostram gravidade e morte súbita. Todas as complicações, e não são poucas, simples ou complexas, deturpam a existência e a expectativa de vida do idoso operado.

    RECORRÊNCIA

    Infelizmente a recorrência representa um constante acontecimento acoplado, de maneira persistente, a uma hernioplastia realizada na parede abdominal. A sua incidência acontece entre 2% a 5% dos casos bem operados. Torna-se um resultado inaceitável quando surge acima de 10% dos operados.
    Em idosos, não é incomum a presença de volumosa hérnia inguinoescrotal por deslizamento, muito antiga e bilateral. A hernioplastia, além de problemática para o cirurgião inexperiente, apresenta uma taxa de recorrência acima de 50% dos casos.
    Toda possibilidade de recorrência perdura como decepcionante para o paciente e inaceitável para o cirurgião. Resta como princípio básico uma explicação razoável: ainda não existe uma hernioplastia cuja recorrência tende para zero. Trata-se de um conceito verídico, mas continua reconhecidamente lamentável. O paciente bem operado deixa o bloco cirúrgico curado de sua hérnia da parede abdominal. O tempo há de julgar a técnica empregada e o desempenho técnico do profissional.
    Recorrência não pode ser confundida com lesão residual. Toda lesão residual traduz, de maneira definitiva, a ressecção incompleta de uma neoplasia maligna. Sabemos que cirurgia radical para neoplasia maligna jamais permite uma recorrência. Basta o primeiro exemplo para certificar desta inesperada mas convicta afirmativa. O fracasso de uma gastrectomia total radical progride para uma carcinomatose. Como recidivar se o estômago, local da lesão primária, foi ressecado por inteiro?
    PROGNÓSTICO

    Prognóstico, de acordo com o Dicionário Michaellis da Língua Portuguesa (1998), significa predizer ou vaticinar, o que não constitui uma atitude fácil.
    Assim posto, preferimos repetir Julio Sanderson (1998)1: A vida é limitada, estamos de passagem e de três condições o idoso não escapa, excluídas honrosas exceções:
    • Fazer 50 anos, adverte.
    • Fazer 60 anos, ameaça.
    • Fazer 70 anos, acontece.
    Para que prognosticar com predestinação se a vida persiste até a interrupção, condição irreversível que acontece (maior que 70 anos) de maneira abrupta ou persistentemente lenta! De maneira inesperada assusta! Lentamente, aumenta o sofrimento.

    RESULTADO

    Todo resultado em terapêutica cirúrgica acaba sendo interpretado como bom, regular ou mau. Indicação por necessidade, perfeita técnica operatória e cuidadoso pós-operatório fazem do tratamento cirúrgico um bom resultado. Complicações, seqüelas ou mutilação são responsáveis por um mau resultado terapêutico.
    O bom resultado é ansiosamente esperado pelos pacientes de todas as idades. O resultado regular faz do operado um arrependido pelo sofrimento, risco e custo de um ato operatório. O mau resultado, ultrapassando toda expectativa, atinge a esfera de grande decepção. O cirurgião não pode e nem deve escolher. O cotidiano ensina que o resultado pode ser confeccionado com sabedoria, de maneira racional e insubstituível experiência em relação ao pré, trans e pós-operatório.
    O idoso e seus familiares esperam do tratamento cirúrgico uma evolução que se desenvolve em três etapas fundamentais: operação ideal capaz de impossibilitar complicação, seqüela e mutilação; transoperatório tranqüilo que afugenta um acidente ou iatrogenia; ausência de recorrência que sela para sempre a intenção de cura.
    A título de mera conclusão, ao idoso, com o organismo sobrecarregado pelas mazelas do envelhecimento, não compensa o risco de uma operação mal indicada e mais ainda mal realizada, num desenrolar de critérios pouco aceitáveis por serem incorretos.

    IATROGENIA

    Idosos não toleram lesão de colédeco, acidente ureteral e lesão de ramo do nervo facial. Três exemplos de inúmeras possibilidades de iatrogenia, um acontecimento grave e inesperado, no transcurso de um ato cirúrgico.

    MUTILAÇÕES

    São resultados negativos da terapêutica cirúrgica geriátrica uma traqueostomia, colostomia, orquiectomia e amputação de membro.Toda multilação nivela por baixo a qualidade da vida, quantas vezes já precária. Todo idoso submetido a uma amputação de membro inferior jamais deixa a cadeira de rodas.
    PREVENÇÃO

