Psicoterapia: técnica, arte e clínica -Marco Aurélio Baggio – 2007

    Data de publicação: 06/03/2007

    Psicoterapia: técnica, arte e clínica
    Academia Mineira de Medicina

    Marco Aurélio Baggio

    É preciso desenredar-se da neurose pessoal. Igualmente, é necessário superar os pequenos e desnecessários empecilhos que o próprio paciente cria para se manietar.
    O objetivo do tratamento psicoterápico é tornar o paciente desempenado, de novo limpo, livre de peias, e preenchido de turgor. A psicoterapia faz com que se desabsolutize aquilo que ao cliente parece pronto e acabado.
    É necessário faze-lo desiludir-se de suas ilusões infantis. Pode-se até brincar com sua insegurança.
    Com o avanço do processo psicoterápico, vê-se o cliente desmisturar-se daquilo tudo que está aglutinado, condensado, em conglomerado. Assim pode desassustar-se dos fantasmas e dos temores imaginários que pululam em seu psiquismo. Com isso, injeta-se novas forças no pequeno Eu-self – centro e âmago da pessoa.
    Há uma franja de transição entre a psicanálise e a psicoterapia. Ambas, no entanto, procuram fazer aflorar as potencialidades positivas do ser. Para assim desenvolvê-las.
    Ambas as técnicas visam inibir as características perniciosas e malignas do ser. O que se quer é configurar a integralidade das prerrogativas da pessoa total.
    A psicoterapia procura recolher sobre a mesmidade do sujeito os amplos investimentos narcísicos e libidinais que fez, ao alienar-se nas demandas e nos mandatos do Outro.
    É preciso que o cliente saiba retirar-se de expectativas e de comportamentos antiquados e esgotados, para poder experimentar novos modos de conduta e outras novas relações convivenciais.
    O psiquiatra dotado de capacitação psicanalítica ou psicoterápica, possui cultura humanística: é versado em estética, literatura canônica, cultura geral, conhecimentos filosóficos e sapienciais que o capacitam a manejar um cabedal de conhecimentos adequados com elevada qualidade, para colocá-los a serviço de seu cliente.
    Sabe-se que o que atua terapêuticamente é a integral de participação da pessoa do psiquiatra, como ser bem configurado, participante e comprometido na inter-relação com a pessoa de seu cliente. O psiquiatra sabe de valores.
    Ele é o intermediário imprescindível na religação do ser humano a si mesmo. Isso permite com que o cliente consiga encarar a realidade tal como ela é. Sem máscaras, sem edulcorações, sem usar estratégias mentirosas, sem couraças ou camadas de gordura. Sabe-se que o homem adora auto-enganar-se. Adora maravilhar-se com idealidades, divindades, bobagens e empulhações “da hora”.
    Compete ao psiquiatra, tal qual cirurgião, intrometer-se entre as fáscias psíquicas, incidindo até tocar o núcleo nobre ínclito do verdadeiro eu mesmo – Self – do paciente. O eu mesmo – Self – é o núcleo óntico de mesmidade necessário para a pessoa tornar-se mais ela mesma. Esta vida está cheia de ocultos caminhos.
    Na metade da sessão, costuma ocorrer instantes mágicos, solares, magníficos. É quando transparece frestas, fímbrias, brechas, interstícios que permitem um trabalho de restauração artesanal de constituintes psíquicos.
    O ser humano está voltado ao devir, às potencialidades de seu futuro imediato. Posta-se na vida em prolepse. Viver é exercer o devir, o ainda-não-sido à sua pessoa.
    O otimismo está na prática bem exercida.
    A magna tarefa da psicoterapia é ensinar o cliente como desempatar os impasses e os conflitos de sua intrincada psiconeurose. Isso implica em desenvolver sua capacidade de fazer face as múltiplas e intermináveis exigências da vida: a realidade, com sua dureza; a conjuntura circunstancial, que muda a cada momento; o mercado, que oferece mais produtos do que propicia em meios e em ganhos de dinheiro. Estes são os verdadeiros tiranos que avassalam o cliente, por fora de seu Eu.
    Viver esgota o repertório de soluções do sujeito.
    Viver desgasta as reservas endógenas da pessoa.
    Viver é a principal causa da psicopatologia humana, uma vez que, a vida frequentemente, enegrece em contato com a realidade. É preciso estar atento e forte para evitar isso.
    A vida é real, concreta. É composta pela biologia do indivíduo, acrescida de sua dimensão psíquica, metida que está inexoravelmente nos negócios e nos comércios com o mundo externo. Comumente, vive-se com a falta de dinheiro.
    Viver é muito perigoso.
    O psicoterapeuta é psicopompo: é mensageiro condutor de alentos e de pessoas para sendas onde impera o bem viver. É paternagem: impede iniciativas auto-lesivas, auto- deletérias e, no possível, interdita más escolhas funestas. Os seres humanos, neuróticos e sociopatas possuem enorme tendência a se infelicitarem.
    O processo psicoterápico objetiva mover o complexo sistema vivencial/existencial do sujeito/cliente em direção ás suas melhores possibilidades futuras.
    Para isso é necessário tocar e religar o núcleo ôntico da mesmidade – o Self, o Eu – do sujeito.
    Deslindar conflitos, propiciando a superação inteligente e arguta dos mesmos, para obter um crescimento afetivo convivencial e humano.
    O alívio sintomático obtido por ampliação do escopo compreensivo da problemática conjuntural e existencial da pessoa é um ganho quase imediato, uma vez iniciada a psicoterapia.
    Assim também abrir-se para o devir em prolepse – dimensão futurível – coloca o cliente em estado de bem estar para consigo mesmo. Isso irá facilitar o cliente a vivenciar o ainda são-sido. Psicoterapia é obter escolta arguta em percurso vital de travessia.
    O psiquiatra psicanalista e psicoterapeuta é o promotor do crescimento humanizável de seu cliente. Isso por que a terapia visa ampliar a capacidade vivencial da pessoa. Intenciona atos, elege caminhos, escolhe destino, confeiçoa sua vontade rumo a espiritualidade laica e á transcendência possível.
    Por fim as práticas psicoterápicas no ultimo século permitiram a coleção de evidências que constituem as boas teorias sobre o desenvolvimento psicoafetivo do ser humano.

