Esquistossomose Mansoni – Aluísio Rosa Prata – 1999

    ESQUISTOSSOMOSE MANSONI

    Aluízio Rosa Prata

    Resumo do Trabalho Científico apresentado pelo candidato à cadeira nº. 87 da Academia Mineira de Medicina, em 18/05/1999.

    Histórico
    Acredita-se que o Schistosoma mansoni na América foi trazido da África, com o trafego dos escravos. Na América ele se fixou no Caribe, Venezuela, Suriname e Brasil.

    Distribuição Geográfica e Prevalência
    O Brasil constitui uma das mais importantes zonas de distribuição da esquistossomose no mundo, não somente pelo número de doentes, mas ainda pela gravidade apresentada por alguns deles. A doença foi inicialmente assinalada na Bahia, em 1908. Até meados do século disseminou-se pelo nordeste e leste do Brasil até uma distância de cerca de 500 quilômetros do Oceano Atlântico. Embora sem a mesma importância, a área da esquistossomose tem-se expandido para o norte, oeste e sul do país, geralmente sob a forma de focos isolados. Na região amazônica, que compreende cerca de 2/3 do país, excetuando-se alguns focos no Pará e no Maranhão, não existe esquistossomose.
    Baseado em um inquérito coprológico nacional em escolares, feito em 1960, calculou-se que na época havia no país cerca de 6 milhões de indivíduos infectados pelo S. Mansoni. Atualmente é difícil saber o número de infectados. Os exames de fezes são feitos somente em áreas selecionadas, como parte do programa de controle, visando a busca ativa em áreas sob vigilância. No inicio do Programa de Controle, calculou-se que a população em risco era de 14 milhões e que 8 milhões seriam tratados. Além do Programa Especial de Controle da Esquistossomose (PECE), realizado pelo Governo, muitas pessoas tomaram a medicação por conta própria e houve migração acentuada das zonas rurais, onde se adquire a doença para as cidades. Concomitantemente houve acentuado decréscimo no número de pacientes com as formas mais graves da doença. A taxa de mortalidade por esquistossomose decresceu no Brasil de 0,67 por 100.000 habitantes em 1977 a 0,39 em 1995. Também a taxa de internação nos hospitais devido à esquistossomose vem decrescendo após 1988.

    Outras Considerações Epidemiológicas
    Muitos fatores podem condicionar o aparecimento e a manutenção da parasitose em uma área, relacionados às espécies vetoras, condições ambientais e hábitos de vida dos habitantes.

    Fatores Relacionados aos Caramujos e Cercárias
    Evidentemente, a esquistossomose se disseminou somente nas áreas em que havia hospedeiros intermediários suscetíveis. E estes não se encontram uniformemente distribuídos em todo o país. E uns demonstraram ser melhores transmissores do que outros. O bom vector é mais suscetível à infecção e mais bem adaptado a ela, o que se comprova pela ausência de reação tecidual ao miracidio, maior sobrevida do caramujo infectado e maior eliminação de cercárias. No Brasil o melhor transmissor da esquistossomose é a Biomphalaria glabrata. Todavia, um molusco considerado no laboratório e no campo, como hospedeiro secundário, é capaz de manter elevada prevalência da parasitose em certas localidades. É o que acontece com a Biomphalaria straminea no nordeste brasileiro. Além disto, é possível haver adaptação fisiológica entre o molusco e a cepa local do parasita, conforme demonstrado por Paraense e Correa em relação ao outro vector secundário, a Biomphalaria Tenagophila, que também transmite a esquistossomose no Brasil. Deve-se mencionar que a suscetibilidade dos caramujos à infecção não é somente de caráter especifico, mas existem variações intra-especifica, conforme demonstrado em relação à Biomphalaria glabrata, em Salvador, Bahia.
    Os moluscos preferem as valas e remansos dos córregos, onde a água é pouca e parada. Quase sempre estão ausentes onde há correnteza, ondas e enchentes. Vivem onde há plantas – principalmente de certas espécies – ou lama com substâncias orgânicas. Contudo, havendo quantidade insuficiente de algas unicelulares adaptam-se aos reservatórios de pedra ou cimento. Eles requerem material orgânico para sua alimentação, mas a poluição abundante dos criadouros lhes é prejudicial. A acidez e a alta salinidade lhes são maléficas. As estações e as mudanças de clima exercem profundo efeito sobre sua vida. Nos períodos estivais, os caramujos podem resistir à dissecação por vários meses e isso explica a possibilidade de serem transportados a distância por mamíferos ou aves. Chuvas, níveis de água, grau de umidade atmosférica e temperatura são fatores que condicionam a multiplicação das populações de caramujos. Os moluscos podem sofrer drásticas diminuições de número, mas é característica a rapidez com que os sobreviventes reprovam o habitat. Tal fato é uma das grandes dificuldades para se combate-los.
    A maturidade sexual dos caramujos é alcançada em torno de 40 dias. Eles duram aproximadamente um ano. O índice de infecção natural dos moluscos pelas cercárias de S. Mansoni, geralmente é menor do que 1%, e sofre variações estacionais.
    Em condições de laboratório algumas cercárias podem permanecer infectantes por dois a três dias, mas no campo, na presença de inimigos naturais, as cercárias são destruídas em poucas horas ou minutos. Pela imersão de camundongos de 3 em 3 horas, em valas de irrigação, em Caatinga do Moura (Brasil) verificamos que o maior número de vermes foram recuperados nos animais expostos a infecção às 15 horas e que pode haver um pequeno pico de eliminação no início da madrugada e que os animais, embora discretamente, podem se infectar a qualquer hora. As cercárias podem ser encontradas a grande distância dos caramujos, no meio de um rio ou em águas bombeadas.
    A penetração das cercárias se dá em cerca de 15 minutos e ocorre em pele íntegra ou mucosas.

