Reflexões sobre a estrutura do Conto Literário – Aspectos redacionais – José Luiz de Vasconcelos Barros – 1996

    Data de publicação: 08/06/1996

    Reflexões sobre a estrutura do Conto Literário – Aspectos redacionais – José Luiz de Vasconcelos Barros – 1996

    Palestra realizada em 01 de agosto de 1996, no Auditório da Academia Mineira de Letras, a convite da Universidade Livre.

    A ESTRUTURA DO CONTO
    Como conceituar a estrutura do conto? Segundo alguns, a sua feitura deve obedecer a umas tantas regras e normas a ele impostas pelos escritores que se dedicaram à sua criação e sobre ele desenvolveram amplos estudos.
    Segundo Massaud Moisés o conto é: “do prisma de sua história e de sua essência a matriz da novela e do’ romance. Edgard Allan Põe em sua obra “Philosophy of composition” e no prefacio da obra de Hawthome: ” Twice¬ told tales” por ele intitulado de “Review of twice-told tales” destaca algumas nonuas que devem ser consideradas na estruturação do conto. E assim, uma infinidade de outros não menos importantes autores e estudiosos, incluindo-se entre estes Ring Lardner que ironicamente desenvolve normas de “como não escrever contos” e, E. Current-Garcia e W. R. Patric, que no antológico livro de ensaios: What is the short story? revelam importante preocupação “antidogmática”, fazendo severas críticas aos manuais que ditavam regras de como se escrever contos e a constante exigência do “enredo”.
    Seguindo os clássicos conceitos, ao se propor construir um conto, o autor pode escolher uma das seguintes situações:
    a) Aquela em que o narrador é a personagem principal do conto. É a forma menos usada, porque permite grande confusão com outro gênero literário que é a “Crônica”. Nela o autor escreve na primeira pessoa, e é a personagem principal do drama narrado.
    b) O narrador é personagem secundária e conta a história do personagem principal. Neste caso o narrador participa dos fatos e da história, mas, não é a personagem principal.
    c) O narrador onisciente e onipresente, narra a història da qual não participa, embora tenha acesso à todos os fatos e diálogos.
    d) O narrador conta a história como observador, conta o que vê do lado de fora do drama.

    Da analise destes variados estudos, concluímos que estas regras, podem ser assim resumidas:
    1) O conto é sempre uma ficção – Segundo estes autores, o conto é uma composição literária, que se caracteriza pela ficção, onde o autor dificilmente fala na primeira pessoa. Colocando-se atrás da ação, o autor usa comumente a terceira pessoa ou vale-se da figura do narrador, para desenvolver sua estória, atuando como o ponto nas peças teatrais…
    2) O conto é sempre uma narrativa, que envolve e resume um fato, um tempo, um lugar, uma ou mais personagens.
    3) Todo conto pressupõe um plano que é a fonte de criatividade do autor. Envolve a forma de contar o fato que se pretendeu mostrar e desenvolver, através de um enredo. O plano é a fonte e tudo deve convergir para ele. Nele estão latentes todas as descrições que a narrativa exige e se constitui na estrutura do conto.
    4) O conto deve, ainda, apresentar um sentido de ponderação e equilíbrio, entre todas as partes que o compõem: plano, tema e ação. Aì reside o maior poder de criatividade do contista. Aì é que o autor aplica sua maior ou menor capacidade de exprimir as ações das personagens e o conteúdo da estória.
    5) Além disso, o plano e a narrativa que se pretendem desenvolver devem estar ligadas a um tempo, e este pode ser descrito, tendo-se em vista o presente, ou o passado, ou mesmo o futuro, como uma coisa que esteja acontecendo, que já tenha acontecido ou se pressupõe que ainda ocorrerá!
    6) No conto, o autor deve se preocupar com o equilíbrio das personagens no que se refere à ação e à apresentação de cada uma delas. Deve caber às diferentes personagens, o destaque que o seu papel e sua ação exigirem: umas mais, outras menos importantes ou secundarias.
    7) A descrição de cada personagem participante da ação deve, portanto, ter as dimensões de sua importância no desenvolvimento e no desfecho da estória.
    8) O epílogo do conto deve ser claro e sugestivo de modo a revelar aos leitores o fim, que se pretendeu atingir. Muitas vezes, no entanto, o autor deseja conferir ao conto, um desfecho inesperado para o leitor, nesse caso, há de ter sempre o máximo cuidado e a preocupação, para que esse elemento surpresa seja preservado até o desfecho do conto.
    9) Finalmente, no conto, sempre acontece algo, porque todo conto tem apenas, compromisso com sua história.

