Terapêutica Experimental e Clínica na Esquistossomose Mansoni – Naftale Katz – 2005

    Data de publicação: 02/03/2005

    Dr. Naftale Katz

    Terapêutica Experimental e Clínica na Esquistossomose Mansoni
    (trabalho na íntegra, disponível na Academia Mineira de Medicina)

    1.0 – Introdução
    Nas últimas três décadas houve um significativo avanço da terapêutica da esquistossomose mansoni, com a introdução de duas drogas (oxamniquine e praziquantel), que, administradas em dose única, por via oral, apresentam atividade terapêutica elevada baixos efeitos colaterais, o que permitiu o tratamento de milhões de pessoas infectadas.
    É possível que o advento dessas drogas, associado à ocorrência da esquistossomose somente em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, portanto com baixa capacidade de compra, tenha feito com que as indústrias farmacêuticas não se interessem em investimentos vultosos para descobrirem novos fármacos contra essa, ainda, importante parasitose.
    Embora considerando especialmente o praziquantel, como uma droga com muitas das propriedades que se deseja para uma droga ideal, ou seja, com: 1) ausência ou freqüência baixa de efeitos colaterais e tóxicos para o homem; 2) alta atividade curativa nas três principais espécies que parasitam o homem (Schistosoma mansoni, S. hematobium e S. japonicum); 3) eficácia em dose única; 4) administração oral; 5) atividade contra todos os estágios do parasita; 6) estabilidade química em comprimidos ou suspensão, com vida longa “na prateleira”, sem necessidade de armazenamento especial, e por último, mas não por fim, 7) baixo custo, continua existindo a necessidade de descobrimento de novos agentes contra a esquistossomose. É claro que poderiam ainda ser acrescentadas outras qualidades, tais como ação sobre todas as cepas do parasita, nas diferentes regiões do mundo, compatibilidade farmacológica com outras drogas, etc. Todavia, as sete qualidades acima referidas bastam para servir como orientação na busca de novos fármacos, pois a droga ideal para a esquistossomose ainda não existe. Não só não existe, como não vem sendo procurada.
    Considerada como uma doença negligenciada pela Organização Mundial de Saúde, a esquistossomose tem recebido pouco investimento em pesquisa visando a encontrar nova droga nas últimas décadas. De fato, progressos significativos não têm sido alcançados também no desenvolvimento de novas técnicas para o estudo experimental de novos fármacos na esquistossomose. Portanto, para revisões mais detalhadas sobre técnicas de manutenção do ciclo e dos testes de avaliação de drogas, continuam válidas as revisões feitas por Standen 1963, Pellegrino & Katz, 1968 e Katz & Pellegrino, 1974. Para uma visão atualizada sobre drogas em uso hoje em dia e ou em desenvolvimento, sugere-se a revisão de Cioli, Pica-Mattoccia e Archer (1995).
    Na busca de novos fármacos para a terapêutica experimental deve-se considerar os objetivos a se alcançarem e assim se pode ter drogas com atividades diferentes, que, portanto, terão abordagens diversas para serem encontradas como: drogas profiláticas, que irão prevenir a infecção, pois agiriam nas formas jovens do verme; drogas supressoras, que acabem com a postura das fêmeas e, portanto, eliminem o principal agente patogênico, o ovo, além de interromper a transmissão da parasitose; e drogas curativas, que matam todos (ou quase) os vermes maduros, interrompendo a infecção.
    Uma quarta abordagem poderia ser a da droga anti-patologia, isto é, que produziria a reversão das lesões já ocasionadas pelo S. mansoni, especialmente a reversão da fibrose e das alterações hemodinâmicas. Hoje sabemos que, para as drogas esquistossomicidas que têm sido utilizadas na rotina clínica, essa involução acontece após um ou dois anos da cura especialmente nos casos da forma hepatoesplênica recente, mas esse assunto não será tratado neste texto.
    Para o encontro de novos agentes esquistossomicidas, três abordagens têm sido utilizadas, a saber: a empírica, a seletiva e a bioquímica. Nos últimos anos foi acrescentada uma quarta abordagem, que é a genômica.
    A abordagem empírica é aquela segundo a qual se usa um grande número de fármacos sem nenhuma seleção prévia, visando encontrar uma substância líder ou guia. Essa abordagem exige uma procura da agulha no palheiro1. Como essa metodologia é muito dispendiosa, pois são milhares as substâncias a serem triadas, tentativas foram feitas para se utilizar o teste in vitro, no qual a droga é adicionada ao meio de cultura, onde os vermes de S. mansoni sobrevivem por várias semanas. Todavia, não foi encontrada correlação entre a atividade esquistossomicida in vitro (S. mansoni) e in vivo (camundongos) de vários fármacos, a saber, diaminodifenoxialcanos, alta atividade in vivo5 e baixa in vitro6 glucosamina, que demonstrou alta atividade in vitro, sem atividade in vivo7,8. Vale a pena citar os compostos hycantone e UK 3883, que não apresentam atividade in vitro contra os vermes de S. mansoni, mas após administrados nos animais (e no homem) dão origem a metabólitos hidroximetilados, que são respectivamente: o hycantone e a oxamniquine, e que passam a apresentar ação contra os vermes in vitro4.
    A abordagem seletiva pede a investigação biológica de compostos quimicamente derivados daquele guia que anteriormente demonstrou ter alguma atividade esquistossomicida.
    Os conhecimentos hoje permitem várias modificações químicas estruturais em compostos promissores para que, através de ensaios, chegue-se a melhor estrutura/atividade de uma droga.
    Seguramente, todas as drogas utilizadas na clínica como esquistossomicidas passaram por essa fase ( por exemplo: Miracil D, que deu origem ao hycantone, e o mirasan para a oxamniquine)9.
    A abordagem bioquímica é aquela que através do conhecimento interno dos processos metabólicos do parasita, sejam químicos ou fisiológicos, visa encontrar agentes que possam interferir sobre as mesmas. Apenas para exemplificar, recentemente, com base na incapacidade dos vermes de S. mansoni de produzir ácidos graxos de novo foi demonstrada a possível utilidade da lovastatina, potente inibidor da síntese endógena do colesterol, em uso clínico corrente como anticolesterolêmico10.
    A mais recente abordagem, a genômica, surge como uma grande promessa. De fato, através do conhecimento da seqüência genética no parasito, e em comparação com os genes existentes em outros seres vivos, seria possível encontrar alvos farmacológicos para compostos, que já estejam inclusive em uso clínico para outras doenças.
    No presente texto, serão abordados aspectos fundamentais como a manutenção do ciclo do S. mansoni em condições de laboratório, animais utilizados no laboratório, os métodos para triagem de drogas e para os ensaios não clínicos e os resultados experimentais de alguns compostos que vêm sendo utilizados na clínica para tratamento da esquistossomose ou que ainda se encontram em fase de desenvolvimento.

    2.0 – Manutenção do Ciclo do S. Mansoni no Laboratório
    A manutenção do ciclo do S. mansoni no laboratório é fundamental para a obtenção de resultados confiáveis. É requisito para todos os laboratórios, inclusive aqueles localizados em zonas endêmicas. É necessário que sejam utilizadas metodologias e amostras padronizadas, tanto do parasita como dos hospedeiros vertebrados e invertebrados, e mantidas as boas práticas de laboratório.
    A manutenção do ciclo do S. mansoni é geralmente feita com camundongos albinos e caramujos Biomphalaria glabrata.

    2.1 Criação de B. glabrata
    Para manutenção do caramujo em laboratório devem ser utilizados aquários (de vidro ou de plástico), com água corrente e boa oxigenação. A água utilizada deve ter ph entre 7,2 a 7,8 e ser isenta de cloro, cobre ou zinco, que mesmo em quantidades mínimas dificultam a sobrevivência dos caramujos. Para tanto, a água será filtrada e tratada ou deverá ser proveniente de poço, analisada e testada previamente.
    As desovas são obtidas facilmente colocando-se os caramujos adultos finais e estendendo-se na superfície da água do aquário folhas de polietileno ou placas de isopor, preferencialmente nas quais os caramujos depositam, suas desovas. Mantida a temperatura constante em torno de 24ºC, os caramujos eclodem após seis dias. Esses caramujos recém-eclodidos devem ser mantidos por duas semanas com uma dieta constituída de uma mistura de ração balanceada para roedores acrescida 10% carbonato de cálcio, em forma de pasta. Em seguida, são transferidos para aquários de vidro ou caixas plásticas tendo ao fundo uma camada de areia, recoberta por uma camada de terra finamente pulverizada e autoclavada previamente e com adição de carbonato de cálcio. A oxigenação, muito importante, pode ser feita através de borbulhamento de ar comprimido. A alimentação é constituída de alface fresca, lavada em solução de ácido acético a 10% e ração para roedores, em pequenas quantidades. Nessas condições, os caramujos vivem por vários meses, sem necessidade de limpeza dos recipientes e continuam a oviposição2.

    2.2 Infecção da B. glabrata
    É importante que a linhagem de B. glabrata seja altamente susceptível às linhagens de S. mansoni mantidos no laboratório.
    Os miracídios de S. mansoni são obtidos dos tecidos do fígado de camundongos ou hamsters experimentalmente infectados. A suspensão dos tecidos homogeinizados em liquidificador, em solução salina a 0,85%, é deixada para sedimentação, em temperatura ambiente no escuro. Após várias lavagens, por decantações sucessivas, o sedimento é suspenso em água desclorada com temperatura entre 28-30ºC e exposto à luz. A maioria dos miracídios eclode após alguns minutos devido ao estímulo da tensão osmótica baixa da água, da temperatura e da luz. Obtidos os miracídios, a infecção dos caramujos pode ser individual ou em massa. Para esta última, basta transferir os miracídios para o recipiente contendo os caramujos com água desclorada; e, para a primeira, coloca-se o caramujo de mais ou menos 6 a 8 mm de diâmetro de concha em vidro de boca larga de 12 ml de capacidade, com pouca água, o suficiente para que o animal possa se movimentar. A infecção, como rotina, é feita com 10 miracídios por caramujo, deixando-os juntos por algumas horas. Os caramujos são transferidos para uma estufa ou sala para serem mantidos a 28ºC. Após 30 dias, examinam-se os caramujos, colocando-os individualmente em pequenos vidros com água e expondo-os à luz, quando 60 a 80% dos caramujos deverão estar eliminando cercárias e os não infectados deverão ser eliminados. Os caramujos infectados vivem em torno de 40 dias, podendo alguns sobreviver meses2.

    2.3 Infecção de Animais de Laboratório
    Para a manutenção do ciclo são comumente utilizados camundongos albinos e/ou hamsters.

    2.3.1 Camundongo
    O Camundongo (Mus musculus) é considerado o animal de escolha, seja pela facilidade de criação e manuseio, por ser um bom hospedeiro ou por se comportar perante a infecção esquistossomótica de maneira semelhante ao homem. Esse animal pode ser infectado facilmente pela via intraperitonial, transcutânea ou subcutânea. Prefere-se, em nosso laboratório, a via sub-cutânea por facilidades técnicas e bons resultados na recuperação dos vermes.
    Animais de 20 g (de preferência de um único sexo) são inoculados por injeção no dorso, abaixo da cabeça, com 100-120 cercárias, sem necessidade de anestesia. Praticamente todos os animais infectam-se, e a taxa de recuperação gira em torno de 20-30 vermes adultos, 45 dias após a infecção.
    Para que não haja desproporção entre os esquistossomos machos e fêmeas recuperados, devem-se utilizar cercárias provenientes de 30 ou mais caramujos infectados.
    A taxa de mortalidade gira em torno de 10-20% até o 50º dia. Após esta data, haverá grande aumento na mortalidade, devido a alterações teciduais ocasionadas pelos ovos2.

    2.3.2 Hamster
    Esse roedor (Mesocricetus auratus) é também um bom hospedeiro, facilmente infectado por cercárias de S. mansoni quando inoculado pelas vias transcutanêa, intraperitonial, subcutânea e pela bolsa alimentar 11,12.
    Para Pellegrino et al, (1965)11, esta última via deve ser a preferida, devido a simplicidade, rapidez e eficiência, mas é a via subcutanêa a usada preferencialmente em nosso laboratório.
    A recuperação de esquistossomos é muito elevada (30 a 50%), e a mortalidade dos animais infectados é baixa até o 50º dia, quando expostos a 60-80 cercárias11.