    Condições Ambientais
    Os riachos com fundo arenoso e pouca corredeira, as valas de irrigação, as pequenas represas, os poços, os alagadiços, enfim as pequenas coleções de água parada são os locais mais propícios para se adquirir à esquistossomose. Como acontece também em outras partes do mundo, as áreas de irrigação constituem locais ideais para a transmissão da esquistossomose. No Brasil, nos grandes rios, onde há água em abundância e não há irrigação, a esquistossomose não tem maior significação. A doença não se disseminou nas margens dos grandes rios da bacia amazônica e do Paraná.
    Alguns grandes lagos da África, como Vitória, Alto Volta, Kariba, Nasses e outros, naturais ou artificiais, têm sido mencionados como focos de esquistossomose. Ao contrário, no Brasil, embora se possa adquirir esquistossomose em lagos, como ocorre na Pampulha, em Belo Horizonte, até agora represas, como Itaipu não têm sido relacionadas como focos importantes de esquistossomose. Mesmo quando construídas em áreas endêmicas, como Furnas, Três Maria e Paulo Afonso. Provavelmente por servirem somente como fontes de energia elétrica e não atraírem pessoas para suas margens.
    De modo geral, as coleções de água existem nas proximidades de habitações em áreas rurais ou pequenas povoações, são leve ou moderadamente poluídas por substâncias orgânicas ou fezes humanas e por isso são ótimos criadouros de caramujos. São os chamados focos peri-domiciliares, mencionados por Pessoa, muito importantes na transmissão da esquistossomose.

    Hábitos de Vida dos Habitantes
    O contato com a água infestada por cercárias é quase obrigatório em algumas regiões, por motivo de trabalho, higiene ou distração, por não haver outra fonte de abastecimento de água, nem estação de purificação da mesma. Também os excretas são depositados in natura. Ocorre o fato de que a maioria das pessoas não sabe o modo de propagação da esquistossomose ou como evitá-la. Os focos péri-domiciliares são locais preferidos pelos jovens em seus folguedos. Nas áreas endêmicas, geralmente o contato com águas infestadas por cercárias se inicia logo após o nascimento.
    Assim, não há dúvida de que a esquistossomose seja fruto da pobreza e da ignorância. Mas, em outras circunstâncias, também o progresso e o desenvolvimento podem, até certo ponto, agravá-la, como ocorre certos programas de irrigação e de piscicultura.

    Reservatórios
    No Brasil já foram encontrados naturalmente infectados dez espécies pertencentes à Ordem Rodentia, em Marsupialia, em carnívoros silvestres e em ruminantes. Alguns animais, mesmo contendo centenas de vermes, não eliminam ovos do parasita. Mas, em outros os ovos podem ser encontrados nas fezes, até em quantidade superior a 100 ovos por grama. Também se conseguem, em condições semi-naturais, a manutenção do ciclo do S.mansoni entre Nectomys squamipes ou Holochilus brasiliensis e Biomphalaria glabrata. Todavia, os animais estão sempre nas vizinhanças das habitações humanas e ainda não há prova conclusiva de sua importância epidemiológica no Brasil ainda não se encontrou nenhum foco mantido sem a suposta participação do homem, conforme Nelson já descreveu na África, Modena e cols especulam que em certas áreas os bovinos poderiam vir a desempenhar um papel secundário na manutenção e propagação da esquistossomose, com possível adaptação seletiva do S. Mansoni ao gado bovino.