    A estrutura do conto, que segue ordenadamente plano preestabelecido, é todavia, mais simples do que à primeira vista pode parecer. E se define:

    a) Na escolha do assunto, ou tema, objeto exclusivo, da vontade e escolha do autor;
    b) Na introdução, onde o autor escolhe e faz a descrição do cenário, da estória;
    c) Na determinação do tempo em que ocorrerem os fatos descritos na estória: se no presente, no passado, ou no futuro.
    d) A descrição do lugar, onde a ação se desenrola, de modo a que fique bem claro, para o leitor, todas as características do cenário, em que irão movimentar-se as personagens do conto.
    e) A criação e descrição das personagens. O conto pode começar pela descrição da personagem principal, das demais personagens, se estas existirem, no lugar onde a narrativa irá desenvolver-se. Ocorre às vezes que o fato é a principal personagem do conto.
    f) No desenvolvimento da ação: que deve ser definido e obediente a uma seqüência lógica (modelo clássico) de princípio, meio e fim.

    Assim, no conto, deve sempre prevalecer a concisão.
    Todo conto é uma criação, como tal depende da fonte criadora, da inspiração e do sentimento do autor. Por isso exige verdadeiro trabalho de incubação da ideia que vai gerar o conto, afim de que sua elaboração seja compatível com sua geração.
    Cada personagem do conto deve ser descrita na dimensão de sua importância. Mas, os fatos e as circunstâncias devem ser apresentados dentro da orientação que o autor pretender encaminhar e orientar o conto.
    Embora o enredo-estória seja a alma do conto, o contista não participa direta e pessoalmente da ação que a desenvolve, a não ser para esclarecer pequenos fatos ligados às ações das personagens, quando então toma a palavra com esse único objetivo. (o que delas não retira o privilegio da narrativa).
    Todo conto, finalmente, é uma pequena estória que se pode desdobrar de acordo com o interesse do contista. Monteiro Lobato foi um verdadeiro mestre neste particular. Seu conto “A vingança da Peroba” bem o confirma, quando nele desenvolve nada mais do que a pequena estória de uma arvore plantada na divisa de duas propriedades rurais, cujos proprietários eram inimigos figadais. A fabulação que este conto apresenta é da maior simplicidade e, no entanto, consegue, movimentar as personagens com extrema agilidade, como se fossem bonecos de cordéis para chegar ao seu magistral epílogo.
    O que deve caracterizar o conto, segundo conceituamos, é sua impessoalidade, através da qual o autor atribui a outrem, ao narrador, ou a uma das personagens a ação da narrativa. Por isso, a personagem principal do conto quase sempre está na terceira pessoa. Em que pese a preferência de alguns autores de concebê-Io na primeira pessoa, como é o caso, por exemplo, de Mario de Andrade em “Vestida de Preto”.
    Desde seu aparecimento até nossos dias, o conto passou por grandes influencias e grandes transformações vem sofrendo ao longo do tempo.
    Muitas regras foram ditadas para regerem sua estrutura e sua formulação.
    Em princìpio, a forma literária do conto se diferencia da forma popular, por tratar-se geralmente da criação de um só individuo, embora modemamente esteja proliferando o habito de se escreverem contos a quatro mãos…
    Contudo, apesar de todas as regras a ele impostas, o conto é uma forma aberta a experimentalismos e inovações, fugindo quase sempre às concepções fechadas e normativas, estanques, evoluindo sempre e ganhando em arte, simplicidade e beleza.
    Tantas e tamanhas são hoje as modificações introduzidas na forma original e clássica de contar, que Carlos Drumond de Andrade disse: “Tenho a impressão de que tudo pode mesmo acontecer em matéria de contos, ou melhor, no interior deles.”
