Um homem chamado Langerhans – José de Souza Andrade Filho – 2011

    Data de publicação: 07/06/2011

    Acadêmico José de Souza Andrade Filho

    UM HOMEM CHAMADO LANGERHANS

    José de Souza Andrade Filho

    Paul Langerhans (1847-1888) é, para a maioria dos médicos, um “ilustre desconhecido”. Se a maioria dos cientistas e médicos se imortalizaram pelas suas descobertas e tiveram honras de várias biografias, só 50 anos após a sua morte, ocorrida em 1888, é que surgiu uma primeira nota sobre a importante contribuição de Paul Langerhans à medicina.
    Em 1869, em seus estudos de doutorado em Berlim, observou pequenas estruturas no pâncreas, diferentes do parênquima exócrino, até então desconhecidas. Em seu trabalho científico refere-se a “grupamentos de células protoplasmáticas epiteliais-símiles, ocupando o tecido interalveolar do pâncreas”. Contudo, ignorara o porquê daquele achado. A criação do nome “Ilhotas (ilhéus) de Langerhans” parece ter sido iniciativa e homenagem do cientista francês Laguesse, que fez investigações nesta área, por volta de 1893 (mais de 20 anos após).
    Nas ilhotas que levam o seu nome, muito tempo depois, desvendou-se parte do enigma: naqueles grupinhos celulares havia uma fantástica montadora, não de veículos com prováveis defeitos de fábrica, mas de moléculas de altíssimo padrão. Estas, na alma de células especiais são sintetizadas através do recrutamento de aminoácidos que, enfileirados nos devidos nichos bioquímicos, geram uma senhora chamada INSULINA, um senhor de nome GLUCAGON e alguns outros cidadãos como o PP e VIP.
    Em 1868 PL não havia concluído o curso médico. Era ainda estudante de medicina. O eminente patologista Julius Cohnheim ensinou-lhe a técnica do uso de cloreto de ouro e ele empregou-a em amostra de pele. Identificou células dendríticas semelhantes aos melanócitos, mas livres de pigmento e dopa negativas. Portanto, demonstrou pela primeira vez, a existência destas células, até então desconhecidas, na epiderme humana. Título do seu trabalho: Langerhans P. Über die Nerven der menschlichen Haut. Virchows Arch Pathol Anat. 1868; 44:325-37.
    Estas células permaneceram como um enigma funcional cerca de um século. Só na segunda metade do séc. XX, os cientistas e médicos foram desvendando o mistério fascinante destas estruturas de morfologia e funções fantásticas. As CL da epiderme, mas também encontradas em vários outros órgãos, nascem na medula óssea e, como um imigrante ou aventureiro tipo um homem chamado cavalo, aristocrata inglês, atingem a pele, imiscuem-se entre os ceratinócitos e espalham sua imensa cabeleira em todo o nosso tegumento.
    As CL, sabe-se hoje, são apresentadoras de antígenos, que promovem as reações cutâneas de hipersensibilidade retardada. As evidências atuais indicam que as CL imaturas ou seus precursores derivados da medula óssea chegam por meio dos vasos sanguíneos da derme e, então, invadem a epiderme. A maioria das CL está localizada no estado germinativo, onde se constatou que algumas ficam em estreita aposição a pequenos linfócitos.
    Elas têm receptores Fc de superfície para IgG e receptores de complemento para C3, o que caracteriza a linhagem monócito-macrófago. Além disso são positivas para T6, que é um antígeno de superfície expresso por linfócitos T imaturos durante a sua diferenciação intratímica. Seu papel é o de servir como células apresentadoras de antígeno na iniciação de reações de hipersensibilidade cutânea por contato (dermatite alérgica por contato).
    A célula de Langerhans é um elemento distinto, sobre a qual pode ser feito o diagnóstico de granulomatose de células de Langerhans (granuloma eosinofílico), hoje considerado uma proliferação neoplásica. As lesões resultam da infiltração das células de Langerhans, causando destruição local do tecido ósseo, possivelmente através da produção excessiva de interleucina 1 e prostaglandina E2.
    Esta condição, isto é, o granuloma eosinofílico, é a forma benigna da doença (histiocitose x). Outras formas mórbidas que também têm por substrato a proliferação de células de Langerhans são a doença de Niemann-Pick e a doença ou síndrome de Hand-Schüller-Christian.
    A Man Called Horse (br: Um homem chamado cavalo) é um filme estadunidense de 1970, do gênero western, dirigido por Elliot Silverstein. O roteiro é baseado no conto A Man Called Horse, de 1968, do livro Indian Country de Dorothy M. Johnson.O filme conta a história de um aristocrata britânico que foi capturado por uma tribo de índios (Sioux no filme, Crow no livro).
    Sinopse do filme
    John Morgan, um aristocrata inglês de modos refinados, faz parte de uma expedição em Dacota em 1821, quando é capturado pela tribo dos “Mãos Amarelas”, índios da nação Sioux. É inicialmente escravizado e tratado como um animal de carga pelos guerreiros. Depois é colocado para trabalhar com as mulheres da tribo, em seus afazeres domésticos. Com o tempo ele aprende a respeitar a cultura nativa, ao mesmo tempo que seus captores o aceitam como um dos seus. Na tribo há outro homem branco cativo, Batise, que só pensa em escapar. Morgan chega a matar dois selvagens das tribos rivais (e os escalpela) e com isso consegue receber o almejado status de “guerreiro”, passando a ser chamado de “Horse” pelos outros.
    Deseja casar-se com uma índia, mas para isso deve passar por todo o doloroso ritual imposto pelas tradições da tribo.
    Paul Langerhans, além de cientista e também professor, sempre objetivando aumentar os seus conhecimentos e fazer investigação científica, viajou por vários países. Em 1870, visitou o Egito e a Palestina. Em 1871 foi trabalhar na Noruega com Karl von Kupffer e Carl Ludwig. Foi contratado pela Universidade de Freiburg como docente, tendo publicado 11 artigos de 1871 a 1874. Aos 29 anos é nomeado professor e viaja também a Capri, onde começa a trabalhar no Research Institute for Zoology, de Nápoles.
    Nesta altura, começa a apresentar os primeiros sinais de tuberculose, o que determinou a sua vinda para a Ilha da Madeira, considerada de ótimo clima para “tratar” desta micobacteriose. Frequentaram a Ilha da Madeira, Cristovão Colombo, Winston Churchill e a imperatriz Sissi da Áustria, entre outros famosos, todos com tuberculose.
    Considerei estes aspectos paralelos, pelo menos em parte, aos do aristocrata inglês John Morgan, que fez uma longa viagem e se incorporou a uma tribo de índios americanos, levando grandes benefícios aos mesmos, inclusive salvando a tribo de um inverno muito rigoroso que se aproximava. Com dificuldade, convenceu ao cacique da importância da transferência de todos para outra região, onde ficariam resguardados, o que de fato ocorreu.
    Paul Langerhans morreu de insuficiência renal/uremia, na sexta-feira de 20 de Julho de 1888, às 02h30 da madrugada, cinco dias antes do seu 41º aniversário, em Funchal, na Ilha da Madeira. Foi sepultado dois dias depois, no cemitério britânico, na Rua da Carreira. Segundo um historiador americano, o local foi escolhido por ele, que o descreveu como “a true graveyard, isolated and quiet, a good place to rest”.

    Esta palestra resultou do estímulo produzido nos neurônios que me restam, quando o meu particular amigo e colega, a quem muito admiro, Dr. José Silvio Resende, me presenteou com um artigo escrito por portugueses da Ilha da Madeira, homenageando o grande cientista Paul Langerhans.