    Infecção e Re-Infecções pelo Schistosoma Mansoni
    Muitos indivíduos, jovens ou adultos, adquirem a esquistossomose quando mantêm esporádico contato com águas naturais infestadas por cercárias. Os moradores em áreas endêmicas às vezes vivem em constante contato com os focos de infecção. Em muitas áreas endêmicas de esquistossomose, o contato com as cercárias se inicia logo após o nascimento. E a quantidade de jovens eliminando ovos de S.mansoni em um único exame de fezes aumenta progressivamente até a idade de 10-15 anos. Aos três anos de idade a terça parte das crianças de Caatinga do Moura já eliminava ovos de S.mansoni , aos cinco anos a metade e aos sete anos 81%.
    A infecção é geralmente com poucos vermes. Baseado nos cálculos de Cheever, de que, na ausência de hipertensão porta, 16 ovos por grama de fezes, correspondem a um par de vermes, em 36 crianças de Caatinga do Moura(Brasil), com 1-3 anos de idade, a infecção inicial foi, exceto um caso, no máximo, com 15 casais de vermes (Tabela1).

    Tabela 1 – Número de pares de vermes na infecção inicial de 36 crianças, com idade entre 1-3 anos, Caatinga do Moura(Brasil)

    Pares de vermes Crianças
    1 13
    3 8
    4 5
    6 4
    7 1
    9 2
    13 1
    15 1
    72 1

    Em 28 destas mesmas crianças que, 5-6 anos após, repetiram os exames de fezes, verificamos que o número de vermes de 15 pares somente em 8, de 15-30 pares em 13 e acima de 30 em 7 a quantidade dos vermes vai aumentando progressivamente até a idade entre 10 e 14 anos, para em seguida diminuir. Isto foi bem demonstrado pelo menos para os indivíduos com hipertensão porta em que os mesmos foram removidos cirurgicamente (tabela 2). Como jovens com idade entre 15 e 19 anos continuam freqüentando os focos de transmissão com a mesma assiduidade do que os de idade entre 10 e 14 anos, a diminuição da carga parasitária tem sido interpretada como conseqüência do aumento lento e progressivo da resistência à infecção, que faz com que os vermes que vão morrendo não possam ser substituídos por novos na mesma proporção.

    Tabela 2 – S. mansoni removidos através de filtração extracorpórea de sangue portal em homem.
    Grupo etário
    (anos) Paciente
    (nº) Vermes removidos por pacientes
    (média) (mediana)
    5-9 7 1029 673
    10-14 28 1219 1127
    15-19 21 716 518
    20-24 25 539 451
    25-29 19 677 342
    30-34 10 753 549
    35-39 12 409 304
    40-44 8 408 140
    45-49 5 584 592
    >50 1
    O estudo longitudinal de longa duração da mesma população de Caatinga do Moura mostrou que todos os indivíduos em alguma época de sua vida eliminaram ovos de S.mansoni pelas fezes ou apresentaram intradermoreação positiva.estudos evolutivos com menor duração têm mostrado que alguns indivíduos , mesmo na ausência de tratamento específico, podem ter muitos exames de fezes negativos, mesmo quando expostos ao contato com focos onde há transmissão da esquistossomose. Tais pacientes diferem imunologicamente dos infectados pelo S.mansoni, por apresentarem strong cellular and humoral responses contra certos antígenos esquistossomóticos e ausência de circulanting schistosomal antigens.
    Outro tipo de re-infecção que tem motivado estudos especiais é a que ocorre após tratamento específico nas áreas endêmicas, onde os indivíduos permanecem em contato com as águas infestadas por cercárias.
    As re-infecções após o tratamento específico nas áreas endêmicas ocorrem com mais freqüência e intensidade nos indivíduos mais jovens e nos que mantêm mais contato com os focos de infecção. O fato de que após o tratamento, a) alguns indivíduos não se reinfestarem. – b) quando o fazem a carga parasitária nunca tão elevada como antes do tratamento. c) o pico da curva de prevalência da infecção e do número de ovos nas fezes a ser atingido em grupos etários mais jovens e d) não desenvolverem hepatoesplenomegalia são fatos que sugerem que o tratamento aumenta a resistência à re-infecção.
    Estudos têm sido feitos tentando identificar características imunológicas que distinga os indivíduos com alta suscetibilidade dos resistentes à re-infecção. Assim, verificou-se que nos resistentes as respostas aos antígenos anti-ovo declinaram mais após o tratamento do que nos suscetíveis e os resistentes demonstram maior reatividade ao antígeno 37 – kDa da superfície do esquistossomose.
    A maior suscetibilidade à re-infecção dos jovens estaria relacionadas a anticorpos bloqueadores da imunidade protetora. Os indivíduos resistentes tem maiores níveis de IgE contra antígenos dos vermes adultos ou larvários, enquanto níveis de IgG2 e IgG4 estão mais elevados nos indivíduos mais suscetíveis às re-infecções. Alguns autores acreditam que uma alta intensidade da infecção antes do tratamento é um fator que prediz maior re-infecção. Tal fato está de acordo com os trabalhos de Abel e cols que, através de análise de segregação na população de Caatinga do Moura, mostraram ser a resistência às re-infecções determinadas, em larga extensão, pelo efeitos de um gene maior condominante. Posteriormente referido como SMI e mapeado, na mesma população, e também no Sudão por análise de ligação cromossomo humano 5q31-q33, na região genética que contém vários genes codificando moléculas que controla a diferenciação do linfócito T. Isto, junto com as observações que a resistência é regulada por linfocinas características de sub-populações de linfócitos T auxiliares (Th)2 e que homozigotos resistentes mostram uma resposta Th0/1, sugere fortemente que as diferenças nas suscetibilidade humana à esquistossomose são influenciadas por polimorfismos de um gene que a diferenciação de sub-população de linfócito T. Neste sentido, e na mesma população humana de Caatinga de Moura, uma análise de segregação mostrou que os níveis de interleucina (IL) – 5 estão, também, sob controle de um major gene, levando a possibilidade de que IL – 5 possa desempenhar um papel crítico na resistência, o que estaria de acordo com seu forte efeito positivo na multiplicação, diferenciação e ativação dos eosinófilos, importantes na destruição de helmintos e na síntese de IgA, a qual se pensa, também, estar envolvida na proteção contra os esquistossomas .
    Outros estudos imunológicos no homem têm mostrado o papel dos eosinófilos e dos monócitos na destruição das lavras e a importância das citocinas na acentuação destas funções e também na compreensão da vulnerabilidade dos esquistossomulos nos diferentes dias que se seguem à infecção. Os contatos com os focos de infecção, a idade (ou melhor a duração de exposição) e os efeitos do major gene representam mais de 65% da variação das intensidades de infecção no estudo de Caatinga do Moura study.