    O conto pode ser uma narrativa curta, e é o chamado conto breve, como por exemplo, os de Humberto de Campos em “Os monstros e outros contos”.
    Suas principais características são a concisão e a brevidade. Estes pequenos contos são na sua grande maioria admiráveis por sua densidade, pela profundidade que soem alcançar, sempre buscando a verticalidade.
    Mas, o conto, sobretudo aquele concebido e elaborado pelos grandes contistas, pode ser também uma narrativa extensa. Como bons exemplos citaremos os contos de Machado de Assis, gênio da literatura brasileira, que embora vivesse e compusesse seus trabalhos literários nos fins do século passado e no inicio do atual, é hoje considerado precursor do modernismo!
    Outro exemplo a ser citado são os contos de Monteiro Lobato.
    Estes e outros renomados autores conceberam o conto comunicando grande extensão as suas narrativas.
    Como vimos, segundo os antigos autores, o conto deve ser concebido obediente a uma seqüência lógica, onde se observa destacadamente em sua estrutura; princípio, meio e fim, desde os tempos de Aristóteles. No entanto, devido a grande liberdade que se permitiu em sua formulação a partir do “Movimento Modernista”, esta e outras ordenações praticamente deixaram de ser obedecidas.
    Quase sempre, o conto se compõe de episòdio insólito. E dependendo da forma como se desenvolve, leva o leitor a um final de feição surpreendente e não raro explosivo.
    Para muitos, como também já foi dito, a narrativa do conto deve apresentar unidade de espaço, unidade de tempo, e unidade de ação, nùmero reduzido de personagens, linguagem objetiva, dialogo dominante, descrição e narração reduzidas, ausência ou mínima dissertação.
    A cronologia do conto, nesse caso, segue quase a do relógio. Seus fatos se sucedem numa continuidade semelhante à da vida real. As suas ações se desenvolvem numa seqüência lógica, facilmente percebida e acompanhada pelo leitor. Magnifico, exemplo desta cronologia, é observada no conto “Noite” de José Afrânio Moreira Duarte, onde o notável contista contemporâneo consegue transmitir ao leitor, na narrativa que se desenvolve no espaço de uma noite, o drama psicológico de uma esposa obcecada pelo ciúme.
    Outros procuram justificar a forma aleatória de se conceber o conto, abstraindo-se desse sistema regular de “unidades”, lembrando o fato de existirem na literatura, numerosos e extraordinários exemplos de contos, ditos perfeitos, concebidos por geniais e respeitados autores, que fogem inteiramente as estas normas e regras clássicas. Como “A paixão segundo G.H.” e “Macacos” de Clarice Lispector. A descontinuidade e quebra de seqüência previsível, como nos contos: “No Mar da Criméia”, “A mulher do Farmacêutico”, “O bilhete premiado” de Anton Tchekhov. Este notável autor russo, também dramaturgo e médico, inovou a maneira de contar.
    Procurou antes de tudo libertar o conto de um de seus mais rígidos fundamentos: o do acontecimento, fugindo igualmente da temática de Maupassant e de Põe. Tchekhov chegou mesmo a publicar um conto com este nome: “O acontecimento” que mereceu de Otto Maria Carpeaux o seguinte comentário: “Parece conto sem enredo. Pois em “O acontecimento” não aconteceu nada digno de nota. Mas quem lê com atenção maior esse conto, perceberá que o acontecimento é o maior e o mais trágico da existência.” Mais modernamente ainda temos os contos concebidos por Jorge Luiz Borges em “Ficções”, Miguel Torga e muitos outros.
