Osteoporose – “Só Tratar a Fratura não Basta” – Márcio Ibrahim de Carvalho – 2006

    Data de publicação: 07/11/2006

    “Só Tratar a Fratura não Basta”
    Márcio Ibrahim de Carvalho

    O termo osteoporose já era usado no século XIX na França e Alemanha,para descrever histologicamente o osso humano do idoso, a aparência porosa era enfatizada e considerada ocorrência normal até certo ponto,devida ao envelhecimento . A formação do esqueleto, seu crescimento, aumento de volume e resistência são simultâneos ao desenvolvimento do corpo humano. Juntos atingem a maturidade e em sincronismo perdem a vitalidade e resistência. Toda essa evolução segue um padrão estabelecido pela herança genética.
    Por outro lado, fatores externos, como alimentação adequada , hábitos de vida e, principalmente estímulos e solicitações mecânicas influenciam sua formação.
    A arquitetura do osso mesmo na idade adulta, é constantemente modelada e remodelada. Sua estrutura é composta de uma parte orgânica ,que representa 40% da sua massa e outra mineral que a reveste e completa os outros 60% do seu volume. As trabéculas de colágeno,entrelaçadas conferem resistência e flexibilidade, e o arcabouço mineral é o responsável pela rigidez.
    O reparo do desgaste causado na sua estrutura pelos danos e solicitações da vida diária, exige um processo de remodelação permanente. Essa revitalização renova anualmente cerca de 10% do esqueleto, ou seja, em tese, todo o tecido ósseo é refeito a cada dez anos.
    No adulto, 90% da massa óssea estão quiescentes e 10% em constante atividade para sua revitalização. Anualmente 5% do osso trabecular e 1% do cortical são remodelados .
    Na fase de crescimento, o balanço dessa renovação é positivo, equilibra-se na maturidade e, após os 40 anos, começa a ser negativo.
    Na faixa etária do balanço negativo, a parte destruída não é totalmente refeita e cerca de 1% de massa óssea é perdida anualmente. A seqüência dessa renovação negativa ao longo dos anos é responsável pela osteoporose primária. O advento da menopausa acelera essa reciclagem negativa sendo responsável pela perda de 5% do osso trabecular e 1% do osso cortical na chamada osteoporose pós-menopáusica. Na maioria das mulheres essa perda acelerada dura de cinco a 10 anos e espolia 25% do osso trabecular. Ao completar 65 anos as mulheres já atingiram o nível crítico de fragilidade óssea .Nos homens isso acontece 10 anos mais tarde e como vivem menos a incidência de osteoporose é muito menor.
    De acordo com a resolução da Conferência de Consenso em 1991, a Osteoporose deve ser definida como: “Doença caracterizada por diminuição da massa óssea mineral e deterioração da micro-arquitetura do tecido ósseo orgânico, levando a fragilidade mecânica e conseqüente predisposição a fraturas”.
    Como a herança desempenha papel importante no metabolismo ósseo, a anamnese deve começar pela investigação na família, especialmente a incidência de fraturas da coluna, rádio distal ou bacia. Nos mais velhos, a perda significativa de altura e cifose torácica são sinais de osteoporose vertebral. O peso corporal é um fator importante na nutrição do osso.Quanto mais leves e sedentárias forem as pessoas, tanto mais frágeis serão os seus ossos. A pele clara , os olhos azuis e o uso do tabaco são fatores predisponentes.
    Os sedentários, na juventude, e que não consumiram leite e derivados nessa época terão ossos menos resistentes. A avaliação da massa óssea tem sido realizada pela densitometria. Embora determine com precisão a concentração mineral do osso a sua resistência não é evidenciada, pois a matriz orgânica não é analisada. Apesar disso, ainda é o melhor método para classificar a osteoporose e acompanhar a sua evolução.Em 1994, a Organização Mundial de Saúde propôs para diagnóstico e orientação terapêutica da Osteoporose a sua classificação pela densitometria através do chamado T-score.

