Tireoidectomia: uma cirurgia a ser reabilitada – Eloy Henrique Dutra Câmara – 1999

    Data de publicação: 19/08/1999

    TIREOIDECTOMIA: UMA OPERAÇÃO A SER REABILITADA

    Eloy Henrique Dutra Câmara

    Resumo do Trabalho Científico apresentado pelo candidato à cadeira nº. 71 da Academia Mineira de Medicina, em 19/08/1999.

    Resumo
    O autor, baseado na análise retrospectiva de 169 tireoidectomias, faz restrições ao conservantismo excessivo adotado por clínicos e endocrinologistas no tratamento das tireopatias, o que parece ter sido uma tendência nas últimas décadas.
    Dado o enorme progresso atingido na propedêutica da glândula, no pré e pós-operatório, na anestesia e na técnica cirúrgica, parece-nos indicada uma conduta mais agressiva no tratamento das afecções tireoidianas.
    A baixa morbidade e a ausência de mortalidade nesta série operada em condições nem sempre ideais, são forte argumento a favor da mudança para a conduta cirúrgica em bom número de casos. Esta tendência de se postergar o tratamento cirúrgico foi conseqüência de um receio por parte do doente, por uma operação de grande porte sob anestesia geral, e também muitas vezes, por não estar o cirurgião geral familiarizado com uma intervenção que exige cuidados tão minuciosos em campo tão rico de delicados elementos nobres.

    Unitermos – tireoidectomia, bócio nodular, hipertireoidismo.

    Introdução
    Na última parte do século passado alguns cirurgiões ficaram famosos por praticarem cirurgia sobre a tireóide. Billroth em Viena e posteriormente Kocher em Berna na Suíça (1876) foram os pioneiros deste campo na Europa. Halstead levou para os Estados Unidos a técnica primorosa deste último e a mesma foi seguida entre outros, pelos irmãos Charles e William Mayo (1,2,3). A identificação e estudo das paratireóides pelo pesquisador francês Gley (4) no fim do século passado foi um marco importantíssimo na explicação da temida “caquexia paratireopriva” (5 – 9). Identificada a causa da tetania posoperatória, restou aos cirurgiões prevenir a terrivel “thyroid storm”, que, hoje praticamente desapareceu com o uso das drogas anti-tireoidianas. Após os estudos pioneiros de diversos cirurgiões, principalmente Crile, Crile Jr. e Lahey nos Estados Unidos, a anatomia dos nervos recorrentes laríngeos inferiores e do ramo externo do laríngeo superior passou a ser exaustivamente estudada por anatomistas e cirurgiões. Podemos afirmar que poucas estruturas anatômicas foram tão cuidadosamente investigadas (9 – 28). O conhecimento seguro da anatomia da região da tireóide, o preparo e seleção criteriosa dos pacientes, avanços na técnica operatória, anestesia e cuidados pós-operatórios, tornaram as operações extremamente seguras e grandes séries de cirurgias bem sucedidas passaram a ser publicadas. Não resta dúvida de que o estudo dos nervos, vasos, peculiaridade de cada tipo de bócio, neoplasias de todo tipo e, também o trabalho fenomenal de E, Gley, possibilitaram ao cirurgião evitar complicações gravíssimas como a tetania pós-operatória. Com conhecimento anatômico seguro, boa anestesia e preparo cuidadoso do paciente, pôde-se padronizar a técnica cirúrgica, que, com pequenas variações é adotada pela grande maioria dos cirurgiões (29 – 35). Alguns pontos polêmicos ainda existem, tais como dissecção sistemática dos recorrentes, secção dos músculos pré-tireoidianos, laringoscopia prévia, etc., mas de um modo geral não interferem no resultado final.