    A tendência que hoje se observa entre os modernos contistas, é de evitar estereotipar suas criações. No passado, o conto apresentava uma forma clássica de narrativa, sua fabulação e desenvolvimento obedeciam a regras e postulados rígidos, e aí está, legado de trezentos maravilhosos contos de Guy de Maupassant, e outros tantos trezentos de Machado de Assis, e os de Dostoievsky. Nos dias de hoje, no entanto, o conto vem apresentando forma e estrutura mais “enxuta”, fabulação mais simples, concisa e flexível, quase nunca obediente às normas fixas do passado.
    O conto, ao adotar esta tendência, procurou fugir das “torres de marfim,” para caminhar em direção ao povo, e ganhou maior penetração entre os leitores ditos menos ou medianamente intelectualizados. Estes modernos autores geralmente desprezam a forma clássica de “contar” e quase nunca suas narrativas obedecem ou apresentam a seqüência antes natural: desenvolvimento, clímax e desfecho.
    No estudo da morfologia do conto, cabe, ainda, uma serie quase infindável de colocações impostas pelos vários autores que se dedicaram ao seu estudo. Principalmente, num cotejo direto com o romance e as características que o diferenciam desta outra forma de expressão literária.
    Falam de sua força de expressão, de sua clareza, de compactação, e de seu sentido unitário, atributos que faltam no romance.
    Muitos, ainda, tentaram definir o conto, sem que tenham conseguido alcançar apoio na unidade de opiniões divergentes sobre seu conteúdo e natureza. O grande crítico literário brasileiro Herman Lima, em seu livro “Variações sobre o conto,” (1952), afirma que “é preciso desconfiar de definições autoritárias”. William Saroyan rejeita taxativamente qualquer definição ao dizer: “O que é, se nada é, uma estória? “e mais precisamente: “uma coisa é o que ela é, principalmente uma coisa criada.”
    Grande tem sido, também, a preocupação, dos estudiosos em estabelecer distinções entre o conto e os demais gêneros literários, muito especialmente com o romance, o que foge inteiramente ao nosso atual propósito. Todavia, apenas para pontuar o assunto, lembro o que disse Alceu Amoroso Lima sobre esta controvérsia: “O tamanho, portanto, representa um dos sinais característicos de sua diferenciação. Podemos mesmo dizer que o elemento quantitativo é o mais objetivo dos seus caracteres. O romance é uma narrativa longa. A novela é uma narrativa média. O conto é uma narrativa curta. O critério pode ser muito empírico, mas é muito verdadeiro. É o único realmente positivo.” Araripe Júnior já em 1894 afirmava categoricamente que: “o conto é sintético e monocrônico; o romance analítico e sincrõnico.” A forma do conto é a narrativa; a do romance, a descritiva. ”
    O autor do conto, enquanto breve ou extenso não visa, como ocorre com a trama ou o enredo do romance, obter a identidade de suas personagens com o leitor. O objetivo do conto é ter menor presunção. No conto o seu enredo atinge o leitor como um respingo de chuva passageira, que não dá para encharcar. O conto conta uma história que logo após terminada sua leitura, é só virar a pàgina e se embrenhar em outra história e contatar novos personagens. O romance ao contràrio, exige digestão longa, um maior compromisso na sua leitura. Júlio Cortàzar cita a impressão de um seu leitor e aficionado do boxe que, a meu ver, define muito bem, a grande distinção entre o conto e o romance: “Nesse combate que se trava entre um texto apaixonante e o leitor, o romance ganha sempre por pontos, e o conto por knock-out”.
    Tantas e extremadas foram as modificações introduzidas na estrutura do conto que não demorou a surgir a forma dita telegráfica, como o conto que tornou famoso o francês Félix Fenelon, restrito a três frases apenas, que encerram dois fatos e uma advertência. Ei-Io para gáudio dos “amigos dos serviços telegráficos” de todo mundo:
    “Em Clichy, um mendigo de setenta anos, Verniot, morreu de fome. Dois mil francos estavam escondidos em seu colchão.

