Eutanásia – Editorial dos Anais da AMM – 1998

    Data de publicação: 01/12/1998

    EDITORIAL: EUTANÁSIA

    Eutanásia significa morte digna, sem dor e em paz. É, na realidade, a esperança de todo ser humano. Essa questão foi suscitada por Bacon no século XVII e ainda preocupa a classe médica. Octaviano de Almeida a considera como um problema que envolve ao máximo a responsabilidade do médico. Muitas vezes o médico enfrenta situações angustiosas perante pacientes em estado terminal e mantidos vivos por medidas denominadas de “suporte”. Desligar os aparelhos levaria à morte. Teria o médico o direito de tomar essa decisão? Manter os aparelhos ligados significaria a continuidade de uma vida vegetativa. Essa decisão seria a acertada? Na primeira situação, se mandar desligar os aparelhos, correrá o risco de ser acusado de homicídio ou descuido. Na outra, deixando o paciente em vida vegetativa, poderá ser visto como interessado em aumentar seus honorários.
    Solução mais difícil ocorre com os doentes lúcidos, que não aceitam as dores de sua moléstia terminal. Procuram desesperadamente por um fim aos seus sofrimentos, implorando uma morte sem dor. Outros aceitam a sua doença e procuram ajuda espiritual ou psicológica para alívio de seus sintomas.
    Na realidade, temos que admitir que o paciente lúcido tenha o direito de viver ou optar pela morte. E é muito difícil encontrar motivos suficientes para persuadir estes últimos a continuarem vivendo.
    Octaviano de Almeida, ao paraninfar os médicos de 1929, falando acerca da eutanásia “considera assassino, indiferentemente, o que apunhala, o que faz descer o cutelo da guilhotina, o que manda ligar e o que liga o comutador de uma cadeira elétrica ou o que propina a injeção de alcalóide portador da morte sem sofrimentos”.
    Os contrários à eutanásia citam incontáveis casos de erros de diagnóstico e de prognóstico, que teriam levado à sua prática. Além dos erros de diagnóstico, segundo Forgue, devemos levar em consideração os contínuos progressos da medicina e principalmente da cirurgia, que transformam os incuráveis de hoje nos curáveis de amanhã. É indiscutível que o primeiro dever do médico é curar seu doente; aliviar-lhe as dores físicas ou morais e prolongar-lhe a vida, um instante que seja, se isso lhe for possível.
    É evidente que a eutanásia é uma questão social com um conteúdo moral alto e, da mesma forma que o aborto, está ligada à vida humana. O aborto envolve a questão referente à “quando começa a vida humana” e a eutanásia a “quando termina a vida humana”. É uma questão social muito importante, por atingir a importância da família na sociedade. É também um problema moral, pelas controvérsias sobre a natureza e controle da morte. É um problema legal, pois deve ser levada em consideração uma pessoa que está morrendo e a formação intelectual e moral do medico assistentes. E, finalmente, é um problema médico em virtude do fato de ser o profissional responsável pelo tratamento do paciente e, por outro lado, por ser a pessoa chamada para a aplicação das injeções letais.
    “A decisão de quando um paciente deve ser ajudado a morrer, reside num plano de julgamento mais alto do que a determinação em leis e regras, e depende de cada médico em decidir por si mesmo, até onde ele pode ajudar seu paciente, sem transgredir a lei”.
    “Decisões sobre a vida e morte devem ser feitas por um determinado médico sobre um ser humano em particular onde ambos perderam as esperanças na medicina, na esperança de que seu julgamento e posterior ação sejam a melhor solução”.
    A medicina moderna se desenvolveu notavelmente em todos os seus setores, modificando sensivelmente as técnicas de diagnóstico e tratamento das moléstias. Prolongou a vida e melhorou a saúde em geral. Consegue manter um coração pulsando e um pulmão ventilando por tempo quase indefinido, para ter um corpo com as funções básicas, mas sem consciência. Os marca-passos cardíacos e as máquinas respiratórias fazem esse serviço, por tempo indeterminado. Depois de certo tempo a inconsciência permanente levará a uma existência dolorosa e psicologicamente impossível. Chegará uma hora em que nada mais poderá ser feito, a não ser o desligamento das máquinas e o médico aceitar, com humildade, os limites da medicina.
    Mas quem tomará a decisão? Quanto à parte da vida, evidentemente deverá o médico consultar o paciente ou sua família, após inteirar-se da opinião de outros especialistas.

    Acadêmico Fernando Araújo, Presidente da AMM (1998).