Vida, Morte e Espiritualidade – Marco Aurélio Baggio – 2004

    Data de publicação: 09/11/2004

    12. Vida, Morte e Espiritualidade.

    Acadêmico Marco Aurélio Bággio

    Conferência realizada no dia 09 de novembro de 2004, na Academia Mineira de Medicina.

    Era uma vez uma Grande Explosão – um Big Bang –, e o Universo se recriou.
    Há exatos 1,7 bilhões de anos.
    Cerca de 100 bilhões de galáxias se constituíram desde então.
    Há 10 bilhões de anos, compôs-se nossa via constelada – a Via Láctea. Em sua periferia, uma estrela de 6ª grandeza – o Sol – apareceu há 4,8 bilhões de anos. Restos de uma estrela gigante vermelha – uma supernova – que, pelas proximidades, desmantelava-se foi capturada pela gravidade do Sol e deu origem a esse planeta rochoso – a Terra –, o terceiro na ordem a partir do Sol. Há exatos 4,6 bilhões de anos.
    Uma série de eventos fortuitos contribuiu para que só aqui, no planeta Terra, surgisse uma excrescência cósmica absolutamente absurda: a vida.
    A vida é uma pátina que só acontece na crosta terrestre, com não mais de 20 quilômetros de espessura, a partir da superfície – 8 quilômetros para baixo, nos oceanos, e 12 quilômetros, na atmosfera.
    A peculiar evolução da Terra propiciou ao sociável átomo de carbono associar-se ao abundante hidrogênio, depois ao oxigênio, ao nitrogênio, ao enxofre e também ao fósforo, ao cálcio, ao potássio e ao ferro, formando os milhares de compostos orgânicos de uma sopa cósmica, na qual teve origem a vida.
    Ainda não se sabe exatamente como a vida surgiu. Desapareceram os vestígios da vida primitiva menos complexa do que uma célula bacteriana.
    O que se abduz é que, de certa feita, uma proteína capaz de absorver energia solar deu um salto evolutivo, passando a um estado instável de não-equilíbrio termodinâmico e teve como única aposta ir adiante, criando a primeira molécula orgânica transformada em um sistema dissipativo. Utilizou energia para manter-se em ordem e produzir-se sem se desmantelar.
    Seu primeiro ato foi manter-se e produzir a si mesma, em um processo contínuo de autopoiese.
    Algum tempo depois, tal sistema optou por reservar-se um espaço para suas cada vez mais complexas operações energéticas e bioquímicas. Cercou-se de uma membrana seletiva e permeável à água e aos substratos minerais e nutritivos de que necessitava. Assim surgiu a primeira e única unidade fiadora da vida: a célula.
    Toda vida é um exuberante espetáculo montado pelas células.
    Primeiro, as bactérias. Eternas, sem núcleo, reproduzindo-se por simples troca de DNA, as bactérias são a base e o esteio da vida. Surgiram há cerca de 3,5 bilhões de anos.
    São consideradas uma única espécie global.
    Unicelulares, aprenderam a se agrupar e formaram, mais tarde, o 2º reino: o dos Protoctistas.
    As bactérias são exímias bioquímicas que aprenderam a capturar a energia sofisticada dos fótons da luz solar para sintetizar compostos químicos de alta energia, a partir da composição de elementos simples, tais como a água e o gás carbônico presente no ar. H2O + CO2 = glicose. Compõem-se assim, pela fotossíntese, as moléculas dos glícides, dos quais o principal é o açúcar: a glicose.