    Contudo, não devemos generalizar.”

    TIPOS DE CONTOS: ¬
    Segundo ainda Herman Lima, os contos podem ser: humorísticos, psicológicos, sentimentais, policiais, de aventura e de mistério. Contudo, a classificação mais aceita é a de Carl H. Grabo que os conceitua como contos: de ação, de caráter, de cenário ou de atmosfera, de ideia e os de efeito emocionais.
    No Brasil, a primeira expressão literária que pode ser considerada conto, é o livro de Alvares Azevedo “Noite na Taverna,” publicado em 1855 que, de certa forma còpia do Decameron de Boccacio a maneira de vários expositores, cada um de per si, relatarem um episòdio ou uma estória.
    No Brasil, ainda, grande tem sido a contribuição de nossos homens de letras na criação, desenvolvimento e modernização desta importante forma literária. Nossos contistas, são altamente respeitados não só no país, como também internacionalmente, muitos deles com edições traduzidas e esgotadas no exterior.
    Mas, já que falamos de Brasil, imperioso é destacar, entre todos, o insuperável Machado de Assis que no final do século XIX e inìcio do século xx, foi o autor das maiores criações do gênero no pais, em todos os tempos. Cite-se quase que desnecessariamente como exemplo: “Papeis Avulsos” com o estupendo “O alienígena”, “Contos Fluminenses”, “Relíquias da casa velha” e “Història Sem Data” “Missa do Galo”, “Causa Secreta” e “Cantigas de Esponsais” A dùvida que ainda hoje acomete o espirito daqueles que se dedicam à arte de escrever contos, já então se alojava na mente do grande imortal. Senão vejamos o que ele escreve a título de “Advertência,” em 1882, quando da publicação de “Papéis Avulsos”: “Este título de Papéis Avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para o fim de os não perder. A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são eles, mas não vieram parar aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa.
    Quanto ao gênero deles, não sei que diga que não seja inútil. O livro está nas mãos do leitor. Direi somente que, se hà aqui páginas que parecem meros contos e outras que o não são, defendo-me das segundas com dizer que os leitores das outras podem achar nelas algum interesse, e das primeiras defendo-me com S. João e Diderot. O evangelista, descrevendo a famosa besta apocalíptica, acrescentava (XVII, 9): E aqui hà sentido, que tem sabedoria. Menos a sabedoria, cubro-me com aquela palavra. Quanto a Diderot, ninguém ignora que ele não só escrevia contos, e alguns deliciosos, mas até aconselhava a um amigo que os escrevesse também. E eis a razão do enciclopedista:” é que, quando se faz um conto, o espirito fica alegre, o tempo escoa-se, e o conto da vida acaba, sem a gente dar por isso. ”
    Deste modo, venha de onde vier o reproche, espero que daí mesmo virá a absolvição.” (o grifo é nosso). Depois tivemos Lima Barreto, com: “Història e Sonhos” publicado em 1920; Affonso Arinos em “Pelo Sertão” com “Buritis Perdido”, “A Cadeirinha”, “Assombramento”; o grande Monteiro Lobato, com: “Urupês”; “Cidades Mortas”; “Negrinha”; Carlos Drumond de Andrade, com “Contos Plausíveis” e “Contos de Aprendiz”, Guimarães Rosa, com: “Sagarana” ¬para só citar os mais conhecidos, dentre tantos outros importantes e também glorificados contistas.
    A psicanalise, com a descoberta do inconsciente, e a antropologia com os avanços da pesquisa social exerceram, a partir de meados deste século, considerável influência sobre o pensamento do homem moderno. E, como não poderia deixar de ser, sobre a natureza do conto, as formas como passou a ser concebido, retratando temas psicológicos e dramas sociais. Estes foram os temas preferidos pelos autores ditos modernistas, no mundo inteiro.