    Figura 1: Parâmetros da Organização Mundial de Saúde para Classificação da Osteoporose.
    O padrão de normalidade foi baseado na densidade mineral de mulheres brancas consideradas normais. De –1 a –2,5 classificadas com osteopênicas e abaixo de –2,5 como osteoporóticas. No caso de terem sofrido fraturas, serão rebaixadas um grau.
    A massa óssea pode ser medida também por outros métodos como o ultra-som quantitativo, que propõe avaliar melhor a resistência óssea porque analisa também a matriz óssea e a organização das trabéculas. Tem a vantagem do baixo custo e de não emitir Raios X. Por dificuldades técnica, por enquanto, só é usado nas extremidades distais – como no calcâneo.
    A Tomografia Computadorizada de alta resolução avalia o compartimento das trabéculas, portanto obtém toda a densidade volumétrica; mas a grande emissão de raios X e o custo elevado são fatores limitantes.
    A Ressonância Magnética, embora evidencie as trabéculas ósseas, por razões técnicas e com custo ainda mais elevado, não é empregada na prática diária.
    A partir dos 40 anos em ritmo mais ou menos lento ,o tecido ósseo evolui progressiva e inapelavelmente para a fragilidade mecânica e conseqüente predisposição a fraturas.Quanto maior for a idade, tanto mais fraco será o osso, se vivermos mais, todos nós teremos osteoporose. Entretanto alguns fatores podem ser influenciados por nós: sedentarismo, pouco peso, uso de fumo , álcool em excesso,hábitos alimentares, etc.
    Após os 50 anos uma em cada duas mulheres será vítima de fratura por fragilidade óssea.Nos homens a incidência é menor um em cada quatro. Uma em cada cinco fraturadas falece no primeiro ano após a fratura e um em cada três homens também irão a óbito por complicações dessa fratura. Isso faz a mortalidade dessas fraturas ser maior que a do câncer de mama nas mulheres ou do câncer de próstata nos homens. Isso faz ser mais importante procurar prevenir-las, desde que se consegue evitar a metade delas, e a prevenção da osteoporose além de elaborada proporciona resultados menos gratificantes.
    Tanto a resistência dos ossos como a perda de agilidade, que facilita as quedas, são conseqüências inexoráveis do envelhecimento. Iniciar o tratamento, ou melhor, a prevenção da osteoporose enquanto ainda for possível aumentar a massa óssea e desenvolver agilidade é a melhor conduta. Sabemos que o seu desenvolvimento será resultado de atividade física vigorosa associada ao suprimento adequado de proteínas e cálcio e que isso só acontece até os 25-30 anos. A massa óssea dos jovens atletas é consideravelmente mais elevada que a dos sedentários.Estudos realizados em ex-atletas idosos mostraram que o ganho em massa óssea obtido na juventude persiste até após os 60 anos.
    A importância das solicitações mecânicas na formação de osso é demonstrada de modo evidente nos portadores de paralisia em uma das pernas; a massa óssea no membro sadio é normal ou acima da média e a fragilidade é patente no lado lesado.
    Assim, os exercícios físicos, a ingestão de leite e seus derivados pelas crianças e especialmente pelos adolescentes em estirão de crescimento devem ser estimulados e se necessário a dieta complementada , para fornecer1.500 mg de Ca diariamente. Caso não se consiga essa quantidade—cálcio em doses de 500 mg deve ser administrado. É sabido que o íon Ca, para transpor a membrana celular do intestino necessita ser transportado pela vitamina D³. Em nosso meio, a luz solar abundante torna a sua administração menos importante, mas sua função não deve ser esquecida.
    Repetimos, o objetivo primordial no tratamento da osteoporose é a prevenção das fraturas.Como 90% das fraturas são provenientes de quedas, a parte fundamental no tratamento das fraturas é evitar cair.
    30% das mulheres idosas caem pelo menos uma vez ao ano. Nas que vivem em instituições, esse índice chega a 40-50%.
    Após os 75 anos o numero de quedas é maior . A presença de deficiências de controle neuro-muscular, músculos enfraquecidos, redução da acuidade visual, reflexos retardados, inclusive pelo uso de medicamentos, predispõem ainda mais para as quedas.
    Todos os fatores favorecedores de queda devem ser investigados e corrigidos na medida do possível.
    Exercícios para melhorar a força muscular, o equilíbrio e a propriosensitividade devem ser instituídos. Treino de marcha, dança, tai chi tchuan devem ser incrementados. Sapatos firmes – chinelos devem ser evitados. Tapetes soltos devem ser removidos, degraus dentro de casa precisam ser evitados, — desníveis de mais de dois centímetros já representam obstáculos. A iluminação deve ser satisfatória, sensores de presença para iluminação ao movimento devem ser instalados. Lâmpadas piloto acesas durante toda à noite nos pontos críticos desempenham papel importante na prevenção de quedas. Bengalas ou mesmo andadores devem ser recomendados quando a marcha for insegura. Suportes em alça instalados no chuveiro e banheiro são de grande ajuda.
    Os cuidados para impedir as quedas devem ser tão ou mais importantes que o empenho em melhorar a massa óssea.
    A alimentação desempenha papel fundamental, nessa faixa etária quando a deficiência protéica é freqüente. A ingestão diária de 1.500 mg de Ca é imprescindível do mesmo modo que na adolescência e para sua absorção a vitamina D3 é fundamental. Recomenda-se citrato de cálcio à noite por ser mais bem absorvido.
    Os estrogênios arrefecem a reciclagem negativa por bloqueio dos osteoclastos e possivelmente estimulam os osteoblastos; estão indicados quando houver insuficiência hormonal. Ultimamente as restrições ao seu emprego foram exaltadas e sua prescrição deve ser bem explicada e discutida com a paciente.
    Os “bifosfonados” também têm efeito na redução da intensidade dos ciclos de reabsorção -formação, resultando em melhoria relativa da massa óssea por inibição dos osteoclastos. Têm uma meia vida de 10 anos no ser humano. Vários têm sido usados. O etidronato é o menos potente. O Pamidronato é usado por via endovenosa em hipercalcemia de metástases e doença de Paget. O alendronato de sódio na dose de 70 mg por semana é o mais usado na osteoporose. Sua absorção é precária e é altamente lesivo para o esôfago. Para facilitar a absorção, deve ser ingerido em jejum com ½ copo com água.Após a ingestão, o paciente deverá permanecer sem se alimentar por 30 minutos e, durante esse período, permanecer em ortostatismo para evitar o refluxo. O ibamdronato,com ação semelhante, 150 mg, é administrado de mês em mês, observando-se os mesmos cuidados o que facilita a continuação do tratamento por período mais prolongado.O ácido Zolendrônico de uso endovenoso uma ou duas vezes ao ano tem indicação seletiva.
    A calcitonina também estimula os osteoblastos e está indicada especialmente nas fraturas vertebrais onde o seu efeito analgésico é melhor que o do alendronato de sódio.
    Fluoreto de sódio já foi muito usado, seu emprego realmente melhora a imagem radiográfica da mineralização, mas sem correlação com a redução das fraturas. O ranelato de Strontium tem demonstrado capacidade de reduzir a ação dos osteoclastos e estimular a osteogênese, mas ainda não é usado rotineiramente.