    A glicose torna-se, pois, a preciosa bateria acumuladora da energia bioquímica a ser utilizada por todos os outros processos bioquímicos celulares. Em todos os seres vivos.
    A glicose é ativada mediante fosforilação oxidativa, intermediada pela enzima glucoquinase em presença de ATP – adenosina trifosfato – e de íons de magnésio, transformando-se em glicose – 6 – fosfato. Este é um composto dotado de “alta energia”, mais hábil e propício aos processos de glicólisis do ciclo do ácido pirúvico ou via de Parnas Embden-Meyerhof.
    Nesse percurso metabólico, são produzidas até 38 unidades de ATP por molécula de glicose oxidada. Ao se degradar, o ATP torna-se ADP e disponibiliza 7 a 8 unidades de caloria, que são a energia nobre, limpa e útil, utilizada preferencialmente para todas as complexas operações bioquímicas na célula.
    A adenosina difosfórica – ADP – pode degradar-se em adenosina monofosfórica – AMP –, gerando, igualmente, mais 7 a 8 calorias nesta operação.
    Caloria é a unidade de energia capaz de elevar a temperatura de 1 grama de água dos 14,5°C aos 15,5°C.
    Energia é força em ação.
    A ligação de alta energia propiciada pelo fosfato por meio da oxidação é chamada de fosforilação oxidativa da glicose. Por esse singelo e específico mecanismo, transferem-se elétrons e hidrogênio por mecanismos enzimáticos desde a molécula da glicose ao oxigênio, formando ácido pirúvico, depois, ácido láctico e, por fim, concluindo a “via respiratória”, transforma-se em CO2, a ser expelido através da membrana celular, e H2O, que permanece no citoplasma da célula.
    Esse processo acontece na central energética da célula, que são as organelas chamadas mitocôndrias.
    Vida é pátina de células sobre a crosta do planeta.
    Células são luxuosas matérias vivas que aproveitam menos de 1% da luz solar que alveja o planeta, para captar a energia que as impele, trôpegas, adiante, em uma espetacular aposta – a vida, único e maior galardão que distingue a Terra entre todos os trilhões – zilhões? – de corpos siderais.
    A vida são organismos que se cuidaram para tornar-se ilhas de ordem em um universo de caos. Vida é chama de energia em fluxo contínuo, torrentes metamorfoseantes de ordem. Não é coisa, objeto, substantivo em si encerrado. Vida é verbo, é luz lembrada: fluxo, consenso de energia útil que sustenta, conserta, recria, repara, supera e se reproduz.
    Vivemos em um Universo entrópico: escuro, frio – 2,7 Kelvin, isto é, pouco menos que o zero absoluto: -273,16° centígrados.
    Só 1% do Universo é pontilhado pela furiosa e quentíssima matéria bariônica dada pelos 100 bilhões de galáxias luminosas. Assim, sendo os sóis fornos de cozimento de hidrogênio, o elemento químico mais simples que existe, responsável por 75% de toda a matéria conhecida do Universo, os siderais espaços de “matéria escura” e de “energia escura” que compõem 95% a 99% do Universo frio, são vorazes devoradores da forma mais degradada de energia: o calor.
    Daí por que consideramos o “milagre” da vida. Ela é um desafio atrevido e bem-sucedido que vai de encontro à Lei da Gravidade e, sobretudo, é um deboche exultante à 2ª Lei da Termodinâmica.