    A medicina preventiva, extrapolando o extraordinário progresso alcançado nas doenças infecciosas, tenta, através da epidemiologia, ordenar os mais conhecidos fatores de risco relacionados aos hábitos de vida. Trata-se de uma revolução preventiva válida desde que a longo prazo.
    Apresenta ínfimo valor no idoso, quando o fator tempo torna-se fundamental no sentido de prevenir inclusive uma neoplasia maligna.
    Toma corpo em geriatria a vacina antiinfluenza, conduta coletiva que deve ser repetida a cada ano. Diminui de maneira evidente uma broncopneumonite aguda como importante fator de óbito em geriatria.
    Segundo Marino, Morais e Rodrigues dos Santos (1999)2, da Clínica Geriátrica da Faculdade de Medicina da UFMG, o perfil da morbidade e mortalidade do idoso pode ser influenciado por fatores gerais, já bem estabelecidos, que promovem a saúde e previnem as doenças. Novo estilo de vida interrompe o tabagismo, evita o alcoolismo, controla o peso corporal, realiza longas caminhadas e orienta uma dieta saudável.
    Em relação à terapêutica cirúrgica é recomendável prevenir, principalmente no paciente acima dos 60 anos, hipoxia, hipovolemia, infecção cirúrgica e, inclusive, acidentes anestesiológicos e complicações pós-operatórias decorrentes da DPOC.
    As medidas preventivas, como um dos princípios da cirurgia geriátrica, fazem baixar de maneira evidente a morbidade e a mortalidade em relação aos idosos submetidos a um tratamento cirúrgico.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Para terminar, selecionamos dez tópicos entre os mais freqüentes, relacionados aos princípios da cirurgia geriátrica. Todos, de maneira sumária, apresentam como principal objetivo beneficiar parte dos idosos da população brasileira ansiosos por um melhor prognóstico quando submetidos a terapêutica cirúrgica.
    Primeiro: A partir da primeira consulta todo idoso deve ser beneficiado por um diagnóstico completo. É completo à medida que agrupa à possível afecção cirúrgica uma ou mais afecções clínicas associadas e inclusive alguma doença instalada que acaba por contra-indicar qualquer tratamento cirúrgico.
    Segundo: A indicação cirúrgica representa importante aliado do êxito terapêutico. Os idosos devem ser operados por absoluta necessidade e jamais por conveniência ou mera oportunidade.
    Terceiro: Por múltiplos fatores determinantes, parte da população mundial é constituída por desnutridos. O idoso, um predestinado hipoprotéico, evolui no período pós-operatório com um atraso de cicatrização capaz de evoluir para uma deiscência de sutura parietal ou de boca anastomótica.
    Quarto: O idoso, mesmo que em precárias condições físicas determinadas pela idade avançada e doença cirúrgica, deverá ser operado com o maior objetivo de restituir a qualidade de sobrevida. Em relação à quantidade, sabemos que já viveu!
    Quinto: Há casos em que a intervenção cirúrgica eletiva representa uma conduta tática e técnica insubstituíveis. Idoso submetido a uma hernioplastia inguinal eletiva corre um mínimo risco de óbito quase sempre inferior a 2% dos casos. Na hernioplastia por hérnia inguinal estrangulada que obriga uma ressecção entérica, o perigo de óbito pode alcançar a proibitiva taxa de 30% dos casos.
    Sexto: O idoso, mais que a criança e o adulto, não tolera um período de hospitalização. Em ambiente adverso, o idoso acaba por desenvolver uma crise depressiva exógena de proporções e repercussões desastrosas. Diagnosticar e tratar uma depressão pós-operatória representa prioritário principio de cirurgia geriátrica.
    Sétimo: Idosos devem receber assistência médica multidisciplinar. Na cúpula de uma numerosa equipe não podem faltar um expediente cirurgião, um anestesiologista capaz e um dedicado fisioterapeuta.
    Oitavo: Intervenção cirúrgica sempre por menor agressão. O mais objetivo, o mais simples, fácil e sempre rápido não podem faltar quando o tratamento cirúrgico recai sobre idosos.
    Nono: Toda operação no idoso mantém no tópico relacionado ao tempo um fator primordial. Operação que pode ser realizada em duas horas não deve ser feita gastando quatro horas. Tudo fica multiplicado por dois, inclusive as drogas anestésicas e a exposição da ferida cirúrgica ao meio ambiente.
    Décimo: Dificilmente vamos encontrar o cirurgião genuinamente geriátrico. Cada idoso deve ser operado pelo cirurgião sempre dentro de sua especialidade. O que não pode faltar é a real experiência de um profissional capaz de lidar com o paciente em idade avançada.
    Voltamos a Sanderson, agora em Ética, Moral e Deontologia Médicas, de Petroianu (2000): “A cirurgia é arte que se erige sobre ciência e que se transmuta em técnica quando alcança os objetivos, fica acessível aos técnicos, vulgariza-se esquecida dos primórdios, quando foi rotulada arte”. Nada mais atual! Uma reflexão demorada mostrará como é indispensável entender a ação agressiva nas entranhas adormecidas dos idosos, somada a potentes e demoradas drogas anestésicas.
    Princípios de Cirurgia Geriátrica representam um tema atual principalmente para os jovens cirurgiões. Sua geração herdará o mundo que a cirurgia geral e especializada vêm construindo e responderá pelo conforto, dignidade e cidadania dos futuros idosos. DPOC e múltiplas complicações continuam levando os idoso à óbito aqui e lá fora!

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Petroianu A, Pimenta LG. Cirurgia Geriátrica. Rio de Janeiro: Medsi; 1998.
    2. Petroianu A, Pimenta LG. Clínica e Cirurgia Geriátrica Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999.