    A “Teriparatida”, derivada do hormônio da paratireóide, administrada subcutaneamente diariamente por período prolongado de um a dois anos, é o único recurso disponível para real ganho da massa óssea.
    Como é sabido o hiperparatiroidismo causa osteoporose intensa. Doses muito pequenas (2 mcg) têm o efeito de causar apoptose de osteócitos, estimulando o aparecimento dos osteoclastos. O uso intermitente permite a afluxo de células mesenquimais que evoluem para osteoblastos pelo estímulo fisiológico dos próprios osteoclastos.Pelo mecanismo do ciclo de Frost osso novo é formado. É um medicamento caro e deve ser reservado para os casos selecionados.
    Uma vez acontecida à primeira fratura por trauma mínimo, qualquer que seja a categorização da osteoporose pela classificação “Z score” a gradação deverá ser ignorada e diagnosticado osteoporose. Essa primeira fratura por fragilidade óssea será inapelavelmente acompanhada por outras. É o mais importante indicador sentinela da osteoporose. Geralmente a extremidade distal do rádio ou proximal do úmero são também fraturas precursoras, sendo acompanhadas pelas da coluna, freqüentemente na região torácica e, finalmente, pelas da bacia, ísquio, púbis e do fêmur proximal – intertrocanteriana ou do colo ,estas duas constituem o maior problema resultante da fragilidade óssea do idoso.
    O enfraquecimento da estrutura trabecular do corpo vertebral leva a microfraturas com traumatismo insignificante, causando ou não colapso do corpo vertebral. A cifose progressiva, a chamada “corcunda de viúva” e perda de altura são sinais indicativos de osteoporose . A calcitonina alivia consideravelmente a dor nessas fraturas. O uso de coletes para imobilização e impedir o progresso da deformidade está indicado. Em casos de colapso intenso com esmagamento e sintomatologia importante a vertebroplastia com injeção de cimento ósseo, (Polimetilmetacrilato PMMA), diretamente no foco ou através do pedículo vertebral pode ser realizada. Com esse recurso consegue-se imobilização com alivio da dor.
    As fraturas proximais do fêmur exigem sempre fixação interna ou substituição protética para permitir a mobilização precoce. Para melhorar a fixação do metal no osso, metametacrilato pode ser introduzido no trajeto dos pinos e parafusos. O fundamental é permitir a movimentação precoce para evitar as três complicações sérias e freqüentes: pneumonia, tromboembolismo e infecções das vias urinárias. Apesar de cuidados especializados, mesmo nos melhores centros mundiais, a incidência de mortalidade gira em torno de 20% nos primeiros seis meses após a fratura.
    Um paciente com 80, 90 ou mesmo 100 anos é quase sempre portador de outras patologias. A presença de 3 ou mais patologias aumenta em progressão a morbidade da fratura. Nos homens as complicações e mortalidade são maiores que nas mulheres
    Conclusões:
    1) A Osteoporose sem fratura é assintomática. A meta é pois, evitar as fraturas.
    2) A massa óssea é constituída na adolescência. Assim, exercícios vigorosos e alimentação sadia rica em cálcio, são fundamentais nessa época. O reforço da estrutura óssea obtido retarda a instalação da osteoporose.
    3) As mulheres nos grupos de risco devem ser alertadas pelos médicos dessa situação em todas as oportunidades.
    4) A ocorrência de fratura do rádio, úmero ou tornozelo, exige investigação de massa óssea e instituição de tratamento.

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    1- Márcio Ibrahim de Carvalho , Professor Doutor em Ortopedia UFMG, Diretor de Produção Técnica e Científica, Fundação Felice Rosso, (Hosp. Felício Rocho) Belo Horizonte.
    Coordenador Serviço de Ortopedia Hospital Mater Dei. B