Nota sobre suicídios recentes de estudantes de medicina em Belo Horizonte

    Nota enviada no dia 19 de março de 2018 pela Associação Mineira de Psiquiatria para a Academia Mineira de Medicina alertando a classe médica para esta grande tragédia que tem acometido estudantes de medicina e profissionais médicos.

    Nota sobre suicídios recentes de estudantes de medicina em Belo Horizonte

    O suicídio é um assunto de saúde pública, altamente negligenciado e muito estigmatizado. Falar sobre suicídio é fundamental para quebrar o tabu e para a sua prevenção, mas temos que fazer isso de forma adequada, evitando sensacionalismos e simplificações. A Associação Brasileira de Psiquiatria e a Organização Mundial de Saúde têm cartilhas que auxiliam os profissionais das mídias. O suicídio não é um ato de fraqueza, muito menos um ato de coragem!

    O suicídio pode ser prevenido e vários países têm conseguido fazê-lo com políticas sérias, baseadas em evidências. O Brasil, infelizmente, não tem e nunca teve nenhuma política pública para essa prevenção. O resultado é que em nosso país as taxas de suicídio aumentaram nos últimos vinte anos. Isso não deveria ser visto como natural. A ocorrência do suicídio em um jovem já seria motivo para a preocupação e deveria ser razão mais do que suficiente para mobilização em torno da prevenção. Prevenir o suicídio é possível!

    O suicídio é um fenômeno complexo e não há respostas simples e reducionistas para explicá-lo. Entretanto, alguns pontos parecem hoje pacíficos. Estudos mostram que o suicídio é, na quase totalidade dos casos, o desfecho trágico de uma doença mental, muitas vezes não diagnosticada ou tratada. Dentre essas a depressão é a mais frequente. Sendo fenômeno complexo, logicamente muitos outros fatores, além da necessária doença mental, estão presentes. Para cada indivíduo a sua singularidade.

    Jovens são hoje considerados grupo de risco para o suicídio. O estudante de medicina pode ser ainda mais vulnerável. Estudos mostram que eles têm taxas de depressão maiores do que o de jovens de mesma faixa etária. Esse fator aliado a pressão e competitividade do curso de medicina, entre outros, ajudam a explicar o fato de que os estudantes de medicina talvez possam ter taxas de suicídio maiores do que jovens de sua faixa etária. Da mesma forma, podemos afirmar também que o suicídio de um único estudante de medicina já deveria ser motivo pela mobilização em prol da prevenção. O suicídio de um estudante não é natural, e pode ser prevenido!

    Um fenômeno particular, observado em jovens e adolescentes, é o do contágio, conhecido como efeito Werther. Jovens são particularmente sensíveis a notícias (quando dadas de forma equivocada), a filmes (vide o recente 13 razões), mas também a suicídios ocorridos próximos a ele. Estudos mostram que quando ocorre um suicídio em uma comunidade escolar há um aumento nas semanas seguintes das taxas de ideação suicida e do comportamento suicida nessa comunidade.

    O suicídio deve ser prevenido, e essa prevenção é um trabalho de todos, de toda a sociedade, cada um dando sua contribuição, no papel que lhe cabe. O suicídio pode ser prevenido. Temos duzentos anos de acúmulo de pesquisa e conhecimento nesse campo e temos especialistas que podem contribuir, baseados em evidências e conhecimento, na construção de estratégias de prevenção tanto em termos de saúde pública quanto individualmente. Nosso papel é colaborar com toda a sociedade para que essa prevenção seja, de fato, uma realidade e que consigamos minorar essas tragédias anunciadas, com muita prudência e com ciência!

    Humberto Corrêa
    Presidente da Associação Mineira de Psiquiatria
    Presidente da Associação Brasileira para o Estudo e Prevenção do Suicídio
    Presidente da Associação Latinoamericana de Suicidologia