    3.0 – Avaliação da Atividade Terapêutica
    Duas fases distintas e sucessivas devem ser consideradas na avaliação da atividade terapêutica de novos esquistossomicidas: triagem e ensaios não clínicos. Na fase de triagem se pretende ensaiar um número grande de produtos na busca do guia. A metodologia a ser usada deve ser sensível, simples e de custo baixo, por ser muito trabalhosa e apresentar poucos resultados. De fato, são necessárias a triagem de mais de vinte mil compostos para o encontro de um que apresente atividade esquistossomicida, quando se utiliza a abordagem empírica. O mais comum nessa fase é usar o modelo “S. mansoni – camundongo”. Uma vez encontrado o composto ativo, procura-se saber o máximo sobre o mesmo e inicia-se a fase seguinte dos ensaios não clínicos. Nessa fase são utilizados diferentes animais, entre os quais podem ser citados: camundongo (Mus musculus), hamsters (Mesocricetus auratus); ratos silvestres (Nectomys squamipes, Mastomys natalensis) e macacos (Macaca mulata, Cercopithecus sp, Cebus appela).
    Com base na nossa experiência, serão considerados apenas o camundongo, o hamster e o macaco Cebus.
    Na fase dos ensaios não clínicos interessa também conhecer a menor dose eficaz, os possíveis efeitos colaterais e tóxicos, a melhor via de administração, a ação sobre as diferentes fases evolutivas do verme, enfim, a obtenção do maior número possível de informações antes de se passar para o objetivo final que é o ensaio clínico. Estima-se que de cada 2 a 3 mil compostos ativos encontrados na fase de triagem, apenas um vai se transformar num agente terapêutico a ser utilizado na clínica. Se por um lado, durante a triagem, deve-se utilizar de preferência um, no máximo dois, indicadores que revelem atividade sobre os parasitos, na fase seguinte, maior número de indicadores deve ser avaliado para que se possa demonstrar a atividade terapêutica, bem como estudo do mecanismo e o modo de ação da droga.
    Assim, em nosso laboratório, utiliza-se como método de escolha na triagem de drogas o oograma. Já na fase de ensaio não clínico são acrescentadas outras informações, como: distribuição de vermes no sistema porta, presença de vermes mortos no fígado, além do oograma. Posteriormente, para o estudo do mecanismo de ação das drogas sobre o S. mansoni, usa-se a microscopia ótica e eletrônica, bem como a histoquímica e ensaios in vitro que podem fornecer informações adicionais importantes.
    As metodologias de avaliação de compostos com atividades profiláticas ou supressivas de postura de ovos são diferentes e serão discutidas mais adiante.

    3.1 Triagem de Drogas In Vivo
    O camundongo é o animal de escolha para triagem de drogas, sendo que apenas Berberian & Freele (1964) sugeriram o hamster. Entre os diversos métodos e critérios propostos para a triagem de drogas em camundongos pode-se citar: contagem de ovos nos tecidos (geralmente fígado e/ou intestino e nas fezes), contagem de granulomas no fígado e aumento da sobrevida dos animais tratados2.
    Atualmente, para a triagem de drogas usa-se principalmente alterações no oograma, ao qual se podem ser acrescentados a distribuição dos vermes, redução do número de vermes e presença de vermes mortos no fígado2.
    A distribuição dos vermes no sistema porta de camundongos experimentalmente infectados pelo S. mansoni, aos 45 dias, quando a quase totalidade de vermes já atingiram a maturidade sexual e iniciaram a postura de ovos, é de 60-70% nos vasos mesentéricos, 20-30% na veia porta e 0-20% nas veias intra-hepáticas. A administração das drogas ativas contra o S. mansoni em camundongos infectados produz um deslocamento parcial ou total dos vermes para o fígado2. É importante lembrar que os anestésicos (por exemplo, éter etílico ou clorofórmio) também produzem esse deslocamento, e, assim sendo, o sacrifício dos animais a serem examinados deve ser feito por fratura cervical13.
    Redução do número de vermes é medida após a perfusão do sistema porta dos camundongos para a retirada dos vermes, faz-se a contagem dos mesmos, considerando-se separadamente machos, fêmeas e acasalados. Faz-se também o esmagamento do fígado para encontro dos vermes imobilizados por tecido inflamatório. O somatório de todos estes representará o número total de vermes. Este é comparado então com aquele encontrado no grupo de camundongos não tratados (controle)2.
    Por comparação com os vermes do grupo controle (não tratado) observa-se também o tamanho dos vermes e a pigmentação dos vermes fêmeas.
    O estudo do oograma (método de Pellegrino et al., 1962) deve ser o preferido para avaliação de triagem de drogas e também constar sempre nos ensaios não clínicos de agentes ativos contra o S. mansoni8.
    O método do oograma tem o seguinte embasamento teórico e metodológico: nas infecções experimentais balanceadas, a partir do 30º dia de inoculação, os vermes fêmeas iniciam a postura de ovos ainda imaturos, que levam em torno de seis dias para o amadurecimento completo, isto é, para que o embrião de 1º estágio atinja a forma de miracídio 8,14,15.
    Para demonstração clara do fenômeno de interrupção da postura, camundongos foram tratados com uma droga ativa (derivado tioxantônico – Ciba 17,581) que provoca um deslocamento rápido dos vermes para o fígado2. Os camundongos foram sacrificados a cada 12 horas após o tratamento, e examinando-se ao microscópio fragmentos do intestino delgado foi possível determinar o tempo necessário para maturação (e desaparecimento) dos mesmos. De fato, ovos de 1º estágio desaparecem já no 2º dia após o tratamento; ovos do 2º estádio no 4º dia; do 3º estádio no 5º dia, do 4º estádio no 7º dia e os ovos maduros levam 7 dias para serem formados, podem persistir até mais de 12 dias na parede intestinal (Figura).
    O oograma, portanto, é o método que, examinando fragmentos de tecidos ao microscópio, permite, através da análise morfológica, identificar os diferentes tipos de ovos do S. mansoni, que são classificados como viáveis e mortos. Dentre os ovos viáveis, temos os imaturos (1º estádio: o embrião ocupa menos de 1/3 do diâmetro do ovo; 2º estádio: ½ do diâmetro; 3º estádio: 2/3 do comprimento do ovo; 4º estádio: ocupa praticamente todo o ovo) e o maduro (miracídio totalmente desenvolvido). Esses ovos podem morrer quando imaturos e darão origem aos ovos hemi transparentes, granulosos ou com embrião retraído. Se morrerem após a maturidade, os ovos maduros podem dar origem aos ovos com miracídios retraídos, granulações grosseiras e calcificados. Também podem ser encontradas somente as cascas, sem sinal do miracídio ou das células vitelinas2.
    Em 200 camundongos experimentalmente infectados pelo S. mansoni, onde de cada animal foram contados e classificados 100 ovos nos fragmentos intestinais, foi observada a seguinte proporção entre os mesmos: 1º estádio – 15%; 2º estádio – 14%; 3º estádio – 25,3%; 4º estádio – 11,6%; ovos maduros – 29,2% e ovos mortos e cascas – 4,9%2.
    Após o tratamento, a ausência de qualquer um dos estádios dos ovos viáveis é indicação de que houve parada de postura e que, portanto, a droga tem atividade sobre o S. mansoni. Embora na maioria das vezes a interrupção da postura possa indicar que a droga é esquistossomicida, nem sempre isso é verdade, pois são vários os compostos que produzem apenas paradas (temporária ou definitiva) da postura sem matar os vermes (drogas supressoras).
    Para a triagem de drogas, após ensaios preliminares do teste de toxicidade, as drogas são administradas em grupos de 5 camundongos albinos (Swiss) na dose diária correspondente a 1/5 da LD50 (dose letal para metade dos animais), por 5 dias consecutivos, de segunda a sexta-feira), 45-50 dias após a infecção dos animais com 100-120 cercárias de S. mansoni por via subcutânea, no dorso para cada um. São utilizados camundongos de ambos os sexos, pesando em torno de 20g. A droga é administrada por via oral (gavagem com agulha apropriada) e/ou intramuscular, com preferência para primeira. Droga com solubilidade acima de 10% é administrada por via intraperitoneal, e aquelas com solubilidade baixa são administradas, por via oral, em suspensão de gelatina a 5%.
    Três dias após a última dose, os animais são sacrificados por esmagamento cervical. Rompe-se a pele do abdômen e abre-se a cavidade peritoneal. Retira-se, com auxílio de tesoura, 2-3 fragmentos de 1 cm cada, da parte distal do intestino delgado. Abre-se longitudinalmente o intestino, que é então lavado em água corrente e colocado para secar sobre papel absorvente. Comprime-se o fragmento do intestino entre duas lâminas de vidro. São contados e classificados 100 a 200 ovos, utilizando-se o microscópio ótico. Todavia, se o exame de uma dezena de campos já revelar ovos viáveis de todos os estádios, não é necessário fazer contagem, e a droga é considerada inativa.
    Uma droga é considerada ativa, e, portanto merecedora de ensaios posteriores, quando um dos estádios dos ovos viáveis imaturos está ausente.

    3.2 Ensaios não Clínicos
    Para os ensaios não-clínicos, todas as drogas que se mostraram ativas no método do oograma são, no nosso laboratório, ensaiadas em camundongos, hamsters e macacos Cebus experimentalmente infectados pelo S. mansoni. São observados especialmente o número total de vermes recuperados por perfusão e os retidos no fígado, a distribuição na veia porta, veias mesentéricas e intra-hepática, presença de vermes mortos no fígado e oograma. Observa-se ainda a pigmentação das fêmeas e o tamanho dos vermes e mesmo alguma alteração morfológica dos mesmos.
    Para o encontro de drogas curativas e/ou supressoras, camundongos (albinos Swiss) em grupos de 10-12 animais, após 45-50 dias infectados com 100-120 cercárias de S. mansoni, por injeção subcutânea no dorso, são tratados, normalmente, por via oral, com doses múltiplas (5 dias) ou única dos compostos. As doses utilizadas são baseadas nos resultados encontrados na fase de triagem anteriormente realizada. O período do sacrifício dos animais pode ser de 3 ou 7 dias após o tratamento. Após perfusão, são observados principalmente o oograma, número total de vermes encontrados, considerando-se machos e fêmeas acasalados, distribuição dos mesmos no sistema porta-hepático (fígado, veia porta e mesentéricas), porcentagem de vermes mortos no fígado, além dos aspectos morfológicos dos vermes.
    Grupo de 5-7 hamsters adultos (Mesocricetus auratus), 7-8 semanas após a infecção com 60-80 cercárias de S. mansoni, pela bolsa alimentar, é tratado com doses decrescentes do composto a ser ensaiado, por até 5 dias ou em dose única, usualmente por via oral.
    Os parâmetros a serem observados são os mesmos citados acima para o exame dos camundongos.
    Os macacos utilizados nestes ensaios são, em nosso laboratório, os Cebus appela macrocephalus (macaco prego), que, embora de difícil manuseio, apresentam resultados muito parecidos com aqueles encontrados no homem, mas também outras espécies de Cebus, como C. appela appela e C. libidinosus.
    Os animais, após imobilização, são infectados por via transcutânea, com 150-200 cercárias de S. mansoni. O tratamento inicia-se quatro meses após a infecção, após confirmação do sucesso da infecção através de curetagem retal. Doses múltiplas, por até 5 dias, ou única, por via oral, são utilizadas, baseando-se na definição da dose nos resultados previamente obtidos nos camundongos e hamsters.
    A avaliação da atividade da droga é feita através de sucessivas curetagens retais, realizadas antes e em diferentes períodos após o tratamento, até o 4º mês. O método de curetagem é rápido, simples e fornece informações preciosas através do oograma. Em geral, são retirados 4 fragmentos, com cureta, da mucosa retal pesados em balança analítica, comprimidos entre lâmina e lamínula e examinados ao microscópio16. Os elementos esquistossomóticos são contados e classificados (ovos imaturos de 1º a 4º estádio, maduros, mortos e cascas). A avaliação da atividade terapêutica baseia-se nas alterações encontradas no oograma, representada pelo desaparecimento gradativo dos ovos viáveis.
    Pesando-se os fragmentos obtidos por curetagem retal e contando-se os ovos encontrados, pode-se calcular o número de ovos por grama de tecido retal. Essa abordagem quantitativa16 é de grande valia na avaliação da atividade de droga contra esquistossomose17 e semelhante à sugerida para ensaios clínicos humanos18.
    Os macacos Cebus, nos quais a persistência da parada da postura, evidenciada pelo oograma (desaparecimento dos ovos viáveis imaturos e maduros) mantém-se por 4 meses ou mais, após a ingestão da droga que está sendo ensaiada, são sacrificados e perfundidos na tentativa do encontro dos vermes, no fígado ou no sistema porta, e os órgãos dos mesmos são também utilizados para estudos anatomo patológicos2.
    As vantagens do uso do macaco Cebus em ensaios não clínicos na esquistossomose mansoni são: a) custo relativamente baixo; b) manutenção adequada em condições de laboratório; c) porcentagem alta de cercárias que se transformam em vermes adultos (30 a 50%); d) elevado número de ovos nas fezes e na mucosa retal; e) infecção persistente por vários anos; e f) boa correlação com os resultados obtidos na clínica humana, no que se refere à resposta terapêutica a drogas 2,17.