    Material e Métodos
    Num período de cerca de 20 anos, 169 operações sobre a tireóide foram executadas pelo autor. Como nas grandes séries nos acreditados serviços mundiais, os resultados finais foram muito bons, embora a nossa amostragem seja pequena. Como em geral é relatado em todas as comunicações sobre o assunto, há uma nítida predominância de pacientes do sexo feminino. As indicações para cirurgia foram desfiguração estética, compressão de estruturas nobres, hipertireoidismo e suspeita de malignidade (ou malignidade comprovada ). O encontro de casos de Tireoidite de Hashimoto também nos surpreendeu, o que vem acompanhando uma tendência mundial no aumento deste tipo de patologia, muitas das pacientes se queixando de dor local e sintomatologia prévia de um hipertireoidismo fugaz. Face à baixa morbidade e mortalidade 0, adotamos a técnica preconizada pelos principais autores cujos tempos principais consistem em incisão apropriada a meio caminho entre a cartilagem tireóide e a fúrcula esternal, secção dos músculos pretireoidianos quando necessária para boa exposição da glândula (secção sempre bem alta para poupar a inervação que vem dos ramos da alça do hipoglosso), exposição da face anterior do lobo tireoidiano, ligadura das veias tireoidianas médias e inferiores, ligadura da artéria tireoidiana superior nos seus ramos (para não englobar o ramo externo do laríngeo superior), exposição da face posterior da glândula: fazemos sistematicamente a identificação dos recorrentes e paratireóides. Um cuidado especial deve ser dado em sempre se ressecar o lobo piramidal quando este existe. O tamanho dos cotos tireoidianos deve ser de cerca de 4 a 6 grs. De cada lado. É desnecessário dizer que a dissecção meticulosa, bem como hemostasia extremamente cuidadosa sempre fazem parte do ato cirúrgico, no qual a preocupação com o tempo gasto na cirurgia deve ficar em segundo plano. Sempre que possível a entubação endotraqueal e exame da mobilidade das cordas vocais deve ser feito antes e após o término do ato operatório. Sempre drenamos as lojas grandes, o que não é um ponto pacifico entre todos os cirurgiões (35). Na ilustração abaixo vê-se a relação intima entre a artéria tireoidiana superior e o ramo externo do laríngeo superior, razão pela qual devemos ligar a artéria nos seus ramos para não englobar o nervo.
    A lesão deste nervo provoca paralisia do músculo crico-tireoideo que é o tensor das cordas vocais, resultando num cansaço da voz e incapacidade do individuo emitir os timbres agudos. Esta lesão é particularmente grave em pacientes para os quais o uso da voz é extremamente importante (locutores, cantores, professores, etc.).

    RESULTADO – Na série de 169 tireoidectomias houve uma nítida predominância de pacientes do sexo feminino, o que é uma constante nas grandes séries de quase todos autores. As faixas etárias predominantes forma as da terceira à sexta décadas da vida.

    Faixa etária em anos
    Na série de 169 tireoidectomias houve apenas 1 caso de hipoparatireodismo que regrediu espontaneamente em poucos dias e certamente deveu-se a manipulação excessiva da face posterior da glândula, com comprometimento transitório na delicada irrigação das paratireóides (sempre evitamos fazer ligadura definitiva da tireoideana inferior para não provocar isquemia traqueostomia. Não tivemos nenhum caso de lesão de recorrente embora disfonia pós-operatória de até 4 dias fosse observada em 4 casos.
    A complicação que tivemos com maior freqüência foi a drenagem prolongada, em 1 caso até 12 dias, que ocorreu em 8 pacientes. Em 2 casos tivemos que reoperar os pacientes 2 e 5 anos após cirurgia inicial, pela hipertrofia do coto e volta do quadro de hipertireoidismo. Apenas 2 pacientes em nosso “follow up” se apresentaram alguns anos após a ressecção com quadro de hipotireoidismo.

    RESULTADOS:
    Em 169 exames histopatológicos foram encontrados:
    Carcinoma anaplásico (de pequenas e grandes células)………………………………………………………………6 ( 3,5% )
    Carcinoma papilifero (diferenciados) …………………….6 ( 3,5% )
    Carcinomafolicular (alveolar) ……………………………….3 ( 1;8% )
    Adenoma de células de Hürthle com invasão vascular……………………………………………………………..2 ( 1,2% )
    Tireoidite de Hashimoto……………………………………….7 ( 4,1% )
    Tireoidite subaguda granulomatosa de “De Quervain”…………..7 ( 4,1% )
    Adenoma tóxico (uni e multinodulares – Plummer) …………………28 (16,6%)
    Bócio difuso tóxico (Basedow – Graves) ………………………………..37 (21,9%)
    Bocios difusos ou nodulares sem sinais de hiperfunção ……………..77 (45,6%)