    Entre nós, Mário de Andrade foi dentre todos os modernistas o que mais se destacou com “Primeiro Andar”, “Belazarte” e “Contos Novos”. Seguiram¬ se Antônio de Alcântara Machado com “Braz, Bexiga e Barra Funda”, onde se destaca o conto “Gaitaninho” “Laranja da China”, “Nova Maria” e “Vários Contos”. Também a Mário de Andrade, o grande “iconoclasta” do movimento modernista, acudiram as mesmas duvidas de Machado de Assis, e de tantos outros, quando afirmou, em 1938, em “Contos e contistas” que: “Em verdade, será sempre conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto.” Esta sua dúvida fica ainda mais evidente nas primeiras linhas de seu primeiro conto “Vestida de Preto,” no livro “Contos Novos” diz ele – “Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade.” Em 1940, três anos depois de Mário de Andrade, H. E. Bates também afirmava que o “conto pode ser quase tudo”.
    Contistas famosos e exímios criadores nesta difìcil arte literária, muitos dos quais contemporâneos, são ainda: Clarice Lispéctor, com “Perto do Coração Selvagem”; ‘Laços de Família”; “Á Legião Estrangeira”; “Felicidade Clandestina”; Gastão Cruls, com “Coivara”; Graciliano Ramos, com “Insônias”; Murilo Rubião, com “O Pirotécnico Zacarias” e ” Teleco, o Coelhinho”; Lígia Fagundes Teles, com “Natal na Barca”; “Wander Pirolli, com “Festa,” Murie! Cardoso com “Salão Cristal” e “Canguçu”; Roberto Drumond, Duílio Gômes e Olavo Romano, estes últimos contistas mineiros da atualidade e uma infinidade de outros que, a se enumerá-Ios todos, ter-se-ia de criar aqui um verdadeiro catàlogo de celebridades!
    Para provar que a arte de contar está em permanente estado de transformação, influindo e sendo influenciada pelas mais diversas situações em que se vê envolvido o homem e sua maneira de viver (de pensar e de reagir diante dos acontecimentos que o cercam), ai está a Informática. Os computadores, invadindo todos os setores de nossas vidas, penetrando com grande desembaraço nossos lares, já vêm demonstrando o tipo de revolução que são capazes de fazer, também, no campo da literatura. A simplicidade de seu manuseio e as enormes vantagens que oferece a quem os utiliza já permitiram a criação do chamado “vídeo texto”. Valendo-se deste e de outros recursos da informática, o jornalista e escritor paulista, Renato Pompeu, lançou, ainda em 1982, o seu “Multi-Conto – Otávio Maria”, uma estória que é “acessada” por uma rede de computadores e que permite ao ‘leitor-espectador,” através do simples manuseio do teclado, obter opções de estórias, com cinco finais diferentes para cada uma delas!
    É a estória do “Você decide” implantado, como sendo uma nova revolução na arte de contar estórias…
    Cumpre-nos, portanto, como privilegiados espectadores, aguardar novas e formidáveis concepções do nosso amado, antigo e sempre renovado conto, esperando, contudo, que seja sempre no sentido do seu aperfeiçoamento!
    Estas foram algumas das considerações que me ocorreram acerca da estrutura do conto, que, no meu entender, continua a desafiar a argúcia e o poder de anàlise de quantos se aventuram em pesquisá-Io. Por isso mesmo, confiamos em que aqueles que debruçarem os olhos sobre este despretensioso trabalho, não só saibam ser condescendentes, como, também, possam encontrar motivo e estimulo para análise mais profunda do que se convencionou chamar de “conto”, concebido como literatura e arte!…

    (*) Presidente da Arcádia de Minas Gerais; Vice-presidente da SOBRAMES-MG (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores- Regional de Minas Gerais); Membro Titular e Orador da Academia Mineira de Medicina; Membro da Associação Médica de Minas Gerais; Membro Titular da American Cardio-Vascular Societe; Membro Titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Cardio-Vascular.