    3.3 – Avaliação Quantitativa da Atividade Anti-Esquistossomótica
    É muito importante essa avaliação quantitativa, pois ela vai orientar na escolha do melhor composto de uma série, antes do inicio dos ensaios clínicos em voluntários.
    Por outro lado, permite também fazer comparações de atividade entre drogas e doses diferentes, possibilitando estudos mais exatos e comparações mais precisas.
    Os critérios de avaliação anteriormente mencionados devem ser sempre que possível analisados quantitativamente. Assim a porcentagem da redução da carga parasitária nos animais tratados bem como o percentual do número de vermes, no fígado, veia-porta e vasos mesentéricos são comparados com os do grupo controle.
    A dose efetiva (DE), isto é, aquela que mata 50% (DE 50) ou 90% (DE90) dos vermes, colocada em relação à LD50 (dose letal para 50% dos animais tratados) indica o índice terapêutico (IT). Também para o oograma pode-se medir o DO50 (dose diária em mg/kg, administrada por 1 ou 5 dias consecutivos e que produz alteração do oograma em 50% dos animais tratados) e depois relacionados à LD50.
    Para macacos Cebus, foi adaptada a técnica do oograma quantitativo utilizado em ensaios clínicos18, e que mostrou ser um ótimo método, quando se usa a curetagem retal nestes animais16,17.
    É necessário salientar que embora todos os métodos de avaliação realizados em animais de laboratório sejam muito importantes e mesmo indispensáveis, a definição de atividade de determinado composto no homem depende da realização dos ensaios clínicos.

    3.4 – Triagem de Drogas In Vitro
    Desde a década de 50, técnicas foram descritas para testar a atividade in vitro de compostos sobre vermes de S. mansoni1.
    Aqui, vamos considerar apenas resumidamente este assunto, pois os resultados dos testes de drogas in vitro não correspondem, com muitas drogas, ao que se observa in vivo, como anteriormente citado. O uso da cultura do verme in vitro para ensaios de drogas tem sua aplicação quando se quer observar alguns fenômenos morfológicos e fisiológicos, que podem ser importantes na interpretação do mecanismo de ação de drogas.
    A seguir é apresentada a técnica utilizada por Pica-Mattoccia & Cioli (2004)19. Dez a doze vermes adultos são distribuídos em duplicatas, em tubos de cultura de tecido (3,5 cm) contendo o meio de Eagle modificado por Dalbecco, tamponado com bicarbonato, e suplementado com 20% de soro bovino fetal, ao qual se acrescenta penicilina, estreptomicina e anfotericina B. As culturas são mantidas a 37ºC, em atmosfera de CO2 a 5% e são observadas diariamente por 8 a 10 dias, com auxílio de um microscópio. Diferentes concentrações das drogas são adicionadas às culturas e os vermes ficam expostos por uma noite. No dia seguinte, os vermes são lavados por três vezes e transferidos para frascos contendo o mesmo meio de cultura sem droga. A droga pode ser dissolvida em DMSO (dimetilsulfóxido, no máximo a 0,1%), e nos frascos, que servirão de controle, é adicionado DMSO na mesma concentração19.
    No fim do período de observação, os vermes são considerados mortos se permanecem imobilizados por horas ou adquirem uma aparência opaca. Como medida auxiliar de avaliação, os vermes podem ser medidos.

    4.0 – Drogas Curativas
    Resultados dos estudos experimentais de duas drogas esquistossomicidas de uso corrente na terapêutica clínica no Brasil, oxamniquine e praziquantel, são apresentados a seguir e ilustram as fases do desenvolvimento de medicamentos esquistossomicidas, desde a identificação de compostos promisores até a aprovação para uso clínico em humanos.

    4.1 – Oxamniquine:
    Richards e Foster (1969) e Baxter e Richards (1971), trabalhando na Pfizer (Sandwich, Inglaterra), descreveram uma nova série de derivados 2-amino-metil-tetrahidroquinolínicos que apresentaram ação marcante esquistossomicida. Dos mais de 50 derivados ensaiados, foi escolhido como dos mais promissores o UK3883. Esse composto além da ação curativa em dose oral única apresentou também atividade profilática e ação contra todos os estágios imaturos em camundongos 22,23. Esse composto, em várias espécies animais, sofre hidroxilação do grupo 6-metil, dando origem ao UK 4271, denominado oxamniquine 24,25,26.
    A oxamniquine, em dose oral ou intramuscular única, apresentou elevada atividade curativa contra o S. mansoni em roedores e primatas. Em camundongos, a ED99 foi, por via oral ou intramuscular, de respectivamente 44mg/kg e 42mg/kg em dose única. Por via oral, em hamsters a atividade curativa foi semelhante à encontrada em camundongos, mas por via intramuscular foi muito mais ativa (ED99: 12 mg/kg). Em macacos Cebus, a dose curativa (im ou iv) foi de 5-7,5 mg/kg, mas não apresentou atividade acentuada em Cercophitecus e Papio26. In vitro a oxamniquine apresentou apenas atividade moderada na dose de 200 ug/ml por 65-90 horas26.
    A oxamniquine mostrou atividade acentuada em camundongos, hamsters e macacos Cebus. Em camundongos, dose intramuscular única de 100mg/kg produziu alterações do oograma em todos os animais tratados e deslocamento dos vermes para o fígado. Nos hamsters, a dose intramuscular de 50mg/kg também apresentou efeitos semelhantes aos encontrados nos camundongos. Quatro macacos Cebus foram tratados com dose única de 20-40 mg/kg, im. Curetagens da mucosa retal feitas em série, antes e após o tratamento, mostraram o desaparecimento progressivo dos ovos imaturos e maduros, chegando a negativar completamente e assim, persistiu até aos 120 dias, quando os macacos foram sacrificados. Após a perfusão do sistema porta e do fígado, vermes não foram encontrados27.
    Em todos os hospedeiros, os vermes machos mostraram-se mais susceptíveis à droga do que as fêmeas. Este fato, não foi observado in vitro 26. Na fase imatura, dose única oral de 50 mg/kg, administrada durante o período pré-patente, em camundongos, reduziu o número de vermes, exceto naqueles na 3ª semana, pós-infecção. De fato, a oxamniquine produziu nestes grupos redução acentuada do número de vermes (e do número de ovos nos tecidos), quando a droga foi administrada 1 dia após o inóculo, diminuindo sua ação aos 8 e 15 dias, chegando a mostrar-se inativo aos 22 dias, voltando a ter atividade sobre os vermes imaturos aos 25 e 36 dias26 (Gráfico I). O uso da oxamniquine em camundongos, 24 horas após a infecção produz grande mortalidade dos esquistossômulos na pele e aqueles que chegam aos pulmões também morrem, pois aos 35 dias não foram encontrados vermes no sistema porta dos animais28.
    Não foi detectada atividade contra o S. hematobium ou S japonicum. Curiosamente, as cepas de S. mansoni isoladas do Oeste da África, comportaram-se na resposta à oxamniquine de maneira semelhante aos isolados do Brasil. Já aquelas do norte (Egito e Sudão) e do lado oriental da África apresentaram menor susceptibilidade à ação da droga, seja experimental, seja na clínica.
    Os vermes recuperados dos camundongos após o 3º dia de tratamento já mostravam parada da oviposição, sem que ainda houvesse deslocamento dos mesmos para o fígado. Na segunda semana, todos os vermes estavam no fígado, e a parada da postura era total. Alterações morfológicas foram mais precoces e mais intensas nos vermes machos, nos quais já no 3º dia apresentaram embebição do parênquima. No 15º dia, as alterações foram mais intensas, com vacuolização e desaparecimento dos núcleos das células do parênquima (lesão “em bolha”). Nas fêmeas, a partir do 7º dia, foi vista redução da quantidade do material vitelínico no ovário e despigmentação acentuada. Os vermes sobreviventes (machos e fêmeas) apresentaram diminuição significativa de tamanho e até 120 dias após tratamento, uma grande quantidade dos vermes não havia recuperado a sua capacidade de ovipor 29.
    O mecanismo de ação da oxamniquine parece estar relacionado com a capacidade de inibição irreversível da síntese dos ácidos nucléicos nos vermes4.

    4.2 praziquantel
    Na década de 70 foram iniciados os estudos conjuntos entre os laboratórios Bayer e Merck com derivados pirazinoisoquinolínicos como antiparasitários. Depois de sintetizarem mais de 400 compostos, o mais promissor revelou ser o EMBAY 8440 ou praziquantel (2- (ciclohexilcarbonil)- 1,2,3,6,7,11b-hexahidro-4H-pirazino [2,1-a] isoquinolina- 4 one31.
    De fato, além da atividade anticestódeos e antitrematódeos, foi a primeira droga que mostrou atividade acentuada, por via oral, ou intramuscular em dose única, contra as três principais espécies de Schistosoma que acometem o homem, ou seja: S. mansoni, S.haematobium, S. japonicum e também contra o S. intercalatum e S. mattheei30-32.
    Ensaios experimentais mostraram que o praziquantel apresentou atividade acentuada contra várias espécies de Schistosoma em camundongos, hamsters e também em diferentes espécies de macacos. A dose ED95 para camundongos infectados experimentalmente pelo S. mansoni foi de 685 mg/kg, com dose única oral de 403 mg/kg por via im; para Mastomys de 278 mg/kg e 125 mg/kg, respectivamente para via oral e via im; e no hamster de 249 mg/kg e 100 mg/kg, respectivamente. Em macacos, a ED variou conforme cada espécie30,31. Deve-se destacar, que 5 doses de 50 mg/kg administradas, em intervalos de 3 horas, por via oral, levaram a cura parasitológica completa, enquanto a dose única de 100 mg/kg não foi tão eficiente30.
    No Brasil, Pellegrino et al (1977) ensaiaram o praziquantel em camundongos, hamsters e macacos Cebus infectados experimentalmente com a cepa LE. Nos camundongos, doses orais de praziquantel de 100 e 50 mg/kg, durante cinco dias, produziram alterações significativas do oograma e deslocamento acentuado dos vermes para o fígado. Nos camundongos, o índice terapêutico foi de 153 mg/kg. Nos hamsters, os vermes mostraram-se mais sensíveis à droga. De fato, doses de 12,5 mg/kg/dia, durante cinco dias produziram deslocamento dos vermes para o fígado e alterações do oograma, ambos, em torno de 60% dos animais. Já com dose de 25 mg/kg/dia, por cinco dias, todos os vermes foram deslocados para o fígado, com 88,6% deles retidos no mesmo e com 100% dos animais apresentando alterações do oograma; com doses de 12,5 e 6,5 mg/kg, também foram observadas estas alterações, embora num percentual bem menor dos animais. Em dois macacos Cebus tratados por via oral com dose total de 30 e 60mg/kg, dividida em três administrações, no mesmo dia, embora houvesse indicações de atividade esquistossomicida, mostrando grande redução da população de vermes, os poucos sobreviventes, estavam com sua postura de ovos preservada. Na necropsia em ambos os macacos foram encontrados ovos viáveis de S. mansoni nos intestinos delgado e grosso, porém numa série de curetagens retais não foram vistos estes ovos. Em um macaco Cebus tratado com dose única oral de 100 mg/kg e sacrificado após 138 dias, não foram encontrados nem vermes nem ovos nos intestinos delgados, grosso e no reto na necrose33.
    Deve-se destacar que resultados semelhantes foram encontrados quando camundongos e macacos Cebus foram tratados com praziquantel por via intramuscular, e com um pouco menos de atividade por inalação nasal33. Baseando-se nestas informações foi sugerido que dose única oral de 20 mg/kg poderia reduzir o número de vermes de S. mansoni, no homem, em até 95%, o que corresponderia a uma taxa de cura de 60% 31. Todavia, desde o primeiro ensaio clínico na esquistossomose mansoni com praziquantel realizado no Brasil por Katz et al.1979, ficou claro que a dose deveria ser mais do que o dobro da sugerida pelos estudos experimentais34.
    Recentemente, Pica-Mattoccia e Cioli (2004) ensaiaram o praziquantel contra uma cepa de S. mansoni proveniente de Porto Rico, in vitro e in vivo. A dose efetiva (DE 50) nos camundongos experimentalmente infectados foi 30 vezes menor no 28º da infecção do que a de 7 semanas após infecção. Além disto, os vermes provenientes de infecções unissexuais, seja de machos ou de fêmeas, são menos susceptíveis à droga do que as infecções com cercárias balanceadas por sexo, e, mesmo nestas últimas, as fêmeas são mais susceptíveis do que os machos19.
    Assim sendo, a eficácia do praziquantel é dependente da idade da infecção, do sexo dos vermes e mesmo de se está acasalado ou não. Também o estado imunitário do hospedeiro parece ser importante na resposta terapêutica ao praziquantel 19,35,36,37.
    É interessante destacar que o praziquantel utilizado comercialmente é uma mistura racêmica, constituída em partes iguais dos isômeros levógiro e dextrógiro. Experimentalmente foi demonstrado que somente o isômero levógiro apresenta atividade anti-esquistossomótica embora ambos apresentem toxicidade semelhante38,39. Também em ensaios clínicos contra a infecção por S. japonicum foi comprovada essa atividade do isômero levógiro do praziquantel 40. Entretanto, o isômero dextrógiro em altas doses também pode apresentar atividade contra o verme, especialmente produzindo deslocamento dos mesmos para o fígado, nas infecções maduras. Todavia, mesmo elevadas doses do isômero dextrógeno (até 600mg/kg, dose oral única em camundongos infectados pelo S. mansoni) não produziram diminuição significativa do número de vermes quando comparados com o grupo controle, ao contrário do encontrado nos animais tratados com 300 mg/kg do isômero levógiro, em que a redução foi em torno de 98% 39.
    Estudos in vivo e in vitro mostraram que o praziquantel, minutos após ingerido, produz contração dos vermes. In vivo acontece o deslocamento dos vermes para o fígado e após algumas horas há vacuolização intensa em diferentes partes do tegumento41,42. In vitro, as lesões decorrentes são mais dependentes do tempo de exposição do que de maiores concentrações da droga. In vivo, nos vermes que foram deslocados para o fígado, já a partir de quatro horas, foram vistos granulócitos aderidos às vacuolizações (lesões em “bolha”). Após 24 horas, o tegumento encontra-se quase totalmente destruído e com intenso infiltrado granulocitário, especialmente pelos eosinófilos que invadem também a intimidade dos tecidos do verme. Com dezoito dias, após o tratamento, praticamente todos os vermes desaparecem do centro da reação inflamatória granulomatosa, agora já nos vasos intra-hepáticos, onde os vermes encalharam, trombosados42. Assim, são três as principais ações do praziquantel sobre os vermes: contração muscular, lesão do tegumento e alterações metabólicas4. Embora não haja dúvidas da importância do íon Ca2+ como mediador na ação direta ou indireta destes efeitos, não se sabe por que o fluxo de Ca2+ ocorre 31,43. Para Cioli et al (1995)4 a esteroespecificidade do praziquantel é um argumento indicativo de que a droga interage com alguma proteína do parasito que regula os fluxos de Ca2+.