    A incidência de malignidade nos casos operados foi semelhante à descrita nas grandes estatísticas de pacientes não selecionados operados (35,57,59).
    A Tireoidite de Hashimoto também teve uma incidência relativamente alta o que traduz uma tendência mundial no aumento desta entidade patológica nas últimas décadas. Dos pacientes com carcinoma anaplásico, o que teve sobrevida maior foi de 15 meses. 1 dos pacientes com carcinoma folicular sobreviveu 6 anos, tendo tido necessidade de aplicação de iodo radioativo por metástases hipercaptantes. Os pacientes com carcinoma papilífero sobreviveram 5 ou mais anos. Em pacientes com Doença de Graves, 2 tiveram recidiva de nódulos funcionantes, sendo reoperdos, 2 e 5 anos respectivamente após a operação inicial.
    O tipo de operação mais efetuado foi a tireoidectomia subtotal bilateral. Em 8 casos efetuamos tireoidectomia total, destas, 3 acompanhadas de esvaziamento cervical unilateral com preservação do esterno-cleido-mastoideo. Nos bócios operados, 8 apresentavam prolongamento mergulhante no estreito superior do tórax; não houve nenhum bócio inteiramente intratorácico. A forma hiperoftalmopática da Doença de Graves (exoftalmia maligna) não foi encontrada; uma única paciente com exoftalmo exagerado, injeção conjuntival acentuada e passado de úlcera de córnea, que nos procurou desejando ser submetida à cirurgia, foi aconselhada a se tratar clinicamente e encaminhada ao endocrinologista e oftalmologista, sendo perdida no nosso seguimento. – O preparo pré-operatório sempre foi feito com 10 ou mais dias de Lugol por via oral para tornar a glândula menos friável e com menor irrigação: todos os pacientes foram levados às condições mais próximas do eutireoidismo antes do ato operatório, quando apresentavam hiperfunção. Preparamos os pacientes hipertireoideos com drogas antitireoidianas (propiltluracil ou carbimazol) e, quando não havia contra-indicação, betabloqueadores (propranolol). Nos exames pré-operatórios sempre fazemos radiografia de tórax para vermos as projeções retro-esternais do bócio. O encontro de câncer nos espécimes cirúrgicos foi semelhante ao relatado nas grandes séries publicadas (39 – 47).
    DISCUSSÃO:
    Em vista da benignidade da tireoidectomia com curta permanência hospitalar, complicações de pouca monta, rápido retorno ao trabalho, baixo custo, além de outras vantagens sobre tratamentos clínicos demorados, achamos que ela deva ser indicada com maior freqüência. O domínio deste tipo de cirurgia deve fazer parte de nosso currículo médico, o cirurgião geral devendo estar afeito à cirurgia que tantos benefícios traz a seus pacientes. Devemos nos lembrar também que, bócios com compressão traqueal ou freqüentes fenômenos degenerativos, podem levar a complicações, muitas vezes desastrosas; neste campo adiar indefinidamente o tratamento cirúrgico não nos parece uma atitude prudente. O estudo pré-operatório completo seguidos de operação bem conduzida, são em grande número de casos, a melhor solução. O uso prolongado de propil ou similar, betabloqueadores, exames e visitas freqüentes ao médico, levam muitas vezes o paciente hipertireoideo ao abandono do tratamento; para eles também o iodo radioativo não é de fácil acesso além de contra-indicado em crianças, grávidas, ou mulheres em período procreativo. Mesmo com biópsia aspirativa por agulha fina repetida, ultra-sonografia, cintilografia, etc., pode persistir a dúvida sobre a natureza do nódulo (48 – 54). A tireoidectomia em tais casos impõe-se como o tratamento de eleição, dirimindo todas as dúvidas, além de oferecer bom resultado cosmético (54). A vantagem adicional da operação é ser o tratamento de escolha para a mulher grávida com hipertireoidismo (55 – 57). A aplicação do iodo radioativo nos casos de hiperfunção tem muitas vezes a dificuldade de acesso do paciente ao tratamento, problema da dose do radioisótopo em função do tamanho do bócio e a progressão do doente inevitavelmente para um quadro de hipotireoidismo, o que não se observa com o tratamento cirúrgico. É pois, a cirurgia, o tratamento de escolha ( 58 – 59).

    Summary
    Based on his series of 169 operations on the thyroid gland with a low incidence of complications and no mortality, the author emphasizes that the conservative trend adopted by endocrinologists and general practitioners is not justified. He makes a plea for a better teaching of thyroid surgery in our medical schools and states that in many cases of thyroid diseases the best treatment is thyroidectomy; however this treatment has been denied to the patients; even taking in account costs, surgery is more convenient. For the patients a rapid return to work, the solution of a long treatment and cosmetic pleasant results are addictional conveniences. Such good results are encouraging many surgeons to review their basic concepts about surgical indications for the treatment of many affections of the thyroid gland. It is necessary a complete team work; patients should go to the operating table in the best conditions the preoperative management could lead them. In the cases where hyperthyroidism is an important feature, the judicious use of beta-blockers together with antithyroid drugs such as propil-thiouracil and carbimazol is very important to put the patients in a condition very close to euthyroidism, with a metabolic rate nearly normal. It is very important to give these patients a course of ten or fifteen days of Lugol (ten to fifteen drops of the saturated solution daily) immediately before the operation to reduce hyperplasia and make the gland more easily handled at the operative act. One more reason in favour of the surgical treatment is the unexpected finding of malignant neoplasias where fine needle aspiration of nodules is inconclusive and in cold nodules where even with repeated captation of I 131 the doubt still persists; compression of trachea and degenerative phenomena within the gland such as cystic degeneration, fibrosis, calcification, areas of hemorrage and occult Ca make surgical treatment needed in most cases. The finding of Hashimoto thyroiditis is another argument towards surgical exploration of the thyroid gland.