Início Cadeira 93 Wilson Luiz Abrantes

Wilson Luiz Abrantes

Ocupou a , no período de 04/10/1988 até 17/03/2009.

Wilson Abrantes diplomou-se em medicina em 1956 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e bem antes da formatura já se salientava na clínica cirúrgica criada por Eduardo Borges da Costa, um dos fundadores da faculdade. A cirurgia moderna – aquela decorrente da descoberta da microbiologia e da anestesia – foi introduzida em Minas a partir de três cidades: em Juiz de Fora pelo mineiro Hermenegildo Vilaça, em Belo Horizonte pelo carioca Borges da Costa e em Itamarandiba pelo francês Afonso Pavie.

A escola cirúrgica criada por Costa, das três, foi a que teve, desde o início, o caráter universitário. Demais, viveu dois momentos históricos. Deslocou-se da Santa Casa de Belo Horizonte a Paris, onde, no final da primeira guerra mundial, causou excelente impressão, ao executar cirurgias de guerra no Hospital Necquer (cognominado bresilien). Depois, se instalou, em 1922, no novíssimo Instituto do Radium (hoje Hospital Borges da Costa), onde, circundada por cientistas como, entre outros, o bioquímico Baeta Viana e o patologista Carlos Pinheiro Chagas, passou a aperfeiçoar um modo de operar que harmonizava rapidez, precisão e elegância, o qual se prolonga até os dias atuais. Assim, a elegância, a precisão e a agilidade, admiradas hoje em Abrantes por quantos colegas acompanham sua atividade profissional, não são mais do que a culminância sinfônica, feita de talento e competência, apurada ao longo da invejável tradição desta aristocrática corrente da cirurgia mineira.

Em meu livro de memórias, O RISO DOURADO DA VILA, descrevo o então estudante Wilson Abrantes, quando auxiliava uma cirurgia: No ano de 1956, o primeiro pavilhão do Hospital das Clínicas estava novinho em folha e ali, como já mencionado, tive de ser operado de varicocele. O doutor Emílio Castelar, … … pessoa queridíssima de todos nós, sugeriu … … o cirurgião Haroldo Pereira, compridão, óculos fundo de garrafa, sério. Será que ele vai enxergar direito, e se a máscara embaçar a lente e ele errar minha veia ou me castrar? A anestesia foi raquiana e, graças a ela, assisti toda a movimentação da equipe, famosa por sua rapidez e elegância. … … … O Zé Elísio (Correia Lima) que era interno de clínica médica esteve na sala cirúrgica o tempo todo contando causos. O primeiro auxiliar foi o interno de clínica cirúrgica Wilson Abrantes, que a toda hora comentava com o Haroldo a técnica usada: a operação de Ivanissevich (apesar do nome, este era argentino, que a propôs em 1923). O Zé e o Wilson vieram a ser respectivamente consagrado anestesista e célebre cirurgião, grandes amigos meus pela vida afora.

Antes que minha turma se formasse, tivemos a especial sorte de ser alunos do recém-graduado Wilson Abrantes. Os refinados cirurgiões que, modéstia à parte, surgiram de tal privilegiado grupo, como Sérgio de Almeida, Geraldo Coutinho, Sílvio Ribeiro, Rui Esteves Pereira, Dilair de Faria, Luiz Antônio Luciano, Jairo Guerra, Marcos Vinícius Aguillar, Orion Alvarez, Marcelo Ferreira, Ernesto Lentz e Gilberto Lino ficaram definitivamente marcados por sua saudável influência. Os dois últimos, em especial, pois foram como que residentes dele. Era natural, pois, que esse docente, ainda tão novato e já tão destacado nesta função, fosse homenageado na formatura, da qual tive a honra de ser o orador.

Um horrendo pecado foi então cometido pela direção da faculdade e da universidade. Privaram-se a si mesmas do brilho daquele raríssimo profissional que haviam graduado. E esse homem que nasceu para ensinar foi criminosamente proibido de continuar docente. Mas sua vocação de professor era tão grande que ele, em vez de se abater, tanto fez que encontrou não outro mas outros meios de prosseguir ensinando pelo anos em fora, semeando competências e admiradores por Minas e pelo Brasil.