    4.3 – Associação de Drogas
    A tentativa de associar dois agentes anti esquistossomóticos tem como objetivos: diminuir a dose de cada droga administrada individualmente (visando diminuir efeitos tóxicos e colaterais), aumentar o índice terapêutico, baixar o custo do tratamento e evitar o aparecimento de cepas resistentes.
    São vários os estudos feitos utilizando-se diferentes drogas que apresentaram atividade parcial contra os esquistossomos, mas aqui serão discutidos apenas os resultados obtidos da associação oxamniquine e praziquantel, duas drogas que vêm sendo largamente empregadas na clínica, e em programas de controle da esquistossomose, com poucos efeitos tóxicos e boa atividade terapêutica.
    Para avaliação da atividade aditiva ou sinérgica de drogas, deve-se seguir o desenho experimental utilizado por Shaw e Brammer (1983)44. Resumindo, estes autores utilizaram o modelo de camundongos infectados pelo S. mansoni e trataram os diferentes grupos de animais com doses crescentes de oxamniquine ou praziquantel, isoladamente ou em associação. Após 14 dias, os animais foram sacrificados e a porcentagem do número de vermes que estava encapsulada no fígado foi calculada. Foi considerado o valor de ED99 definido como a dose total de droga necessária para matar 99% dos vermes machos (Gráfico II). Após a análise de regressão dos dados, ficou demonstrado que a associação da oxamniquine com o praziquantel produziu ação sinérgica.
    Esse estudo experimental foi confirmado por ensaio realizado no Malawi, África, numa população com infecção mista (S. mansoni e S. hematobium) com predominância do S. hematobium utilizando doses menores de oxamniquine e praziquantel que aquelas utilizadas comumente45. Ensaios clínicos posteriores nem sempre confirmaram esses resultados tão promissores46.
    Uma nova associação de drogas, praziquantel e arthemeter, tem sido recentemente proposta. Essa associação permitiria matar os vermes imaturos e os maduros47.

    5.0 Drogas Profiláticas
    5.1 – Derivados da Artemisinina
    A artemisinina, uma lactona sesquiterpênica com um grupo peróxido, é o princípio ativo obtido das folhas de Arthemisia annua. Essa planta tem sido utilizada há mais de 2000 anos para tratamento de febre na China, e, a partir da década de 70, a artemisinina e derivados, especialmente o arthemeter e o artesunato, foram utilizados amplamente como anti-maláricos.
    A atividade antiesquistossomótica da artemisinina, arthemeter e artesunato foi descrita no início da década de 80, na República Popular da China, inicialmente em S. japonicum. Posteriormente, ficou demonstrado que a artemisinina e seus compostos possuem atividade contra as três principais espécies que parasitam o homem 46,47,48.
    É interessante salientar que, diferentemente da oxamniquine e do praziquantel, a atividade do arthemeter é maior nas formas jovens do que nos vermes adultos47.
    No Brasil, o arthemeter e o artesunato foram ensaiados em camundongos e hamsters experimentalmente infectados pela cepa LE do S. mansoni em infecções maduras (45 dias após inoculação)48,49. O arthemeter (solução oleosa do éter 12 metil da hidro artemisinina) mostrou acentuada atividade esquistossomicida na dose única de 100mg/kg por via intramuscular (100% de alteração do oograma e 61,5% dos vermes mortos no fígado). Já a mesma dose por via oral não produziu alteração do oograma e apenas 22,6% de vermes mortos no fígado. Quando os camundongos foram tratados com 100mg/kg/dia por cinco dias, im, o percentual de vermes mortos chegou a 96,3%. Camundongos tratados com 200mg/kg x 1, im e examinados 45 dias depois, mostraram que os vermes sobreviventes retomaram totalmente a sua capacidade de oviposição 48.
    Os resultados do ensaio com o artesunato, em dose única oral, de 300 ou 500mg/kg ou durante cinco dias consecutivos, 45 dias após a infecção, mostraram diferenças significativas na distribuição e na mortalidade dos vermes, e na alteração do oograma nos animais tratados, quando comparados ao controle, 30 dias após o tratamento. Quando os animais foram sacrificados, 60 ou 90 dias após o tratamento, as diferenças entre os grupos, tratado e de controle, foram desaparecendo, mostrando que os vermes sobreviventes se recuperaram voltando para seu habitat normal, os vasos mesentéricos e reiniciaram a postura de ovos49.
    O arthemeter produz deslocamento dos vermes para o fígado, que começa oito horas após a administração da droga e se completa no 7º dia50. Após o tratamento, foi observado que os vermes adultos apresentam redução significativa do glicogênio51 e, embora apareça lentamente, há extensa e grave lesão do tegumento47. Também foram descritas alterações no aparelho reprodutor feminino, com diminuição do volume ovariano e rarefação dos folículos vitelínicos49.
    In vitro, a exposição dos vermes ao arthemeter não revelou nenhuma atividade sobre os mesmos; todavia, quando foi acrescentado hemina, a atividade letal se manifestou. Parece, portanto, que o arthemeter é ativado pelo hemina, que faz a clivagem da ponte de endoperoxidase, gerando radicais livres que devem se ligar de forma covalente a proteínas específicas dos vermes52.
    A associação de arthemeter (150mg/kg) e praziquantel (75mg/kg) foi usada em hamsters infectados por formas jovens e adultas do S. mansoni. As drogas foram administradas simultaneamente ou a intervalos de horas ou de até sete dias. Os resultados mostraram que houve diminuição significativa do número de vermes com esta associação maior do que a obtida com o praziquantel isoladamente46.
    Por apresentar atividade acentuada contra os vermes imaturos, o arthemeter vem sendo ensaiado em áreas endêmicas como droga profilática na esquistossomose, conforme será discutido adiante quando tratarmos da terapêutica clínica.

    6.0 – Drogas Supressoras
    Drogas que têm ação específica sobre a oviposição da fêmea de S. mansoni têm sido descritas.
    De fato, Campbell e Cuckler (1967) demonstraram que o nicarbazin, quando adicionado à dieta de camundongos, na concentração de 0,2%, não matava os vermes de S. mansoni, mas interrompia a oviposição, já a partir do 2º dia. A retirada dessa dieta permitia que as fêmeas retomassem completamente a sua capacidade de ovipor53. Esses dados foram confirmados por Pellegrino e Katz( 1969). Todavia, a administração de até 1000mg/kg/dia por cinco dias consecutivos, por via oral, em camundongos infectados, mostrou-se totalmente inativa. Já em dois macacos Cebus tratados, por via oral, na dose de 400mg/kg/dia por dois dias, seguida por 200 mg/kg/dia por dez dias, foi observada, através de curetagens retais seriadas, uma interrupção temporária da postura54.
    Também a thiosinamina e a sulfona-mãe (diaminodifenilsulfona – DDS) foram ativas na interrupção temporária da postura55, 56.
    Agentes esterilizantes de roedores machos, bem como substâncias antifertilizantes, também têm essa atividade57.
    Mais recentemente, foram publicados os resultados obtidos com um inibidor da síntese de colesterol, mevinolin, que, administrado a camundongos, bloqueou a produção de ovos de S. mansoni58. Essa mesma droga, acrescentada a 2% na ração de camundongos infectados por S. mansoni, eliminou 96 – 100% dos vermes adultos quando administrada por catorze dias e mais de 90% quando administrada por dois antes e quinze dias depois da infecção58.
    A lovastatina, uma lactona (a forma inativa do ácido hidroxílico aberto), é também um potente inibidor da síntese endógena do colesterol. Essa droga foi ensaiada em camundongos infectados pelo S. mansoni, 30 dias após infecção. Com as doses maiores (400mg/kg/dia por um dia por cinco dias) por gavagem, foram observadas, 30 dias após o término do tratamento, alteração do oograma em respectivamente 20,0 e 42,9% dos animais tratados bem como a presença de vermes mortos no fígado em 14,8 e 21,8%. Nos animais controle (no caso, não tratados) não foram detectados alterações do oograma, nem vermes mortos10. Em outro experimento, quando os animais com infecção de 30 dias foram tratados por gavagem, com a dose de 400mg/kg/dia por 5 dias consecutivos e sacrificados em diferentes períodos pós -tratamento, foi visto que a ação sobre a alteração do oograma apareceu no 15º dia, quando também já havia um pequeno percentual de vermes mortos que foi aumentado aos 30 e 60 dias. Mesmo dois meses após o tratamento, o efeito da droga persistia na maioria das fêmeas, no que se refere à parada da oviposição, inclusive com baixa acentuada do número de ovos no fígado dos animais tratados. Ao microscópio, foram observadas alterações degenerativas nos vermes, sendo que as principais acometeram o aparelho reprodutor, com a redução e alteração dos folículos vitelínicos e do ovário das fêmeas e modificações nos testículos dos machos10. Essas drogas anti colesterolêmicas ainda não foram, mas deveriam ser, ensaiadas na clínica como agente anti esquistossomose.