    Fase Inicial ou Esquistossomose Aguda

    Condições Gerais
    É o período que se inicia com a penetração das cercárias e termina com o desaparecimento da sintomatologia. Ela é chamada também fase aguda ou toxêmica. Esta última designação deveria ser reservada para as formas severas de esquistossomose aguda, no sentido em que foi cunhada por Fairley. A fase aguda da esquistossomose foi descrita pela primeira vez por Lambert em pacientes infectados no yangste.
    Os esquistossômulos são encontrados nos pulmões já no quarto dia após a infecção e no fígado no Nonô dia. Os vermes iniciam o acasalamento no 27º dia e a postura no trigésimo, com aparecimento de ovos nas fezes a partir do 40º dia. Neves divide a fase aguda em invasão cercariana, pré-postural e postural.
    A observação de recém-nascidos em áreas endêmicas nos permitiu concluir que a fase inicial da esquistossomose se apresenta sob duas formas, dependendo da idade e condições em que ocorrem os primeiros contatos com os focos de infecção.
    Contato Permanente com os Focos de Infecção
    Os autores nacionais e estrangeiros não relatam casos de esquistossomose aguda em moradores das áreas endêmicas que, desde o nascimento, vivem em contato com os focos de infecção. A justificativa seria que os doentes por viver em áreas remotas, não procuram os médicos e estes por descuido não identificam a fase aguda da doença. Na verdade o que ocorre é que a fase inicial da esquistossomose nos filhos dos habitantes das áreas hiper endêmicas, que vivem em contato com os focos de infecção, transcorre silenciosamente, e por isso não é reconhecida. Ao exame físico não há aumento do fígado e nem esplenomegalia. A intradermoreação com antígenos de verme adulto está positiva em 50% dos casos. A eosinofilia é discreta, em 78% dos casos inferiores a 10% dos leucócitos e nem sempre se pode atribui-la à esquistossomose. Nos meses seguintes ao aparecimento dos ovos nas fezes, alguns doentes podem apresentar maior freqüência de diarréia, aumento de volume do fígado e do número de eosinófilos no sangue.