    Pequeno receituário

    1- Todos possuímos psicopredadores internos. O vazio, a angústia, o medo, o negror, a solidão, a inquietude, a ganância, a auto devoração, o ressentimento e a amargura são nossos principais devoradores internos.
    2- O superego não é complacente com as pessoas boas.
    3- A vida só fica boa você fazendo boas opções.
    4- Não existe terapia gratuita.
    5- Não existe cura espontânea.
    6- O sujeito só pode contar consigo mesmo e com seu psiquiatra.
    7- Psicoterapia visa transformar a miséria neurótica em miséria psíquica comum.
    8- Onde está o ID, o inconsciente endógeno, deve se tornar o Eu ativo e operativo. A formulação de Freud é:
    Wo Es War, soll ich Werden.
    9- A vida não tem sentido adredemente preparado.
    10- Viver é procurar dar sentido à vida, a cada dia, o tempo todo.
    11- Vive-se para sermos capazes de viver todas as linhas ainda não vividas do nosso ser.
    12- Aprender a viver bem é a terapia que interessa.
    13- Nosso psiquismo é uma máquina biológica que se alimenta de conteúdos bons e de futuro: é pra frente que se anda.
    14- O médico é ainda o remédio mais receitado.
    15- Sintomas podem ser respiradouros do psíquico.
    16- Rompeu-se a Antiga Aliança: Javé – povinho eleito -. Sabe-se hoje, indubitavelmente, que o homem está sozinho na imensidão indiferente do frio Universo, de onde emergiu por acaso no bojo da evolução a vida.
    17- O homem sem sonho e sem futuro é pássaro de asa quebrada.
    18- O que almeja o ser humano? Viver em harmonia com o ambiente, a fim de poder amar em paz e obter o bom respeito dos demais.