    7.0 – Resistência a Drogas Esquistossomicidas
    Diferentes isolados e/ou cepas têm mostrado susceptibilidade maior ou menor (medida por mortalidade dos vermes em relação à mesma dose do medicamento utilizado no mesmo hospedeiro experimental), sejam cepas oriundas de uma mesma área ou região geográfica, ou mesmo oriundas de diferentes indivíduos numa mesma comunidade.
    Essas diferenças aparecem independentemente desses indivíduos terem sido tratados ou não com quimioterápicos específicos anteriormente. Na realidade, deve-se considerar dois conceitos importantes: o da tolerância e o da resistência. Fala-se em tolerância quando uma cepa do verme, que nunca havia entrado em contato com a droga específica, apresenta resposta quimioterápica diminuida significativamente em relação a uma cepa padronizada de laboratório; Resistência: trata-se de resistência quando a falta da resposta aparece nos descedentes daqueles vermes que sobreviveram ao tratamento59.
    Por outro lado, essas definições não devem ser confundidas com falha terapêutica. De fato, as causas de falha terapêutica podem ser várias, dependendo dos fatores do hospedeiro (humano ou animal) que podem influenciar na resposta a droga, tais como: absorção da droga, metabolização, idade, sexo, associações mórbidas, fase da infecção, diferença entre cepas de animais de laboratório, ou fatores do parasito, estádio evolutivo, balanço de sexos, ou mesmo diferente susceptibilidade à droga.
    Portanto, a demonstração de resistência (ou susceptibilidade) deve ser feita em laboratório, através do tratamento de animais (camundongo) infectados com o isolado (ou cepa) de S. mansoni que se quer estudar, isso enquanto não se consegue um marcador (bioquímico ou molecular) que poderia vir a facilitar, e muito, a identificação dos vermes resistentes.
    Desde a década de 50, sabe-se que cepas de S. mansoni diferem na sua resposta ao tratamento às mesmas drogas. De fato, foi demostrado que a cepa de S. mansoni do Egito mostrou-se seis vezes menos susceptível ao tratamento com miracil D do que a cepa da Libéria60. Em 1971, Rogers e Bueding relataram que camundongos infectados com uma cepa de S. mansoni proveniente de Porto Rico, quando tratados com hycanthone (60 mg/kg, im) apresentaram apenas parada da postura temporária, pois 12 meses após o tratamento todos os animais apresentavam ovos viáveis no fígado. Esses ovos foram colocados para eclodir e completaram o ciclo evolutivo normalmente. Camundongos infectados com essa descendência de vermes mostraram ser estes totalmente resistentes à ação do hycanthone61. Utilizando-se outros isolados e seguindo a mesma metodologia acima descrita, outros autores não obtiveram cepa resistente62,63. Dois anos após, Katz et al (1973), pela primeira vez, descreveram cepas resistentes provenientes de dois pacientes tratados por duas vezes com hycanthone e que continuavam eliminando ovos de S. mansoni nas fezes. Fechado o ciclo com miracídios provenientes desses pacientes, foi possível mostrar experimentalmente em camundongos que essas cepas eram resistentes ao hycanthone e também menos susceptíveis ao niridazol e a oxamniquine64.
    Estudos posteriores realizados no Brasil, Egito, Kenia e Senegal não só confirmaram o encontro de cepas resistentes após o tratamento, mas também encontraram cepas tolerantes aos agentes esquistossomicidas, oxamniquine ou praziquantel65,72. Também em laboratório foi possível obter uma cepa de S. mansoni altamente resistente partindo de um pool de isolados de diferentes regiões e tratando-os com praziquantel por sete vezes sucessivas73.
    Estudos bioquímicos e genômicos têm sido realizados comparando-se cepas resistentes e susceptíveis. Foi observado que a oxamniquine funciona como substrato para a sulfotransferase, que está presente nos esquistossomos susceptíveis, mas ausente nos vermes resistentes4. Por outro lado, a inibição da síntese de ácidos nucleicos é irreversível nos vermes susceptíveis, mas apenas temporária nos vermes resistentes, e esta parece ser a principal ação da droga para a mortalidade dos vermes4. Brindley et al (1989) descreveram uma modificação genômica, caracterizada pela presença de polimorfismo do tamanho do fragmento de restrição, no DNA do verme de uma cepa resistente ao hycanthone. Esta modificação foi vista em uma em cada 100 cópias do RNA ribosomal e é resultante de uma inserção de 732 nucleotídeos duplicados no gene do verme resistente74,75.
    Esse achado não foi confirmado em outras cepas76, mas o estudo do polimorfismo genético de diferentes isolados e cepas poderá contribuir para a obtenção de um marcador de resistência a drogas77.
    Trabalho muito informativo foi publicado por Cioli et al (2004) mostrando os resultados obtidos em três diferentes laboratórios (Roma-Itália, Gisa-Egito e Bangor- Inglaterra) com nove diferentes isolados de S. mansoni em camundongos experimentalmente infectados e tratados com praziquantel. Quatro desses isolados não haviam tido contato prévio com a droga, e cinco já haviam demonstrado em ensaios anteriores resistência ao praziquantel, seja por indução e/ou seleção após tratamentos repetidos dos animais, seja por terem sido isolados de pacientes que não se curaram. Administração da ED50 (dose que mata 50% dos vermes adultos) foi feita em camundongos tratados com praziquantel nas doses totais de 125,250,500 e 1000 mg/kg, divididas em cinco doses, administrados por cinco dias consecutivos, e em infecções com 49 dias. Os animais foram sacrificados duas semanas após o ultimo dia de tratamento. Nas cepas consideradas susceptíveis, a ED50 estava sempre abaixo de 100 mg/kg (média de 70), enquanto nas resistentes presumíveis estava sempre acima de 100 mg/kg (média de 209), ou seja, uma diferença de três vezes entre os dois grupos de isolados.
    Embora a diferença de resposta ao praziquantel tenha sido inquestionável e significativa, os autores concluem que a expectativa é que a droga continue útil por um longo período, ao contrário de outras drogas antiparasitárias, aí incluída a oxamniquine, pois o praziquantel, mesmo após 20 tratamentos consecutivos, teve apenas aumento de no máximo 3 vezes da dose curativa78.

    Terapêutica Clínica na Esquistossomose mansoni

    1.0 – Introdução
    Há quase um século, o tártaro emético (tartarato de antimônio e potássio) foi introduzido como primeiro agente terapêutico da esquistossomose (Christopherson, 1918). Em seguida, vários sais de antimônio foram introduzidos para o uso clínico, a saber, tartarato de antimônio e sódio, disulfonato-bis-pirocatecol de sódio e antimônio (StibofenR), tiomalato de antimônio e sódio (AnthiomalineR) e gluconato de antimônio e sódio (TiostamR) administrados por via intramuscular ou intravenosa. Essas drogas produziam um grande número de efeitos colaterais e tóxicos, não raramente levando os pacientes a morte súbita por fragmentatio cordis e por isto tiveram o seu uso proscrito (Dias 1949).
    Durante a Segunda Guerra Mundial, cientistas da indústria farmacêutica Bayer na Alemanha desenvolveram o lucanthone (miracil D), mantido em sigilo até o fim da guerra. Com a vitória dos Aliados, essa descoberta foi incorporada pela indústria farmacêutica americana (Sterling Winthrop), passando a ser o primeiro agente esquistossomicida conhecido de uso oral. Todavia, de maior importância, foram os estudos posteriores, já na década de 60, quando a hidrometilação do lucanthone (miracil D) deu origem a uma droga ativa tanto por via muscular como por via oral, em dose única, denominada hycantone3. Infelizmente efeitos tóxicos graves apareceram com o uso do hycantone, causando óbitos (muitos no Brasil) por atrofia amarela aguda do fígado4, levando novamente a que a terapêutica da esquistossomose ficasse sem opção, a não ser o uso do niridazole (AmbiharR), que, embora de uso oral, exigia administração da droga por 5 a 7 dias, com tolerância baixa, especialmente causando convulsão e alucinação, além de apresentar mutagenicidade, carcinogenicidade, e de ser embriotóxica e imunossupressora5.
    Na década de 70, iniciam-se os estudos com a oxamniquine (Pfizer, Inglaterra), droga de tolerância boa e percentual de cura alto, especialmente no Brasil e em outros países do continente americano, mas sem os mesmos resultados terapêuticos bons no Egito e no lado Oriental e Central da África. No fim dessa mesma década, aparece o praziquantel (descoberta alemã da indústria Merck e desenvolvida em conjunto com a Bayer), que, por apresentar tolerância boa e ação terapêutica marcante, ser ativo contra todas as espécies do Schistosoma que parasitam o homem, poder ser usado em larga escala, em dose única oral e com preço baixo. É atualmente considerada a droga de escolha para o tratamento clínico e uso em saúde publica nas áreas endêmicas da esquistossomose.
    Nesse capítulo serão revistos os estudos clínicos na esquistossomose mansoni com oxamniquine e praziquantel, bem como os derivados da artemisinina (drogas desenvolvidas na República Popular da China, inicialmente para tratamento da malária), bem como os problemas recentemente encontrados de resistência dos parasitas às drogas esquistossomicidas, a associação de drogas e, finalmente, os resultados obtidos com o uso desses agentes visando o controle da esquistossomose em zonas endêmicas.
    Para conhecimento das outras drogas utilizadas previamente no tratamento da esquistossomose, bem como para conhecimentos mais extensos e detalhados das drogas utilizadas atualmente, existem várias revisões que devem ser consultadas entre as quais estão as de Werbel (1970)6, Archer & Yarinsky (1972)3, Katz & Pellegrino (1974)7, Katz (1977)5, Davis (1993)8, Cioli, Pica-Mattoccia & Archer (1995)9. Recomenda-se especialmente o excelente livro de John Farley (1991) sobre a história da esquistossomose, desde sua descoberta, passando por fatos pitorescos sobre a terapêutica10.

    2.0 – Oxamniquine:
    Em 1964, a indústria farmacêutica Pfizer (Sandwich, Inglaterra) iniciou um programa específico para o desenvolvimento de um novo agente esquistossomicida. Esses estudos tiveram como base inicial a análise de um grupo químico, aminoalquiltolueno. Esse grupo havia sido investigado inicialmente nos Laboratórios Bayer (Eberfeld, Alemanha) durante a 2º Guerra Mundial, e publicações sobre o mesmo somente foram feitas após o fim da guerra11 quando as patentes (e todo o acervo de pesquisas) já essavam nas mãos dos vencedores (EUA, Inglaterra e União Soviética).
    O composto mais ativo desse grupo, com estrutura semelhante ao lucanthone (miracil D), foi denominado mirasan. Seguindo processo semelhante ao observado com o lucanthone que após hidroximetilação deu origem a um novo composto, muito mais ativo, o hycanthone (EtrenolR). A oxidação do UK-3883, pelo fungo Aspergillus sclerotiorium, deu origem ao UK-4271 posteriormente denominado oxamniquine13.
    Esse novo agente esquistossomicida recebeu o nome comercial de MansilR, que é uma mistura das palavras “mansoni” e “Brasil”, onde foram realizados os primeiros ensaios clínicos com essa droga.
    A oxamniquine é uma droga de cor amarelada, pouco solúvel em água. As cápsulas contêm 250 mg e a suspensão 250 mg em 5 ml. Por ser um produto que necessita de uma etapa de fermentação continuaram a ser fabricadas unicamente pela Pfizer. A falta de concorrência manteve o alto preço dessa droga, o que nos últimos anos fez com que seu uso diminuísse muito. Seguramente mais de 13 milhões de tratamentos já foram feitos no Brasil, não havendo relato de óbito relacionado ao uso do medicamento.
    O primeiro ensaio clínico realizado no Brasil revelou que a oxamniquine administrada por via intramuscular na dose única de 7,5 mg/kg foi bem tolerada e muito eficiente. De fato, o único efeito colateral observado foi dor no local da aplicação. Todos os nove pacientes tratados foram considerados curados, inclusive os quatro que se encontravam nos primeiros meses de infecção (5 a 9 meses após contagio) (Katz et al 1973)14. Posteriormente, novos ensaios foram realizados, por diversos grupos de investigadores no país, sendo sempre obtidos resultados semelhantes, ou seja, poucos efeitos colaterais (a não ser dor no local da aplicação, às vezes muito intensa, na maioria dos tratados com persistência por 3 a 7 dias) e atividade terapêutica em torno de 90% (ver suplemento especial da Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 15 (supl. 1):1-176, 1973). Nesse mesmo suplemento foram apresentados ensaios realizados na África, sendo que os resultados dos ensaios no Kênia foram semelhantes aos obtidos no Brasil; já na antiga Rodesia (Zimbabwe) praticamente não houve cura, e na Tanzânia os resultados também foram parecidos com os vistos no Brasil, mas com a dose 4 vezes maior, ou seja, 30 mg/kg.
    Portanto, desde os primeiros ensaios pôde-se concluir que a oxamniquine por via intramuscular, na dose de 7,5 mg/kg, é bem tolerada (com exceção da dor local), com poucos efeitos tóxicos e apresenta elevada atividade terapêutica; já na África oriental, embora a tolerância também tenha sido boa, o percentual de cura foi muito menor, mesmo com doses bem maiores que as ensaiadas no Brasil. Devido à dor local persistente, o laboratório produtor passou a fabricar a droga para uso oral. Ensaios clínicos no Brasil mostraram que a dose única oral de 15mg/kg para adultos e 20mg/kg para crianças apresentava boa tolerância, poucos efeitos tóxicos e índice de cura de 80 a 90% em adultos e de 65 a 90% em crianças (Silva et al 197415; Katz et al 197616;Katz et al 197717). Os efeitos colaterais mais comumente observados após a administração da oxamniquine, nas doses acima preconizadas, são tonturas, náuseas, cefaléia e sonolência, menor freqüência nas dores abdominais e vômitos. Essa sintomatologia surge uma a duas horas após a administração da droga e persiste na maioria dos casos por 24 horas. Em cerca de 0,5% dos casos tratados se observou irritabilidade, excitabilidade, alucinação ou convulsão. Exames complementares revelaram elevação dos níveis de transaminases plasmáticas, leucopenia, hematúria e/ou proteinúria em alguns pacientes. Alterações nos traçados eletroencefalográficos e eletrocardiográficos também foram encontrados15-20. Pela segunda vez, houve uma reunião internacional no Brasil para a apresentação dos dados clínicos com participação de cientistas nacionais, mas também do Egito e de outros países africanos. Os trabalhos apresentados foram publicados na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 22 (supl. 4): 1-116 (em inglês) ou 22 (supl.4): 117-238 (em português). Destes, vale destacar a confirmação de que a posologia para o tratamento das crianças (até 15 anos) infectadas com esquistossomose no Brasil deve ser maior (20 a 25 mg/kg) do que a utilizada em adultos (15mg/kg)21. Foi ainda relatado que em um paciente que havia sido tratado previamente com hycanthone (2,5/kg, por via i.m) e não havia sido curado foi administrada a oxamniquine na dose de 14 mg/kg dose única oral). Esse paciente continuou eliminado ovos viáveis de S. mansoni nas fezes, tendo fechado o ciclo com esse isolado (denominado MAP). A primeira e a segunda geração dos vermes obtidos experimentalmente de camundongos mostraram-se resistentes ao tratamento com hycanthone e oxamniquine, embora susceptíveis ao niridazole21.
    Biópsias hepáticas realizadas antes e após tratamentos de pacientes esquistossomóticos não revelaram alterações que pudessem essar relacionadas ao uso da droga21,22. Também não houve exacerbação das condições clínicas, histológicas ou patofisiológicas em 92 pacientes com formas hepatoesplênicas da esquistossomose. associadas ou não às formas cardiopulmonares com ou sem cianose, nefropatia e com presença de salmonelose crônica ou hepatite viral crônica23. Coutinho & Dominguez sugerem que naqueles casos em que possa haver manifestações de hipersensibilidade, particularmente naquelas com forma cardiopulmonar severas, devem ser associados corticoesteróides à oxamniquine23. É interessante relatar a existência na literatura de reações de broncoespasmo e outras manifestações pulmonares e renais quando se usa a oxamniquine, que podem provavelmente estar relacionadas à hipersensibilidade do organismo, a mortalidade dos vermes, causada pelo agente esquistossomicida24-27.
    A oxamniquine também revelou ser um agente útil no tratamento da esquistossomose recente, produzindo percentual de cura semelhante ao observado na fase crônica. Os bons resultados clínicos, laboratoriais e anátomo-patológicos associados a ausência de efeitos mutagênicos importantes ou teratogênicos e/ou carcinogênicos em animais de laboratório indicavam a possibilidade do amplo uso da oxamniquine no corpo. De fato, os ensaios realizados por Coura et al (1980)28, Katz et al (1980)29, Prata et al (1980)30, entre outros, demonstraram boa aceitação pela população e o impacto imediato, causado sobre as manifestações clínicas, proporcionando o bem estar dos tratados, e sobre a prevalência da parasitose em áreas endêmicas. Também deve ser destacado, o desaparecimento dos sinais e sintomas causados pela infecção esquistossomótica, aí enquadrada a diminuição do tamanho do fígado e do baço, que pode ser vista alguns meses após o tratamento com os esquistossomicidas. Estes resultados tão favoráveis permitiram pela primeira vez que uma droga, em dose única e por via oral, pudesse ser aplicada a milhares de pessoas, sem grandes riscos, pelo Ministério da Saúde do Governo Federal Brasileiro dentro do PECE (Programa Especial de Controle da Esquistossomose). De fato, nesse Programa foram tratados milhões de brasileiros, inicialmente nos essados nordestinos, posteriormente na Bahia e em Minas Gerais31.
    Após mais de 13 milhões de tratamentos realizados nas zonas endêmicas de esquistossomose no Brasil, sem relato de efeitos tóxicos ou adversos sérios, pode-se concluir que a oxamniquine é uma droga bem tolerada e com boa atividade terapêutica, para tratamento individual ou em larga escala, chamando a atenção que apenas o seu preço elevado é um fator limitante à utilização, principalmente como medida de Saúde Pública.
    É sugerida a leitura de duas revisões, para aqueles que querem mais detalhes a respeito da oxamniquine: a de Foster (1987)32, em que é revista a experiência clínica com a droga, e a de Cioli et al (1995)9 para mecanismos de ação e farmacologia da oxamniquine.