    Contato Esporádico com os Focos de Infecção
    Os doentes com esquistossomose aguda geralmente são jovens, do sexo masculino, moradores em áreas endêmicas, mas não na proximidade dos focos de infecção, ou visitantes que mantêm contato esporádico com as fontes de infecção. Habitualmente tem bom nível sócio-econômico. Adquirem a doença quando vão a passeio e se banham em lagoas, poços ou piscinas contaminadas por cercárias. Freqüentemente estão em grupo, por ocasião de excursões ou em períodos de férias. Outro grupo de risco são os militares, que em guerra ou manobras militares entram em contato com águas infestadas por cercárias.
    Manifestações clínicas – Após a penetração das cercárias, pode haver prurido, com duração de até duas horas, seguido de urticária ou exantema pápulo-eritematoso. Muitos pacientes não mencionam prurido ou o refere de modo discreto e passageiro. Neves refere ter tido 13 (10%) pacientes com graves manifestações cutâneas imediatas, sendo que em 2 a duração foi de 7 a 10 dias, respectivamente. Em 3 casos houve correlação estreita entre a intensidade da infecção e a gravidade das manifestações cutâneas, confirmadas por necropsia. Em 3 outros pacientes infectados na mesma oportunidade e em idênticas circunstâncias as reações foram graves em 2 e desprezíveis em 1 deles, apesar da necropsia revelar intensa carga parasitária. A presença da dermatose não constitui indicio de instalação da forma aguda e nem sua ausência afasta a possibilidade da instalação desta. Em áreas endêmicas, independente da fase aguda, é freqüente a referência ao prurido em contato com a água e o alivio imediato quando os focos de infecção são tratados com niclosamina para exterminar os caramujos. Há evidências de que o prurido e outras manifestações cutâneas são mais freqüentes e intensas nos indivíduos sensibilizados.
    O período de incubação quase sempre se situa em torno de um a dois meses e geralmente é assintomático, embora, em alguns pacientes, haja pródromos como astenia, cefaléia, anorexia, tosse, sudorese, mal-estar e náuseas. Neves, Raso e Bogliolo referem que em 2 (1,7%) pacientes a sintomatologia surgiu quando ainda havia dermatite cercariana e em 4 (3,3%) entre 14 e 21 dias.
    O inicio da sintomatologia é, em geral, abrupto, com febre, muitas vezes acompanhada de cefaléia, calafrios, sudorese, astenia, anorexia, mialgias, tosse e diarréia. A temperatura amiúde atinge 39ºC, não sendo continua; com freqüência baixa a menos de 37ºC, durante alguns dias, principalmente pelas manhãs. Sua duração é longa, muitas vezes ultrapassando um mês, e, não raro, dois, desaparecendo por lise. A duração da febre é bom indicio na limitação da fase aguda da esquistossomose. Ocasionalmente, a febre é acompanhada de delírio. Os calafrios e a sudorese são constantes e repetidos, e a intensidade da última desperta a atenção. A tosse se acompanha de espasmo brônquico, podendo haver crises asmáticas e áreas de broncopneumonia. Náuseas e vômitos são comuns. Ocorre diarréia e, não raro, disenteria, muitas vezes prolongada e com sensação de desconforto epigástrico, dores abdominais e distensão do abdome. A freqüência destas manifestações e sua intensidade variam grandemente. Diaz-Rivera e cols encontraram em todos os seus 12 doentes com esquistossomose aguda, calafrios, febre, diarréia, dor abdominal, tosse, mialgias, astenia, diaforese, linfadenopatia, hepatomegalia, prostação e em quase todos perda de peso, anorexia, tenesmo, náuseas e vômitos, e outros com cefaléia, edema das pálpebras, dermatite inicial, diarréia sanguinolenta, confusão mental; artralgia, exantema tardio e púrpura.
    Quase nunca faltam algumas das manifestações de hipersensibilidade. Como urticária, prurido generalizado, edema da face, placas eritematosas ou lesões purpúricas. O emagrecimento é regra na fase aguda da esquistossomose. Com freqüência, o fígado aumenta de volume e é doloroso a palpação. Em geral, o baço é palpável e pode até ultrapassar a borda costal, mas nunca atingir o tamanho do das formas crônicas avançadas. A hepatosplenomegalia comumente desaparece em alguns meses, sem tratamento. Há micropoliadenia.
    As manifestações clínicas podem simular algumas entidades mórbidas. Neves descreve os tipos pseudocolérico, pseudotifico, pseudoabdômen cirúrgico, pseudoleptospirósico, pseudohepático, pseuddisentérico bacilar, psedonefrítico, pseudovirótico e reativado.
    A sintomalogia da fase aguda da esquistossomose pode ser discreta ou passar despercebida. Rocha e cols estudaram 34 pacientes, dos quais 3 não apresentaram qualquer sintoma. O número de ovos de S. mansoni por grama de fezes foi, respectivamente, 102, 18 e 6, e o de eosinófilos por mm3 na mesma seqüência, 16068 (78%), 1925 ( 24%) e 4510 (44%).
    O exame de sangue sempre revela leucocitose, alcançando até 50,000 leucócitos por mm3, e eosinofilia acima de 1000, com 20 ou 30%, podendo ultrapassar 70% na contagem específica. As globulinas se elevam à custa da fração gama, e a velocidade de sedimentação das hemácias está aumentada. O mielograma mostra hiperplasia da série eosinofilica. A reação de Paul Bunnell pode ser positiva.