    1ª Lei da Conservação da Energia: “A soma das energias totais de um sistema se mantém constante.”
    2ª Lei da Termodinâmica: Os sistemas físicos tendem a perder energia – calor – para seu meio circundante. Ou, por outra: a entropia de um sistema isolado só pode crescer, o que corresponde ao caráter espontâneo da evolução da ordem para a desordem. A energia de alta qualidade tende a degradar-se pelo atrito, transformando-se em calor.
    Vida é luxo que despende energia a mancheias para manter seus frágeis, mas insistentes processos transeuntes, criando ilhotas fervilhantes e exuberantes de uma nova ordem cósmica, qualificando o planeta Terra.
    Sim, porque foi somente aqui, na Terra, que a natureza deu de querer avançar para além da matéria inanimada rumo à criação dos cinco reinos de vida que hoje convivem, em harmonia, sobre a crosta do planeta. A vida é a superfície da Terra. Seres vivos e meio ambiente estão inextricavelmente entrelaçados.
    Curiosa e jamais repetida peculiaridade, a natureza natural – a res extensa – adquiriu a teleologia de tornar-se viva, diferenciar-se em presumíveis 50 bilhões de espécies ao longo de 3,6 bilhões de anos, sofrer cinco grandes extinções de vida, mas chegar à nossa era com cerca de 30 milhões de espécies de seres vivos distintos, dos quais se conhecem, ainda, apenas uns 3 milhões catalogados. Destes, um milhão, só de besouros.
    Sabe-se que cada espécie altamente dispendiosa em termos energéticos – a classe dos mamíferos – vive, em média, 3 milhões de anos antes de se extinguir ou ser substituída por outras.
    Esquisita essa propriedade de a natureza, na Terra, uma vez tornada viva, ter a clara propensão de dotar cada ser vivo em uma entidade senciente, isto é, capaz de sentir e de perceber seu entorno, de agir e reagir como melhor lhe convier. A camada de vida molda e modifica a biosfera, caminhando para já formar uma noosfera.
    Não apenas. Na medida em que evoluem as espécies, há uma complexificação crescente de atributos com o surgimento de propriedades sensoperceptivas cada vez mais apuradas, culminando com o aparecimento da inteligência animal.
    E num broto desgarrado da evolução das espécies vivas, apareceu um derivado símio, um hominídeo, que, por acaso, sofreu um processo de telencefalização exuberante, tornando-se um bípede pensante, capaz de ter consciência de sua condição de vida e de seu destino.
    À agudez da consciência de sua precariedade como ser vivo e à estonteante percepção de sua fragilidade é acrescida a ingente incapacidade de forjar seu trajeto existencial. Aí, então, o ser humano descarrila, quando vem a saber que seu fim está em edital. Que ele deve uma morte à natureza. Que seus processos metabólicos vitais sofrem abiotrofias – perdas anatômicas e funcionais que acontecem pelo simples transcurso da idade. Que adoece endogenamente e involui e envelhece. Que, ao nascer, está metido em uma enorme loteria onde há prazos demarcados para haver a desintegração de seus processos metabólicos autopoiéticos. Inscrita na âmago de sua vitalidade, há uma morte programada, com hora marcada. A morte é o verme no cerne do ser vivo.
    O homem tem consciência de que, desde as afirmações do grande biólogo Haeckel, sabe-se que é conto da carochinha dizer-se que há “uma alma pessoal” que reside dentro da célula e do corpo. A imortalidade do que quer que seja vivo é impostura, declara ele. 3:57
    Quando a vida se esvai num vagido da respiração terminal, para onde vai aquilo que até então a animava? Onde está seu espírito vivificador?
    A morte acontece quando fracassa nosso cansado sistema autopoiético de produzir-se a si mesmo. Então, rapidamente, entram em falência múltipla as delicadas e complexas interações bioquímicas de nosso metabolismo.
    Surge a tanose, a apoptose, isto é, a morte celular maciça, irreversível. Morte celular por simples decurso de prazo.
    A morte é uma afecção sexualmente transmitida. Protoctistas, plantas, fungos e animais, seres dependentes da reprodução por gametas haplóides que se conjugam sexualmente, são seres diferenciados e maravilhosos, indivíduos que pagam com a morte sua bacanidade e sua sexualidade.
    Todos somos cadáveres prometidos aos vermes, aos fungos e às bactérias.
    A morte de cada um é um fantasma que nos assusta em nossas soturnas elucubrações.
    O túmulo é o grande nivelador comunista. Somos arquitetura orgânica, cujos elementos constitutivos tomamos emprestados das reservas da biosfera, em uma hipoteca com prazo demarcado para devolver.
    Em nossa grandiosa pretensão narcísica, pavoneamos por aí, tentando auto-enganar-nos, mestres que somos do disfarce, da negação acachapante daquilo que nos incomoda e farsantes nas tramóias do auto-engodo.
    No fundo, porém, somos todos sabedores da dívida que temos a pagar. Pertencemos àquilo que nos pertence: o poço ctônico ao qual devolveremos os componentes químicos elementares de nosso corpo.
    Recebidos por empréstimo do banco da biosfera, o carbono, o oxigênio, o nitrogênio, o fósforo, o enxofre, o hidrogênio, o potássio, o cálcio, o ferro, o magnésio e o zinco têm de ser devolvidos, inultos e incólumes: integrais, ao solo do tempo eterno. Para reciclagem e reaproveitamento.
    A biosfera é um sistema fechado: (quase) nada entra, nada se perde.
    Somos uma etapa transitória da evolução de uma substância que existe pelos bilhões de anos, vagando pelo espaço infinito.
    Só assim somos eternos: como matéria atômica pertencentes aos depósitos cósmicos da superfície da Terra. Apenas não devolvemos ao cosmos a energia nobre, útil, fosforilada. Esta, despendemo-la fartamente ao longo de nossa existência, perdulária e dissipativamente, degradada sob a forma de calor. Este, por sua vez, é tão bem recebido por um Universo frio e absolutamente indiferente ao nosso destino. Vivemos, se possível gloriosamente, em um Universo em desencanto.