    3.0 – Praziquantel
    Essa droga descoberta nos anos 70, nos Laboratórios da Indústria Farmacêutica (Merck, Darmstad, Alemanha), teve seu desenvolvimento realizado em conjunto com os laboratórios Bayer. É curioso destacar que originalmente o grupo químico pirazino-isoquinolina (ao qual o praziquantel pertence) foi utilizado para encontro de novos tranqüilizantes (Groll, 1984)33. Por outro lado, mesmo após a comprovação no Brasil e em diferentes países do mundo de sua utilidade como esquistossomicida, em nosso país foi lançada comercialmente para tratamento de cestóides, daí o nome comercial de Cestox R e CisticideR , ao contrário do que ocorreu na África e na Ásia, onde é conhecido como Biltricide R ou DistocideR.. O praziquantel (inicialmente EMBAY 8440) foi selecionado após síntese de mais de 400 compostos e apresenta ação anti-helmíntica polivalente.
    O praziquantel produzido pela Bayer tem 600 mg por comprimido. Deve-se destacar que, menos de um ano após o registro da patente pelas indústrias farmacêuticas alemãs, a República Popular da China desenvolveu processo próprio de síntese do praziquantel e iniciou sua fabricação com o nome de PyquitonR. Posteriormente, Shim Poong Pharmaceutical Company na Coréia do Sul, Eipico no Egito e Farmanguinhos no Brasil também passaram a produzir essa droga, o que levou a queda substancial do preço (atualmente sete centavos de dólar americano por comprimido). Dessaque-se que Farmanguinhos desenvolveu uma formulação oral líquida, com sabor agradável, própria para administração em crianças. Também Eipico no Egito produz suspensão oral.
    A absorção do praziquantel é rápida, pois a concentração máxima no soro é observada 2 a 4 horas após a ingestão34,35. Também o processo metabólico da droga é rápido, com meia vida no plasma de 1 hora. A concentração plasmática é influenciada pela dose, pela quantidade e qualidade da refeição e pela formulação da droga34,35. Uma dieta rica em carboidratos aumenta a absorção da droga no homem36. Até 80% do praziquantel liga-se às proteínas plasmáticas37. A eliminação da droga ocorre principalmente pela urina (80%), sendo o ressante encontrado nas fezes e na bile. O metabolismo nos pacientes portadores da esquistosomose e nos animais infectados é menor do que nos animais não infectados. Em indivíduos saudáveis 15 minutos após a ingestão oral de praziquantel marcado com carbonoradioativo (C14) já se encontram 80% de metabólitos. Os principais metabólitos são: mono e di-hidroxi derivados do praziquantel38.
    O praziquantel pode ser detectado no leite humano, mas em quantidades muito pequenas (apenas 0,0008%)9. A administração conjunta de cloroquina ou previamente de carbamazepina e fenitoina podem reduzir a biodisponibilidade do praziquantel39,40.
    Desde o inicio dos ensaios clínicos com praziquantel, a indústria farmacêutica contou com o apoio da Organização Mundial de Saúde para a realização dos ensaios, com protocolos padronizados. Os primeiros ensaios clínicos foram realizados no Brasil, em pacientes infectados pelo Schistosoma mansoni por Katz et al (1979)41 no Zâmbia, em pacientes com S. haematobium por Davis et al (1979)42 e no Japão e nas Filipinas, em pacientes com S. japonicum (Ishisaki et al 197943; Santos et al 197944).
    As doses recomendadas foram de 30 a 40 mg/kg (dose única) para S. haematobium, 40-50 mg/kg (divididos em duas doses) para S. mansoni e 60 mg/kg para S. japonicum (divididos em duas doses). Com essas doses foram obtidos 80 a 90% de cura parasitológica. Os efeitos adversos mais freqüentes foram dores abdominais, diarréia, náusea, vômito e anorexia. Quanto ao sistema nervoso central foram detectados: cefaléia, tonturas, cansaço e menos frequentemente a sensação descrita pelos pacientes como “cabeça oca” e sensação de quente e frio; outras reações colaterais foram o aumento da temperatura corporal e manifestações na pele, como prurido e urticárias. Essas reações aparecem algumas horas após a ingestão da droga com duração, na quase totalidade dos casos, de 24 a 48 horas41-44.
    As manifestações cutâneas às vezes aparecem quatro a seis dias após o tratamento, o que leva alguns pesquisadores a acreditar que se trata de uma reação do organismo à liberação de substâncias devido à morte dos vermes. Alterações laboratoriais observadas foram principalmente o aumento da eosinofilia, mas também discretas alterações eletrocardiográficas.
    Uma comissão internacional que reviu os estudos de mutagenicidade com drogas esquistossomicidas concluiu que o praziquantel não apresentou genotoxicidade nos esquemas utilizados45.
    Ensaios realizados em pacientes com forma hepatoesplênica apresentaram bons resultados46,47. Quando havia acometimento cerebral pelo S. mansoni, S. haematobium ou S. japonicum, o praziquantel isolado ou em associação com corticóides também apresentou bons resultados48,49. Na fase aguda da esquistossomose mansoni o praziquantel também revelou seu bom potencial curativo50-52.
    Alguns autores têm preconizado aumento da dosagem do praziquantel, visando melhorar o índice de cura, preconizando esquemas de duração prolongada de até cinco dias53,54. É evidente que quando o objetivo é o tratamento em larga escala em zonas endêmicas este último esquema é inviável. Mesmo para o tratamento individual, o aumento do percentual de cura observada não o justifica. Para os pacientes não curados é melhor repetir o tratamento com a mesma droga inicial e, se mesmo assim não houver cura, usar outra droga55.
    Uma questão que tem surgido frequentemente é se mulheres grávidas (ou com idade apropriada para engravidar) e aquelas que estão amamentando deveriam ser tratadas especificamente. Como até o presente, não foram realizados ensaios clínicos controlados em mulheres nessas condições, o FDA (Food and Drug Administration), agência que controla e libera os medicamentos nos Essados Unidos da América, classificou o praziquantel na categoria B no que se refere à gravidez, isto é, “droga presumidademente segura baseado em estudos animais”. Isso levou a maioria dos programas de controle a excluírem as mulheres grávidas e aquelas que estão amamentando. Em trabalho recente, fundamentado nos casos existentes na literatura, Olds (2003)56 propõe que as mulheres grávidas sejam tratadas. Por outro lado, para aquelas que estejam amamentando, recomenda-se que seja feita a interrupção da amamentação materna por 48 horas, para poderem também ser submetidas ao tratamento com praziquantel56.
    A administração da cimetidina bloqueia o metabolismo do praziquantel em ratos aumentando significativamente a concentração do esquistossomicida no soro dos animais57. A mesma ação também foi revelada para o ketoconazol e miconazol no metabolismo do praziquantel57. Foi mostrado que o uso conjugado do praziquantel (200 mg/kg por dois dias seguidos) e cimetidina (mesma dosagem) produziu 100% de mortalidade dos vermes58. Posteriormente, a associação praziquantel (25mg/kg x 3 com intervalos de 2 horas entre as doses) e cimetidina (400 mg, antes de cada dose) foi utilizada com resultados bons para o tratamento da neurocisticercose em apenas um dia59-61. Também foram obtidos resultados semelhantes quando a cimetidina foi substituída por uma dieta rica em carboidratos (650 calorias), administradas 30 minutos antes do praziquantel61. Infelizmente, os autores não detalharam a dieta utilizada. Todavia, os dados desses autores concordam com os de Mandour et al (1990)36, quando utilizaram dieta constituída de óleo, feijão e pão de trigo, mas deve-se chamar a atenção para o trabalho de Metwally et al (1995)62 que encontraram diminuição da concentração do praziquantel em soros de pacientes quando essa droga foi administrada conjuntamente com 50 g de glicose ou 2g de bicarbonato. Assim sendo, parece não ser a glicose (ou ela isoladamente) a responsável pelo aumento do nível de praziquantel no plasma. O uso concomitante da cimetidina com o praziquantel aumenta significativamente, em até duas vezes e meia, a biodisponibilidade dessa última59,60.
    A cimetidina é um inibidor do citocromo P450 e antagonista do receptor H2 da histamina, e é essa inibição que deve ser a responsável pelo aumento da concentração do praziquantel no plasma, através da inibição da degradação metabólica dessa droga pelo fígado, quando as duas drogas são administradas conjuntamente em animais de laboratório ou no homem59. O mesmo efeito foi revelado pela cimetidina quando em administração conjunta com anticoagulantes orais, teofilina e mebendazol63,64. O uso concomitante de corticoesteróides e praziquantel diminui a biodisponibilidade deste último65; mesmo assim, essa associação tem sido recomendada para diminuição das reações inflamatórias, seja na neurocisticercose ou na forma toxêmica da esquistossomose aguda, mas as drogas devem ser administradas com algumas horas de intervalo entre elas.
    Ensaio multicêntrico, duplo-cego, foi realizado por quatro grupos de pesquisadores brasileiros. Esse estudo, patrocinado pela Merck, foi desenhado para comparar a tolerância e atividade do praziquantel com a oxamniquine66. Ambos os medicamentos foram administrados por via oral em dose única, na média de 55 mg/kg de peso corporal para praziquantel e 16 mg/ kg para a oxamniquine. A idade dos indivíduos variou de 8 a 65 anos com uma média de 20,6 anos, sendo 25% abaixo de 15 anos e 9% acima de 30; 7% eram constituídas de pacientes com forma aguda, 70% com forma intestinal ou hepatointestinal e 5% forma hepatoesplênica. Em torno de 80% apresentaram carga parasitária (medida pelo número de ovos de S. mansoni nas fezes, pelo método de Kato-Katz)67 de baixa ou média intensidade, isto é, até 500 ovos/gr. Foram tratados em torno de 270 pacientes com cada uma das drogas. A incidência e gravidade dos efeitos colaterais foram semelhantes nos dois grupos tratados, porém desconforto abdominal e diarréia foram significativamente mais freqüentes com praziquantel, e tontura, com oxamniquine. Também no grupo tratado com praziquantel foram observados como efeitos colaterais importantes, reação urticariforme em dois casos, prurido e febre em quatro casos e no grupo com oxaminiquine, um caso de convulsão. Outros efeitos colaterais observados com maior freqüência foram tonturas, cefaléia, náusea, vômito e diarréia. A cura parasitológica (revelado por pelo menos 3 exames de fezes no 6º mês pós-tratamento) foi de 75,5% para o praziquantel e de 69,8% para oxamniquine, não havendo diferença essatística entre os dois grupos. Nos pacientes não curados houve redução significativa de 88,6% e 74,6% na média do número de ovos eliminados por grama de fezes, respectivamente para o praziquantel e oxamniquine66. Esse ensaio foi importante para concluir que no Brasil as duas drogas equivalem-se em efeitos adversos e atividade de cura e ambas podem ser consideradas bons esquistossomicidas, seja para o tratamento na clínica médica , seja para uso em programas de saúde pública.
    Já foram administrados mais de 53 milhões de doses de praziquantel, especialmente no Egito, Brasil, China e Filipinas, sem registro de nenhum caso fatal68.