    Patogênese e Patologia
    A esquistossomose aguda geralmente é benigna e não existem muitas descrições das alterações anatomopatológicas em humanos. A fase de penetração das cercárias tem sido bem estudada em animais de laboratório. Os parasitas penetram na derme produzindo sulcos e provocando infiltrado inflamatório com predominância de leucócitos, neutrófilos e eosinófilos. Os produtos elaborados pelas cercárias provocam as reações que podem ser evidenciadas no momento da penetração, embora do ponto de vista antigênico as cercárias do Schistosoma mansoni produzam menor resposta do que outras cercárias, também existentes nas áreas endêmicas ou fora delas.
    Em animais, verificou-se que a passagem das metacercárias nos pulmões podem produzir focos de arteriolite, arterite e necrose. No fígado pode haver hepatite aguda intralobular focal, caracterizada por necrose focal dos hepatócitos e infiltração com predomínio de neutrófilos e linfócitos.
    As alterações mencionadas podem não apresentar exteriorização clinica. A patogênese das manifestações anatomoclinicas encotrados antes do inicio da postura deve ser buscada nos fenômenos de hipersensibilidade às formas jovens dos esquistossomas e na eosinofilia que, pode surgir já neste período.
    Com a maturação dos vermes e inicio da postura surgem às alterações anatomopatológicas características da forma sintomática da fase aguda da esquistossomose. As biópsias hepáticas, e algumas necropsias realizadas em pacientes com evolução grave ou falecidos em conseqüência da terapêutica antimonial, trouxeram informações sobre as lesões anatomopatológicas que resumiremos a seguir. Nos casos falecidos foi característica a disseminação miliar intensa dos ovos de Schistosoma mansoni, com a conseqüente formação de granulomas em todas os órgãos e tecidos, mas principalmente no fígado, intestinos, peritônio visceral, linfonodos abdominais e dos hilos pulmonares, pulmões, pleuras e pâncreas. Estes granulomas apresentam a característica de serem necrótico-exsudativos e somente após o 110º dia de infecção entrarem na fase produtiva, época em que ocorre a modulação dos granulomas. Em muitos casos enterocolite ulcerativa aguda superficial. Baço com congestão intensa e espessamento dos cordões de Billroth com hiperplasia dos histiocitos e infiltração difusa dos cosinofilos. Evidentemente, as lesões devem ser bem mais discretas nos pacientes com forma clinica menos severa. Diaz-Rivera e cols referem áreas de infiltração eosinofilica e linfocitica difusas e mais acentuadas nos espaços portas as quais desaparecem tardiamente, persistindo somente ao redor dos granulomas.
    Na fase inicial da esquistossomose observada nos infartes em área hiperendêmica não há reação de hipersensibilidade.
    As alterações manifestadas em vários órgãos devem ser consideradas como reação do organismo à eliminação pelos vermes e pelos ovos de substâncias alergênicas. Produzindo um estado de hipersensibilidade. Esta hipersensibilidade tem sido demonstrada, estudando-se a resposta imune dos pacientes. A resposta do organismo após algum tempo é modulada e a doença caminha para a fase crônica.
    As manifestações cutâneas tardias, como urticária, edema palpebral e da face e manifestações purpúricas devem ser explicadas por aumento da fragilidade capilar, de origem alérgica. O broncoespasmo e o infiltrado pulmonar são indistinguíveis dos achados encontrados na eosinofilia infiltrativa.
    A diarréia é produzida pela irritação da mucosa intestinal, pela presença dos ovos com edema e pontilhado hemorrágico evidenciados à retossigmoidoscopia. A hepatomegalia pode resultar do infiltrado celular e edema. A linfodenopatia e a esplenomegalia podem representar uma reação imunitária. Os calafrios, a febre, a prostação e a sudorese fazem parte das manifestações do estado toxêmico instalado nesta fase.
    As manifestações da fase aguda podem depender também da carga parasitaria131 e do estado imunitário do organismo e também podem aparecer em conseqüência a re-infecções. A fase aguda termina sem que haja diminuição do número de ovos eliminados nas fezes.
    Evidentemente, se a fase aguda for inaparente não devem surgir às lesões acima mencionadas e nem a hiperergia que se exterioriza através das manifestações clinicas.
    Esquistossomose Crônica
    Forma Intestinal e Hepatintestinal
    Geralmente é o grau de acometimento hepático que condiciona a forma clinica sob a qual a esquistossomose se exteriorizará e que determina sua gravidade.
    As formas, intestinal e hepatintestinal são as formas clínicas habituais, geralmente sem hipertensão porta, com que se apresenta a grande maioria de pacientes esquistossomóticos. É difícil precisar com segurança o seu quadro clinico, pois os pacientes em geral são portadores de outras condições, principalmente parasitárias, que também podem produzir sintomatologia. Os resultados dos questionários submetidos a populações de baixo nível de vida e parasitadas por S. mansoni, quando comparados com os de outras sem a parasitose, não revelam diferenças apreciáveis. Talvez a melhor maneira de deslindar as queixas, ainda que sujeita a erros, seja verificar quais delas se beneficiam com o tratamento especifico.
    A diarréia é a manifestação mais comum, assinalada em cerca de metade dos pacientes. Ela é periódica, na maioria das vezes, com intervalos de semanas e durando poucos dias. Não é raro vir com sangue, muco e tenesmo e alteram-se com a obstipação. Alguns pacientes referem estrias sangüíneas nas fezes e, menos amiúde, enterorragias. Outros mencionam dores abdominais, nos hipocôndrios e fossa ilíaca esquerda, dificuldade de digestão para certos alimentos, náuseas e, raramente, vômitos e flatulência. Cada uma das seguintes queixas é citada pela terça parte dos doentes: tontura, nervosismo, cefaléia, falta de ar e emagrecimento. Também são freqüentes a insônia, astenia, sonolência, principalmente pós-prandial, mialgias e, mais raramente, anorexia, extremidades frias, azia, palpitações sudorese, impotência, prurido anal e rinite. Muitos doentes são assintomáticos, mas sempre há possibilidade de surgir à sintomatologia, às vezes abruptamente.
    A palpação do abdome pode revelar dores vagas, principalmente no trajeto do colo descendente e sigmóide. Com freqüência, o fígado está aumentado de volume e endurecido. Sobretudo nas áreas endêmicas, é comum ver doentes apresentando fígado nodular com a típica fibrose de Symmers, mas habitualmente sem hipertensão porta e sem esplenomegalia.
    Os exames hematológicos revelam eosinofilia sanguínea, ocasionalmente muito elevada, mas, em geral, menor do que na fase aguda. Nos nossos casos, quando havia anemia, era predominantemente do tipo macrocítico hipocrômico. As provas de função hepática estão normais.
    No exame retossigmoidoscópico, a mucosa se mostra normal em quase metade dos pacientes e, em outros, nota-se um aspecto granuloso, congestão, hiperemia, pontilhado hemorrágico e sangramento fácil. A polipose colônica freqüente no Egito é rarissioma no Brasil. O exame radiológico do intestino grosso pode evidenciar espasmos, edema da mucosa ou sinais de atonia intestinal.