    A essa sexta mutilação narcísica,
    Copérnico – a Terra não é o centro do mundo;
    Marx – as relações de produção condicionam a vida do homem;
    Darwin – o homem não tem especiais privilégios de confecção;
    Nietzsche – Deus está morto;
    Freud – o homem não é o senhor de sua mente;
    Baggio – após a morte, há apenas decomposição cadavérica, os homens sempre tentaram renegar essa dura contundência.
    Após a morte, nosso corpo – soma – retorna à ordem bacteriana e fúngica para ser desmontado em processos catabólicos, que decompõem e nos fazem voltar, como pó, aos depósitos da biosfera. A matéria será reaproveitada e mudará de forma, incessantemente. Tudo tem serventia, um dia. A eternidade cósmica da matéria inerte é a única que nos resta. A matéria de nosso corpo, aparentemente nossa propriedade e nossa riqueza, não nos pertence. Pertence à Terra, à biosfera e para ela retorna. Sempre. Invariavelmente.
    Alma é a animação do ser vivo energizado. Espírito é coalizão de qualidades depuradas do ser vivo psiquizado. Ambos exalam, dissolvem-se, desaparecem no cadáver.
    No Universo, não há lugar para tais entes. Eles só existem no âmbito de conceitos e de abstrações, metaforicamente úteis para descrever as peripécias e as vicissitudes em nosso psiquismo irrequieto e imaginoso.
    A consoladora crença que nos acompanha desde o homem primitivo até largas parcelas da humanidade, ainda hoje, de que há uma ilusória e jamais evidenciada existência de uma outra vida após a morte, é a maior prova da renitente necessidade de os seres humanos se englorarem, ludibriarem-se.
    Construir mausoléus e pirâmides. Enterrar pessoas vivas ou imolá-las em fogueiras, como no ritual sati (suttee) dos antigos hindus, colocar alimentos, bebidas, objetos, utensílios, ervas medicinais, lamelas, jóias e livros nas tumbas não teve nenhuma serventia para os cadáveres.
    Assim também orações, recitações, ritos e cerimônias fúnebres mostraram sua utilidade nos processos de luto para aqueles que sobreviveram ao morto querido, mas, absolutamente, não mudaram em nada o inexorável destino do cadáver.
    Ela é o máximo equalizador comum.
    O estudo empenhado do livro da biosfera demonstra que a vida, o sexo, a evolução das espécies e a morte são fenômenos estritamente exclusivos da superfície da Terra.
    A vida não é fruto de forças cegas ou de entidades extraterrestres de qualquer tipo, mas sim fruto das excepcionais condições de que desfruta este globo onde há abundância de elementos de peso atômico elevado: O2, C, N, S, Ca, K, Fe, Mg, P, além de hidrogênio.
    Portanto, a Terra não proveio do Sol, estrela quase toda composta só de hidrogênio que, em reação de fusão nuclear, transforma-se em hélio, o que permitiu uma estabilidade relativa da temperatura planetária nos últimos 3 bilhões de anos.
    A Terra dispõe de água em estado líquido há 4 bilhões de anos. Mantém uma mesma atmosfera com 21% de oxigênio nos últimos 700 milhões de anos.
    Há um trabalho constante de remoção de sais dos oceanos, o que permite manter sua composição química estável, bastante favorável ao aparecimento e à manutenção da vida marinha.
    A vida não surgiu de uma “criação” proveniente de um ser superior, tal como prega o pensamento clerical cristão, mas se deve a uma sucessão de desenvolvimentos cíclicos, dentro de uma perspectiva unitarista que descobre a natureza viva como única e evolucionária. A vida é uma dádiva exuberante da luz solar, incidindo sobre a sopa primeva, há 4 bilhões de anos, na Terra primitiva.
    A vida é um eixo rodopiante, estribado no carbono, dando origem a seres que nascem, crescem, fundem-se e morrem. Vida é matéria vibrante capaz de escolher sua direção, postergando ao máximo sua entrega inevitável ao equilíbrio termodinâmico – a morte. Vida é presente da luz solar a esse planeta privilegiado e astuto, que é a Terra. Somos todos filhos do Sol.
    Sim, porque foi só aqui que surgiram estruturas e sistemas bioquímicos capazes de usar a energia solar através da fotossíntese para acumular e disponibilizar energia intracelular por meio da síntese da água e do gás carbônico.
    Usando a energia assim ofertada para operar os 5.000 tipos de proteínas, enzimas e demais substratos que fazem a sucessão dos processos vitais em cada célula, esta se mantém viva em um estado afastado do equilíbrio termodinâmico, escapulindo da estupidez mortífera da 2ª Lei da Termodinâmica. Célula é ser vivo que usa fluxo de energia para manter-se e para aumentar sua ordem interna, dependendo apenas do aporte de nutrientes para se conservar indefinidamente em autopoiese.
    A célula é a unidade mínima capaz de um metabolismo auto-organizador incessante. 3:89