    4.0 – Derivados da Artemisinina
    A artemisinina é o principio ativo das folhas de Arthemisia annua, planta utilizada há mais de dois mil anos para tratamento de febre na China. A partir da década de 70, a artemisinina e seus derivados (artemether e artesunato) foram estudados e desenvolvidos inicialmente pelos cientistas chineses para o tratamento da malária. A atividade esquistossomicida foi descrita também pelos chineses com base nas experimentações de animais experimentalmente infectados pelo S. japonicum69 e posteriormente essa atividade foi vista também em S. mansoni e S. haematobium70,71
    Ensaios clínicos já foram realizados em mais de 3000 indivíduos, especialmente visando reduzir a incidência e intensidade da infecção em residentes de zonas endêmicas. De fato, Utzinger et al (2000)72 ensaiaram o artemether na Costa do Marfim, África, por via oral, na dose de 6 mg/kg, administrados a cada três semanas, por seis vezes. Antes os escolares foram tratados por duas vezes com praziquantel, com intervalos de quatro semanas. A avaliação final foi feita três semanas após o término do tratamento. Não foram relatados efeitos colaterais graves com o uso do artemether. O grupo que recebeu o artemether teve incidência de infecção pelo S. mansoni significativamente menor que a do grupo controle dos 128 tratados, (24,2%) infectaram; dos 140 pacientes. Também a média geométrica do número de ovos de S. mansoni foi menor no grupo tratado com artemether quando comparado ao controle (19 e 32 ovos/gr de fezes). Resultados similares já haviam sido descritos antes em trabalhos realizados na República Popular da China em área endêmica do S. japonicum73.
    Deve-se chamar a atenção para o potencial perigo do uso continuado e prolongado da artemisinina e seus derivados em área endêmica para malária, pois teoricamente existe a possibilidade do aparecimento de resistência a essas drogas, que atualmente são muito importantes para o tratamento dos indivíduos infectados pelo Plasmodim falciparum, especialmente devido ao rápido e eficaz efeito que apresentam nos casos de envolvimento cerebral causado por esse parasito. Embora exista a possibilidade do uso em população residente em zona endêmica para que essa não se infecte pelo Schistosoma, as formulações atuais da artesiminina e/ou seus derivados não parecem ter indicação do ponto de vista prático, seja pela necessidade do tratamento repetido e constante nessas áreas, seja pela possibilidade do aparecimento de formas resistentes a essas drogas na malária. Todavia, é possível indicá-las para o tratamento de curto prazo de pessoas que obrigatoriamente têm que entrar em contato com águas contaminadas em zonas endêmicas, como, o pessoal das forças armadas ou limpadores de canais de sistema de irrigação.

    5.0 – Resistencia as Drogas Esquistossomicidas
    Foram Rogers and Bueding (1971) que pela primeira vez demonstraram a existência de uma cepa de S. mansoni resistente a um agente esquistossomicida74. De fato, camundongos infectados com uma cepa de S. mansoni de Porto Rico foram tratados com hycanthone, por via intramuscular, e, nestes, foi vista parada temporária da eliminação de ovos nas fezes. Quando os ovos voltaram a ser encontrados nas fezes, 12 meses após o tratamento, estavam viáveis dando origem a miracídios capazes de infectar caramujos. As cercárias provenientes desses foram utilizadas para infecção de camundongos, cujos vermes adultos mostraram estar resistentes ao tratamento com hycanthone74. Logo em seguida, Katz et al (1973) isolaram, também pela primeira vez, cepas de S. mansoni provenientes de dois pacientes menores que haviam sido tratados por duas vezes com hycanthone e uma vez com niridazol e mesmo assim continuavam eliminando ovos viáveis nas fezes. Fechando o ciclo em laboratório, os camundongos infectados por essa cepa (WW) mostraram resistência ao tratamento com hycanthone e também com oxamniquine75. Vários estudos posteriores confirmaram a existência de cepas resistentes a esses agentes esquistossomicidas76-82. Em 1991, Katz et al trataram dois grupos de crianças: o primeiro constituído de 90 pacientes com oxamniquine ( dose única, oral de 20g/kg) e o segundo de 110 pacientes com praziquantel (dose única oral, de 60mg/kg). O percentual de cura foi semelhante em ambos os grupos (85%). Em seguida, os não curados com a droga utilizada receberam a outra medicação. No total, para o segundo tratamento, foram tratados 12 pacientes com oxamniquine ou com praziquantel. Destes, apenas um continuou eliminando ovos viáveis de S. mansoni55. Esse ensaio mostrou que indivíduos não curados com oxamniquine foram curados com praziquantel e vice-versa. Destaque-se ainda que foram obtidos cinco isolados dessas crianças antes do primeiro tratamento. Não foi detectada correlação entre a resposta a droga utilizada nas crianças e as obtidas em animais de experimentação, permitindo a conclusão de que a falha terapêutica clínica nem sempre está associada à presença de resistência da cepa de S. mansoni e que a resposta ao tratamento é droga específica55.
    Fallon e Doenhoff (1994) utilizaram um “pool” de cercárias provenientes de quatro isolados de S. mansoni oriundos de regiões geográficas diferentes. Após sete tratamentos com doses subcurativas de praziquantel, que foram sendo aumentadas a cada tratamento, obtiveram uma cepa da qual 93% dos vermes sobreviveram a três doses de 300 mg/kg, enquanto apenas 10% dos vermes sobreviveram no grupo controle. Essa cepa demonstrou ser resistente ao praziquantel, mas sensível ao uso da oxamniquine, isto é, trata-se de cepa resistente a uma droga específica83.
    Os resultados dos exames coproparasitológicos realizados em populações residentes em Richard Toll (Senegal) após o tratamento com praziquantel (dose única, oral de 40mg/kg) revelaram uma baixa porcentagem de cura, de apenas 18% nos infectados pelo S. mansoni84. A divulgação desses resultados causou grande comoção na opinião pública, bem como na comunidade científica, exigindo várias manifestações da OMS, temerosa do praziquantel ser contessado como esquistossomicida na África.
    Muitos estudos e ensaios clínicos foram realizados para explicar este mau resultado do praziquantel, discordante dos outros inúmeros ensaios realizados nas mais diferentes regiões geográficas em três continentes, que apresentaram boa eficácia terapêutica. Ensaio clínico utilizando-se duas doses de 30 mg/kg foram realizados, em 30 crianças infectadas com carga parasitárias alta que foram alocadas em diferentes grupos e tratados com a dose usual e com a dose maior. Os resultados dos exames coprológicos e também da pesquisa de antígeno circulante não mostraram diferença significativa do percentual de cura entre os dois grupos (44% e 34%, seis semanas após o tratamento)84,85. É interessante dessacar que foi observado (em ambos os grupos) um decréscimo de 99% na contagem de ovos de S. mansoni nas fezes. Outro estudo comparando praziquantel (40 mg/kg) com oxamniquine (20mg/kg) foi realizado em 138 pacientes (5-75 anos de idade) provenientes do mesmo foco (Ndombo-Richard Toll). Seis semanas após o tratamento, o percentual de cura foi de 79% nos tratados com oxamniquine e de 36% com praziquantel86. Várias hipóteses foram levantadas para explicar essa baixa atividade da droga nesse importante foco esquistossomótico: transmissão alta com reinfecções precoces, presença de vermes imaturos, resposta imune deficiente dos pacientes por tratar de um foco recente, uso de droga com baixa qualidade e susceptibilidade baixa ou mesmo resistência de cepas na área87.
    Experimentalmente foi demonstrado em camundongos tratados com praziquantel e infectados com isolados de Richard Toll que os animais apresentaram resposta terapêutica bem menor do que com a cepa de S. mansoni mantida rotineiramente no laboratório88. As diferentes partidas de praziquantel utilizadas nos ensaios clínicos mostraram-se igualmente eficazes nos ensaios experimentais em camundongos (Katz N e Araújo N {dados não publicados} Stelma et al 1995)85. Grysels et al (2001) revisaram os vários estudos e ensaios clínicos realizados com praziquantel e discutem em extensão as várias possibilidades, concluindo que o baixo índice de cura pode ser explicado pela alta carga parasitária e intensa transmissão na área e que não é possível afirmar se existe ou não resistência na cepa senegalense87. Todavia a meta-análise realizada por Denso-Appiah e De Vlas (2002) analisando vários ensaios clínicos realizados em diferentes países da África (Sudão, Burundi, Zaire, Egito e Senegal) mostrou que a alta intensidade da carga parasitária nos pacientes tratados bem como a técnica utilizada no diagnóstico e avaliação podem explicar parcialmente o percentual baixo de cura, mas o que foi chamado de “fator Senegal”, isto é, a resistência ou tolerância da cepa do S. mansoni ao praziquantel, não pode ser excluído89.
    Ismail et al (1996) relataram que no Egito de 1988 a 1991 foram tratados com praziquantel mais de 10 milhões de pessoas infectadas pela esquistossomose90. Nesse último ano, observaram no Delta do Nilo que 2,3% dos infectados não haviam sido curados, embora houvessem sido tratados com três doses sucessivas de praziquantel (duas de 40 mg/kg e a terceira de 60 mg/kg). Quando os ovos de S. mansoni provenientes desses pacientes foram utilizados para fechar o ciclo, os camundongos infectados e tratados com praziquantel mostraram, 80% deles, uma baixa resposta à droga90. Também in vitro a resposta estava diminuída, seja em relação à contração dos vermes91 seja quanto a ruptura do tegumento dos vermes92, quando em contato com o praziquantel.
    Observação muito interessante foi vista numa cepa resistente (R1), oriunda de um paciente que havia sido tratado com praziquantel e oxamniquine e que não havia sido curado (Coelho et al 1998)93. Essa cepa (R1), comparada com a cepa LE (mantida rotineiramente no laboratório), apresentava a mesma susceptibilidade a oxamniquine (200 mg/kg, dose única oral, em camundongos), quando o tratamento foi feito na fase da infecção na pele (1 dia) ou na pulmonar (6 dias). A resistência à droga manifestou-se no inicio da maturidade dos vermes (25 dias após a infecção)93. Também Mattoccia & Cioli (2004) observaram que para o tratamento da infecção aos 28 dias, em camundongos infectados com a cepa de Porto Rico, foi necessária dose 30 vezes maior de praziquantel do que a usada para a infecção com 49 dias94.
    Três conclusões importantes podem ser tiradas dos estudos discutidos: 1º) é possível selecionar (ou induzir) cepas resistentes ao praziquantel e a oxamniquine em laboratório; 2º) existem cepas em diferentes regiões endêmicas que apresentam naturalmente diferente susceptibilidade (ou mesmo tolerância) aos agentes esquistossomicidas; 3º) tendo em vista a possibilidade teórica de encontro de cepas resistentes a oxamniquine e praziquantel (o que ainda não foi demonstrado em um mesmo isolado) e considerando que para muitas regiões na África e em toda Ásia apenas o praziquantel vem sendo usado (pois a oxamniquine não apresenta atividade contra o S. haematobium ou o S. japonicum ou mesmo para o S. mansoni em muitas regiões do continente africano) é necessário e urgente o encontro de novos agentes esquistossomicidas.