    Forma Hepatosplênica
    Na presença de lesões avançadas, pode surgir hipertensão porta. Quando esta se acompanha de esplenomegalia, está configurada a chamada esquistossomose hepatosplênica. Ela constitui a quase totalidade das formas clinicas com fibrose de Symmers diagnosticadas nos serviços hospitalares.
    Importância – A forma hepatosplênica representa um divisor na evolução e no prognóstico da doença. Sem ela, na esquistossomose não há hipertensão pulmonar, síndrome cianótica, fibrose peri-intestinal e infantilismo, a glomerulopatia esquistossomótica é muito menos freqüente e grave e é provável que não se produzam as associações mórbidas com as salmonelas. Algumas localizações insólitas dos ovos de Schstosoma mansoni podem resultar em formas clínicas graves em pacientes sem hepatosplenomegalia, como por exemplo, a mielite esquistossomótica e a forma tumoral da doença. Contudo são ocorrências muito raras. Sem a hepatosplenomegalia a importância da doença não diferiria muito das geo-helmintoses intestinais. Sob o ponto de vista epidemiológico, a gravidade da endemia em uma área é definida pela prevalência da forma hepatosplênica. Daí a necessidade de caracterizá-la e saber como ela se instala, e quais os fatores envolvidos em seu desenvolvimento.
    Caracterização – O intenso comprometimento do fígado se traduz pelo aparecimento da típica fibrose hepática, assinalada por Symmers. Geralmente o órgão aumenta de volume, principalmente o lobo esquerdo e torna-se endurecido. A superfície apresenta nódulos, que os anatomopatologistas preferem denominar de pseudonódulos.
    Bogliolo a descreveu como um espessamento dos espaços porta, resultante de pileflebite e peri-pileflebite. A lesão básica é a fibrose, que produz extensa neoformação do tecido conjuntivo associado à neoformação capilar angiomatóide formando um manguito em torno dos ramos portais intra-hepáticos, sem subversão da arquitetura lobular.
    A fibrose periportal acompanha-se, em menor ou maior grau, de obstrução das ramificações portais, que junto à perda da elasticidade dos vasos portais podem levar à hipertensão porta.
    O baço aumenta de volume, quanto à sintomatologia os pacientes com hipertensão porta esquistossomótica podem apresentar as queixas já descritas para os hepatintestinais, acrescidas das inerentes à nova situação criada no fígado. Já as mencionamos com detalhe anteriormente.
    As hemorragias digestivas, principalmente as hematêmese, constituem as manifestações clínicas mais importantes desta forma da doença. Às vezes são motivadas pela ingestão de comprimidos de aspirina. Guardam certa proporcionalidade com o grau de hipertensão porta. A hematêmese pode vir de modo inesperado ou ser precedida de astenia ou desconforto epigástrico, seguindo-se, no outro dia, febre, eliminação de fezes semelhantes a borra de café e, posteriormente, quando a espoliação sanguínea é severa, edema e ascite. A ascite tem como característica a pronta resposta ao tratamento. As melenas são raras na ausência de hematêmese, mas alguns doentes as apresentam isoladamente ou com enterorragias, inclusive fatais.
    A circulação colateral superficial, vista em alguns doentes, sobretudo quando apresentam ascite, na maioria é discreta ou ausente, em contraste com a freqüência da abundante circulação colateral profunda.
    A palpação do abdome revela a hepatomegalia e a esplenomegalia. O fígado é duro, tem borda cortante e, com freqüência, superfície nodular e o seu lobo esquerdo pode se apresentar proeminente. O volume do fígado aparentemente regride com a evolução da doença. As manifestações de insuficiência hepática grave são raras na esquistossomose com hipertensão porta; às vezes, surgem na fase terminal da doença ou em conseqüência de operações de derivação porto-cava.