    Organelas intracelulares

    Mitocôndrias. São bactérias aeróbias, incrustadas na célula por simbiogênese, há bilhões de anos, capazes de fosforilação oxidativa, degradando o nutriente glicose, fornecendo “alta energia” transportada por todo o citoplasma da célula pelo mediador de energia dado pela ligação de fosfato do ATP – adenosina trifosfato.
    Não são autopoéticas. Contêm DNA próprio. Seu DNA é matrilinear: só o DNA da mãe é transmitido. Somente o óvulo as liga ao embrião humano 4 para a geração seguinte. Usam oxigênio para gerar energia química por meio da “via respiratória”.

    Plastídeos ou cloroplastídeos. São resquícios de seres verde-azulados, capazes de fotossíntese, retirando CO2 do ar, formando glícides, liberando O2, sob o influxo da luz solar. As células animais são mais simples do que as dos vegetais: não contêm plastídeos. As plantas são seres autotrófitos.
    Na fotossíntese, a energia de um fóton da luz solar visível excita um elétron em uma molécula de clorofila contida nos plastídeos. Essa energia excedente é então transferida para uma ligação de fosfato capacitor de carregar a alta energia em uma molécula de ATP, onde permanece condensada.
    O ATP é a forma eletiva de a vida transportar energia e também de poupá-la para uso futuro. 3:113
    Plastídeos são organelas coloridas, presentes em protoctistas, em algas e nas células das plantas verdes. Têm ampla afinidade biogenética com as cianobactérias produtoras de oxigênio que prosperam nos oceanos.
    É sabido que as bactérias são a base e a origem de todas as demais espécies. Uma série intricada de complexos microssimbióticos foi dando origem às espécies de ancestrais dos protoctistas, animais, plantas e fungos.
    Protistas nadadores passaram a ser dotados de plastídeos, ao ingerir bactérias verdes fotossintetizadoras resistentes, que continuaram vivas dentro dos protistas vegetarianos transparentes. Passaram assim a dispor de um suprimento contínuo de fotossíntato, tornando-se auto-suficientes. Depois, esses protistas esverdeados evoluíram para algas, verdadeiras estufas verdes, abundantes em pigmentos verdes da clorofila.

    Centríolos. São estruturas de borda na célula onde se transformam em cinetossomos, nos quais desenvolvem condutos. Estes, por sua vez, exibem um padrão característico: 9(2)+2. Dois túbulos no centro, cercados por nove conjuntos de dois túbulos, formam um círculo. Tal estrutura se expande para fora da célula, aparecendo um cílio, um flagelo, uma cauda: um “pé ondulatório”, que Lynn denomina undulipódio. Tal organela vibrátil é de especial importância para a locomoção da célula em meio aquoso ou mucoso. É o movimento que permite à célula fazer microescolhas e direcionar-se para onde melhor lhe convém.
    No entanto, há um preço a pagar. À medida que se diferencia e se especializa, a célula perde a capacidade de se reproduzir indefinidamente. Uma célula dotada de undulipódio é uma célula marcada para morrer, uma vez que a organela centríolo-cinetossomo é irreversível.