    6.0 – Associação de Drogas
    A associação de drogas para o tratamento da esquistossomose na clínica médica ou em programas de saúde pública tem como objetivos: 1) uso de menor quantidade de cada uma visando diminuir a freqüência dos efeitos adversos (e/ou tóxicos) e aumentar o índice terapêutico; 2) dificultar (ou impedir) o aparecimento de cepa resistente ao agente esquistossomida; 3) curar os pacientes que tenham concomitância de infecção crônica e re-infecção recente (vermes maduros e imaturos); 4) obter, de preferência ação sinérgica entre as drogas e não apenas ação aditiva.
    A associação de drogas tem seguido dois caminhos, 1) uso de duas drogas esquistossomicidas (exemplo: praziquantel e oxamniquine, praziquantel e artemether); e 2) uso de um agente esquistossomicida associado a uma droga que tenha atividade sobre o metabolismo da primeira (por exemplo: praziquantel e cimetidina). Não se devem esquecer as incompatibilidades farmacológicas entre drogas, que podem interferir na ação isolada de cada uma (por exemplo: praziquantel e corticoesteróides).
    Neste capítulo serão discutidos os ensaios clínicos, especialmente os resultados obtidos no uso da associação da oxamniquine e praziquantel e dessa com artemether.
    Em 1983, Pugh e Teesdale ensaiaram a combinação praziquantel (de 8 a 20 mg/kg) e oxamniquine (4 a 10 mg/kg) em escolares de 6 a 20 anos no Malawi95. Estes estavam infectados com S. mansoni e/ou S. haematobium. Mesmo com as doses maiores, os efeitos colaterais foram poucos, mostrando ser essa associação bem tolerada. Os autores concluírem que houve ação sinérgica entre as duas drogas95. Todavia, na análise dos resultados foram levantadas algumas objeções, tais como: 1) os grupos de escolares tratados eram constituídos por número pequeno de casos (22 a 30 por grupo); 2) metade dos pacientes apresentava infecção mista; 3) só foi considerada a redução do número de ovos, não sendo mencionada o percentual de cura; 4) a intensidade da infecção era alta antes do tratamento e 5) apenas um único exame de fezes ou urina foi realizado, um mês após o tratamento96. Outro ensaio clínico utilizando-se a associação de praziquantel (20 mg/kg) e oxamniquine (4 a 10 mg/kg) foi realizado no Zimbabwe em crianças de 7 a 16 anos infectados com S. mansoni e/ou S. haematobium. Os autores concluíram que essa associação não foi superior ao uso do praziquantel sozinho97.
    No Brasil, os ensaios clínicos realizados apresentaram resultados contraditórios. De fato, Campos et al 1985, utilizando a associação praziquantel (15 mg/kg/oral) e oxamniquine (7,5 mg/kg/oral) obtiveram evidências de que essa associação fosse vantajosa98. O mesmo não foi confirmado por outros pesquisadores, em ensaios no Brasil, que concluíram pela falta de ação sinérgica como essa associação99-101.
    Recentemente, foram realizados dois ensaios na África. O primeiro ocorreu no Senegal, em uma área onde a transmissão de S. mansoni é muito intensa (Richard Toll) e que já foi citada neste capítulo, no que diz respeito à resistência ao praziquantel. O ensaio clínico incluiu 110 pacientes infectados com S. mansoni com idade 1 a 60 anos. Os pacientes foram divididos em três grupos e tratados com praziquantel (40mg/kg, dose única) e artesunato (dose total de 12 mg/kg, distribuídas em 5 dias). A avaliação de cura foi feita através de duas lâminas de uma mesma amostra fecal, pelo método de Kato-Katz67, na semana 5, 12 e 24. O índice de cura na primeira avaliação foi de respectivamente 69 e 44%, para a associação ou praziquantel isoladamente. Já a redução de número de ovos de S. mansoni nas fezes foi semelhante nos dois grupos tratados (em torno de 86%)102.
    O segundo ensaio clínico foi realizado no Gabão (África) em 296 crianças infectadas pelo S. haematobium e tratadas com praziquantel mais placebo ou praziquantel e artesunato nas mesmas doses do primeiro ensaios acima relatado. Os percentuais de cura observados não foram significativamente diferentes, sendo respectivamente de 73% e de 81% para a associação103. Essa associação vem sendo estudada com mais freqüência na China71,72,73,96.
    Esses resultados, embora não muito animadores, indicam a necessidade de novos ensaios com outras posologias com essa associação, evitando-se, todavia, fazê-lo em áreas endêmicas, onde co-existam a malária e a esquistossomose.
    A segunda abordagem que pode ser sugerida é a administração de praziquantel e cimetidina. Os ensaios clínicos realizados em portadores de neurocisticercose que permitiram passar de esquemas terapêuticos de longa duração para tratamento em um único dia, quando ao praziquantel foi acrescentado a cimetidina, indicam um bom modelo a ser experimentado nos casos de esquistossomose. O aumento da biodisponibilidade e da concentração do praziquantel no plasma em até duas vezes e meia, quando essa associação foi utilizada, permite que se tenha perspectiva de alcançar bons resultados na terapêutica clínica. Também outras drogas podem ser associadas com o mesmo desiderato, uma vez, que, por exemplo, a administração simultânea do miconazol e praziquantel em estudos experimentais em ratos mostrou aumento de até cinco vezes na concentração plasmática do praziquantel57.

    7.0 – Tratamento como Medida de Controle.
    Trabalho pioneiro, na década de 50, foi realizado por Sette (1953), quando, examinando a população de uma região endêmica de esquistossomose em Pernambuco que havia sido tratada com antimoniais, demonstrou diminuição significativa do número de casos de cirrose hepática após o tratamento de milhares de pacientes com esquistossomose104. Esse achado levou Kloetzel, nos anos setenta, a estudar em área endêmica semelhante o resultado do tratamento especifico na evolução das formas graves em crianças e a sugerir como conclusão do observado, que essas deveriam ser tratadas independentemente da possibilidade de serem reinfectadas105,106. Em trabalho posterior e decisivo, realizado na Bahia, por Bina (1977), os resultados demonstraram claramente que as crianças residentes em zona endêmica de S. mansoni tinham tendência a adquirir a forma hepatoesplênica com o passar dos anos. De fato, no grupo examinado (controle) havia onze portadores de forma hepatoesplênica e após seis anos foram encontrados 33 casos. Em um segundo grupo examinado na área, havia 14 crianças com forma hepatoesplênica em crianças infectadas e que foram tratadas (com hycanthone). Após seis anos, quatro crianças apresentaram redução do tamanho do fígado e baço, passando a serem consideradas como de forma intestinal ou hepatointestinal e nenhum novo caso de forma hepatoesplênica foi encontrado nesse grupo tratado, embora praticamente todos estivessem novamente eliminando ovos de S. mansoni nas fezes devido a reinfecções107.
    Esses trabalhos, entre outros, realizados no Brasil17,28,30, foram decisivos para que a Organização Mundial de Saúde, em 1985, após reunião de “peritos” na área da esquistossomose, em que havia três pesquisadores brasileiros e a coordenação de um pesquisador americano que também havia residido e pesquisado esquistossomose no Brasil (Bahia) durante muitos anos, passasse a indicar o controle da morbidade através do tratamento especifico dos portadores de esquistossomose em zonas endêmicas108. Com o aparecimento de drogas esquistossomicidas que podiam ser administradas em dose única oral, com atividade terapêutica boa e com efeitos adversos e tóxicos de baixa intensidade foi possível iniciar em várias áreas endêmicas projetos-pilotos que visavam o controle da morbidade (medida pela diminuição da incidência ou o não aparecimento das formas graves, isto é, forma hepatoesplênica). Estes projetos-pilotos realizados em diferentes essados brasileiros mostraram claramente que o uso da droga (mesmo que isoladamente) permitia uma baixa rápida da prevalência e da intensidade da infecção na população tratada (embora, se interrompido o tratamento, a tendência era da prevalência e intensidade voltarem aos índices anteriores). O mais importante, porém, é que embora houvesse reinfecções, não havia aparecimento de novos casos de forma hepatoesplênica109. Com a introdução do PECE (Programa Especial de Controle da Esquistossomose) no Brasil, em 1976, foram examinados e tratados com oxamniquine milhões de brasileiros110. Embora haja discussão e discordância do que esse Programa produziu em relação à prevalência no país, parece unânime a conclusão da significativa baixa da incidência e prevalência das formas hepatoesplênicas111-114.
    Em relação a outras manifessações mórbidas causadas pela esquistossomose, como: renal, genital, cutânea, cerebral, medular etc, faltam avaliações do efeito dos agentes esquistossomicidas na incidência e evolução dessas outras formas, quando populações são tratadas. Estudos realizados em diferentes países têm também mostrado os benefícios causados pelo tratamento das populações residentes em zonas endêmicas: baixa da intensidade e da prevalência foi vista em países da África, resolução da anemia e interrupção da eliminação de sangue nas fezes, reversão do aumento do volume do fígado e baço e reversão da fibrose hepática115-120. A esse respeito, vale ler revisão sobre o impacto da quimioterapia sobre a morbidade causada pelas esquistossomoses em diferentes áreas geograficas121.

    8.0 – Comentários Finais
    Não é conveniente que haja apenas uma droga para o tratamento de uma doença endêmica como a esquistossomose. De fato, considerando o uso da oxamniquine cada vez menor, quando comparado com o do praziquantel, este último passará a ser brevemente o único utilizado. Aliás, isso já vem acontecendo na África e na Ásia, pelos motivos anteriormente discutidos. Assim sendo, é urgente que novos esforços sejam feitos para descobrimento de novos agentes esquistossomicidas, especialmente nos países endêmicos para a esquistossomose. Nesse caso o Brasil dessaca-se seja por ter massa crítica de pesquisadores dedicados a esse assunto, ou mesmo pela aplicação de soma de recursos apreciáveis nessas investigações (embora, no total, esse montante ainda seja inferior às necessidades). Os pesquisadores brasileiros junto com órgãos internacionais, a OMS em primeiro lugar, mas também associados a indústrias farmacêuticas que contam com expertise e fazem síntese de moléculas novas e mesmo modificação de algumas já estudadas, poderiam em conjunto proporcionar o aparecimento de novos agentes esquistossomicidas. É claro que se formos esperar que a indústria farmacêutica sozinha vá investir a soma de 800 milhões de dólares americanos para o descobrimento de um novo agente, essa solução não é prática nem realista, nem viável.
    O esquema de cooperação aqui proposto talvez possa custar um décimo dessa verba orçada empiricamente, mas citada como argumento para que não haja ensaios experimentais e clínicos com um novo esquistossomicida. Por outro lado, o reconhecido efeito benéfico do tratamento específico da esquistossomose indica que seu uso deva ser continuado e ampliado nos países endêmicos, mesmo sabendo que apenas o controle da morbidade poderá ser alcançado com essa medida isoladamente. Aliás, a OMS, na sua Resolução WHA 5419, de maio de 2001, recomendou aos estados-membros que garantissem o acesso às drogas essenciais contra a esquistossomose (e geohelmintos) nos serviços de saúde nas zonas endêmicas. O objetivo é de tratar especificamente pelo menos 75% das crianças em idade escolar, regularmente, até o ano de 2010122.
    Todos os esforços dos pesquisadores, dos formadores de opinião pública e dos agentes do governo deverão ser canalizados no sentido de convencer as autoridades responsáveis da necessidade imediata do aumento de investimentos no fornecimento de água potável e sistema de esgoto, tecnicamente corretos, para as cidades e aglomerados humanos, onde, associados as medidas de educação para a saúde e tratamento clínico em larga escala, poderá ser a resposta adequada para o controle da transmissão da endemia esquistossomótica, bem como de várias outras doenças relacionadas à precariedade do saneamento básico.
    É importante, para o Brasil, onde há quase 100 anos foram descritos os primeiros casos de esquistossomose que não seja necessário esperar mais um século para se considerar a esquistosssomose como endemia controlada.