Finalmente, mais de quarenta anos depois, a faculdade e a universidade se retratam e lhe reconhecem todos os méritos de que é credor. E lhe concedem a distinção tributada aos egressos que mais ilustram a alma mater. A propósito de tal galardão, quero fazer quatro registros que, a partir de agora, desejo que sejam do conhecimento de todos.

Wilson Abrantes passou a exercer no Pronto Socorro (hoje Hospital João 23) a docência que lhe foi negada na faculdade. As demais equipes de plantonistas se pautaram pela requisitada equipe liderada por ele, de tal modo que gerações de médicos lhe devem esta pedagogia inestimável. E isso era tão patente que a faculdade, ao fazer a notória reforma curricular de 1975, formalizou o informal estágio no Pronto-Socorro, sob a forma de disciplina obrigatória. E foi assim que ele retribuiu, com generosa contribuição, a injustiça de que foi vítima.

O mas significativo é que a retribuição se deu não só no fato em si, mas como origem do CONCEITO PEDAGÓGICO DE CURRÍCULO PARALELO OU CLANDESTINO, ou seja, aquele currículo desenvolvido extramuralmente pelo aluno, na busca desesperada para conseguir fora o treinamento que lhe é negado dentro da escola. E é notável que a concepção se inspira naquele que buscou exercer fora o ensino que lhe foi negado dentro da escola! Em 1986 tive a oportunidade de expor a idéia e o fenômeno de currículo paralelo ou clandestino em universidades dos EUA. Um conceituado especialista em ensino médico me aparteou dizendo que este conceito era o instrumento de análise mais interessante ouvido por ele nos últimos tempos. E eu lhe respondi que era, em grande parte, resultado de reflexões sobre tremenda injustiça cometida contra um notável médico de meu país.

E isso não ficou por aí, pois tal inspiração levou a um conceito mais amplo, o de UNIVERSIDADE PARALELA. De fato, quando meu colega Cid Veloso foi candidato a reitor, incluí em sua plataforma a proposta de criar a Universidade Paralela da UFMG, que nada mais é que trazer ao público interno e externo de nossa universidade aqueles, como Wilson Abrantes, que jamais deveriam estar fora dela. Nisso incluiríamos uma gama enorme de gente, inclusive da cultura popular. Infelizmente não foi possível concretizar essa idéia, cujo único remanescente é esta premiação que ora se dá. Além disso, temos no Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais uma miniatura de como seria a coisa, pois ali historiadores, estudiosos e interessados, não pertencentes ao corpo docente, comungam com este, sem discriminação, o grato prazer de dialogar com a juventude.

Se fui paciente do ainda estudante Wilson Abrantes, também testemunhei uma das últimas de suas inúmeras façanhas cirúrgicas enquanto ainda docente. Quarenta crianças abandonadas só tinham por elas no mundo dona Conceição Fernandes, que nada tinha de seu exceto a saúde. Pois bem, um tumor gástrico foi diagnosticado na extraordinária mãe adotiva. Eu disse ao cirurgião que da perícia dele, diante daquela lesão inicial (endoscopica e histologicamente identificada), dependia o futuro dos meninos. E acompanhei, com surpresa e crescente admiração, por mais de duas décadas, a sobrevida assintomática daquela magnífica benfeitora.

Finalmente, quero salientar um traço desse mestre unânime do qual são testemunhas seus numerosos ex-residentes: é o uso do humor como instrumento didático. Esta é uma tradição mineira e de nossa faculdade, cultivada do Ângelo Machado ao Osvaldo Costa, e que no Abrantes adquiriu peculiaridades deliciosas. Trata-se de uma das marcas de sua grandeza, pois, em vez de travo amargo ou lamuriento, retribui com ensinamento e riso a supressão inominável da metade irredutível de sua vocação, a de professor. Daí a frase tão verdadeira que me proferiu emocionado: João, eu saí da escola, mas a escola não saiu de mim.

Texto: João Amilcar Salgado
http://jamilcarsalgado.blogspot.com.br/2011/01/wilson-luiz-abrantes-culminancia.html

Ocupantes da Cadeira 93

José Custódio Martins Lage

13/03/1881 20/07/1957

Rubens Guimarães

Posse: 10/05/1971 - 02/04/1987

Wilson Luiz Abrantes

Posse: 04/10/1988 - 17/03/2009

Domingos André Fernandes Drumond

Posse: 16/10/2009 - atualmente
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