    Núcleo. Há células anteriores ao surgimento do núcleo-procariontes ou procarioto. As bactérias não têm núcleo.
    Já os animais, os fungos, as plantas e os protoctistas dispõem de núcleo em todas as suas células. São os seres eucariotos ou eucariontes. As bactérias são seres evolutivamente anteriores mais simples.
    Dentro do núcleo celular, alojam-se as longas cadeias moleculares de DNA – ácido desoxirribonucléico – contendo o patrimônio genético do ser vivo sob a forma de cromossomos. A célula diplóide do ser humano tem 46 cromossomos.

    Os cinco reinos

    1º. Bactéria ou Monera ou Procarioto. Não tem núcleo delimitado por membrana dentro de seu citoplasma. Seu material genético está disperso por todo seu corpo.
    Bactérias são sistemas de matéria viva em desequilíbrio. Elas trocam genes entre si de maneira frenética e promíscua, visando a estabelecer o maior e o mais diversificado número de combinações possíveis. Por isso mesmo, considera-se que todas as bactérias do mundo pertencem a uma mesma espécie. Trocam genes horizontalmente umas com as outras, em um processo não sexuado.
    Espertas, as bactérias são seres associativos, adquirindo e incorporando atributos que lhes são favoráveis à vida, mediante simbiogênese.

    2º. Protoctista. Microorganismos eucarióticos, dotados de núcleo. São denominados protistas, quando unicelulares. Incluem-se eles algas, amebas, foraminíferos em um total de 250.000 espécies.

    3º. Animais. Animalia. Dotados de células nucleadas desprovidas de plastídeos, são heterotróficas, dependendo da provisão de alimento externo, obtido por um tubo digestivo onde há a ingestão do alimento. Suas células são dotadas de motilidade interna, reproduzindo-se pela mitose: divisão do núcleo característica das células eucarióticas, que produz duas células descendentes de igual qualidade.
    Os animais se desenvolvem por fertilização do óvulo pelo espermatozóide, provenientes de uma fêmea e de um ser macho. O “plasma germinativo” – os gametas – são produzidos por meiose. Esse processo ocorre pela divisão de um núcleo diplóide, na qual o número de cromossomos é reduzido à metade – haplóide. Quis a evolução da vida cindir assim o patrimônio genético a uma metade macha – paterna – e a uma metade fêmea – materna –, obrigadas, a cada vez, a compor-se em um ser individualizado, único em sua dotação genética. A reprodução meiótica por células germinais haplóides chama-se reprodução sexuada.
    Animais, plantas e fungos se reproduzem sexuadamente. Com a introdução da sexualidade meiótica, a natureza houve por bem marcar prazo para tais seres vivos, impondo-lhes a “morte programada”, por apoptose celular, dando cabo da vida e retomando os substratos que emprestou para serem utilizados em outra ocasião.
    Óvulo e espermatozóide geram o ovo fertilizado que forma o embrião – a blástula –, saco vazio de células, típico do reino animalia, que logo irá diferenciar-se pela abertura de uma boca, dando início ao processo típico posterior de gastrulação. Assim, um tubo dentro de um corpo dá origem a um ser vivo que se nutrirá heterotroficamente, por ingestão do alimento.
    Dá-se como certo que os animais surgiram no mar há uns 700 ou 600 milhões de anos. Chegaram à Terra como anfíbios há cerca de 500 milhões de anos. São, portanto, anteriores às plantas.

    4º Plantas. Plantae. Eucariontes multicelulares, em geral fixos, enraizados na terra ou encarapitados em outras plantas (epífitas). Nascem de esporos e de embriões guardados maternalmente. A maioria das plantas realiza a fotossíntese, produzindo seus próprios nutrientes. Suas células são mais complexas por serem dotadas de plastídeos, ribossomas e pigmentos necessários à fotossíntese. As plantas floríferas surgiram há pouco mais de 125 milhões de anos. Produtoras de sementes, envolvidas em generoso endocarpo – os frutos –, as plantas estabeleceram uma valiosa e interessante relação com os animais. Basicamente, é delas que os animais obtêm seu alimento.

    5º Fungos. Fungi. Mychota. São seres multicelulares heterótrofos osmotróficos: armazenam água e decompõem os compostos orgânicos em seus mais elementares constituintes. Propagam-se por esporos.
    São os lixeiros do planeta, agentes ativos nos processos de desmanche e de decomposição da matéria orgânica morta. São o baixo-ventre da biosfera. Fornecem o fósforo necessário para o RNA, o DNA e o ATP.
    São os recicladores do lixo gerado pelos seres vivos. Seu reino é o solo, em grande parte por eles criado – o húmus. São hábeis desmontadores de sistemas e de estruturas decaídas.

    Vírus não são considerados seres vivos. Reproduzem-se no interior de células vivas. Não são autopoiéticos. Não são capazes de metabolismo auto-sustentado.

    Algas são protoctistas fotossintéticos. Incluem as algas verdes (clorofíceas), as diatomáceas e o fotoplâncton – base da cadeia alimentar marinha.
    As chamadas “algas verde-azuladas” são bactérias fotossintetizadoras que produzem oxigênio.

    Líqüens. Há cerca de 25 mil espécies de fungos que se associam com algas ou cianobactérias, formando esse aglomerado capaz de realizar a fotossíntese e de gretar as rochas.

    A matéria inanimada apresenta tendência a se tornar matéria viva. Seres vivos manifestam senciência. A vida propende a psiquizar-se. Percebe o entorno, sente modificações, reage ao que a ameaça, apresenta estados afetivos sutis, atua em bloco sob o influxo de emoções. Por fim, adquiriu inteligência, raciocínio e capacidade de ajuizamento.
    Devaneia, imagina, sonha e fantasia. Cria a linguagem e passa a operar com metáforas, símbolos e metonímias. Exibe cinésica e expressividade. Manifesta intenção, vontade e espírito integrado e depurado.
    A inteligência espiritual que certos homens excelentes experimentam é o cume do processo de psiquização da vida.
    A natureza é um sistema complexo em evolução, que criou a vida utilizando um fluxo perene disponível de energia, que possibilita o aparecimento de beemotes, de quimeras e de sequóias.
    Vida é um modo ardiloso e bem-sucedido de usar o não-equilíbrio presente no Universo. É uma aposta exitosa na irreversibilidade da flecha prospectiva da passagem do tempo. É uma das maravilhosas manifestações da capacidade de o Universo, por si, auto-organizar-se, rumo a sua teleologia.

    A civilização cria um sistema de valores que é benéfico, mas ele vem acompanhado, desgraçadamente, por um sistema de violência indesejável.
    Os avanços da neurociência mostram que vivências mediúnicas, paranormais e espirituais derivam de estados alterados da consciência, modulados por variações na química do cérebro. Nossa mente constitui o epifenômeno decorrente das variadas propriedades de uma intricada rede de trilhões de conexões neuronais no cérebro.
    Lamentavelmente, a idéia de que um componente espiritual de nosso corpo sobrevive à morte ou, mais destacadamente, a necessidade de acreditar em uma outra vida após a morte é sempre uma oferenda muito consoladora e, por que não?, desejável. Crenças, seitas e religiões se apressam a conceber escatologias e não têm dificuldades para vender suas doutrinas de outras vidas futuras aos crédulos e aos aflitos. Mesmo que a comprovação disso seja nula.
    “Aquele que morre com mais brinquedos ganha.” (Frank Sinatra).

    Referências bibliográficas

    1. AMABIS, J. M. e MARTHO, G. R. Biologia das células I. São Paulo: Moderna, 1994.
    2. GUIMARÃES, Romeu Cardoso. Procuram-se ilusões. Botucatu: DAG, 1994.
    3. MARGULIS, Lynn e SAGAN, Dorion. O que é vida? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
    4. OLIVEIRA, Milton de. Caos, emoção e cultura. Belo Horizonte: Ophicina de Arte & Prosa, 2000.
    5. SCHNITMAN, Dora Fried. (Org.) Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.