    A esplenomegalia pode ser discreta ou severa. Raramente o órgão ultrapassa a cicatriz umbilical. O eixo do seu crescimento se orienta, na maioria das vezes, no sentido oblíquo, em direção à fossa ilíaca direita, podendo, no entanto, se situar no sentido vertical ou no horizontal.
    Certos pacientes com hipertensão porta esquistossomótica e esplenomegalia apresentam infantilismo. A amenorréia é comum. Febrícula e picos febris não muito elevados são freqüentes.
    Alguns hepatosplênicos desenvolvem trombose porta que passa despercebida ou produz sintomatologia, às vezes intensa, com dor e distensão abdominal e ascite, regredindo após alguns dias.
    Os exames complementares são importantes nesta forma clínica. As varizes do esôfago, cujo achado constitui o modo mais de revelar a hipertensão porta, podem ser vistas no exame radiológico, ou, pela esofagoscopia. Associando-se os dois métodos de exame, distinguem-se varizes em cerca de 80% dos casos de hipertensão porta com esplenomegalia. Elas se localizam, principalmente, no terço inferior do órgão, podendo ser encontradas também no estômago. A peritoneoscopia permite visualizar o aspecto do fígado e da circulação intra-abdominal. A esplenoportografia coloca em evidência a imagem de grande parte do sistema porta, extra e intra-hepática, e da circulação hepática. Quase sempre, o colecistograma é negativo.
    A ultra-sonografia pode fornecer informações sobre o sistema porta, mostrando obstruções, o calibre das veias, o espessamento de suas paredes e a circulação colateral, com a vantagem de ser um método não-invasivo e de baixo custo. Os aparelhos portáteis permitem fazer exames em áreas endêmicas. É a melhor maneira de se evidenciar o patognomônico espessamento porta. A ultra-sonografia é imprescindível para o diagnóstico de certeza da fibrose de Symmers. Fornece, ao mesmo tempo, informações sobre o tamanho do fígado e do baço, sobre a vesícula biliar, o pâncreas e outros órgãos abdominais.
    A pressão esplênica transparietal, que, do ponto de vista prático, reflete a pressão porta, está quase sempre acima de 200mm de água. Ao contrário do que sucede na cirrose de Laennec, a pressão da veia hepática ocluída é normal ou discretamente elevada, refletindo a existência de obstáculo pré-sinusoidal.
    Na hipertensão porta com esplenomegalia, o quadro hematológico é bem definido, caracterizando-se essencialmente pelas citopenias periféricas, isoladas ou combinadas, ao lado das alterações medulares correspondentes.
    A dosagem das proteínas plasmáticas mostra, habitualmente, diminuição da albumina e aumento de globulinas, sobretudo da fração gama. As provas de função hepática, raramente apresentam-se alteradas.
    Instalação – A forma hepatosplênica se instala lentamente, em doentes acima de cinco anos de idade, geralmente cerca de 5-15 após a infecção inicial. No excepcional caso de Neves e Raso a fibrose de Symmers evoluiu após 130 dias da infecção inicial. O paciente desenvolveu hipertensão porta, e acentuada obstrução de grande número de vasos portais por granulomas, mas não tinha fígado com superfície nodular.
    Ela somente ocorre em alguns indivíduos, em geral menos de 10%, dos que habitam certas áreas hiperendêmicas. As esporádicas referências na literatura, de percentagens acima de 13%, devem-se a inaceitáveis critérios diagnósticos.
    Em nossa observação a hepatosplenomegalia desde que começa a esboçar-se leva cerca de três anos para se caracterizar em 25% das vezes, quatro anos em 45% e mais de quatro anos em 30%. Inicialmente, observa-se aumento de volume e endurecimento do lobo esquerdo do fígado, que passa a predominar sobre o direito. O aparecimento de nódulos na superfície do fígado, não se evidencia com menos de dois anos. As alterações iniciais são vistas no fígado na terça parte dos casos, mas em 2/3 das vezes pode-se perceber ao mesmo tempo, aumento de volume de baço. Este aumento inicial do baço não é devido à hipertensão porta. Quando a esplenomegalia é recente há predominância da hiperplasia celular sobre as lesões de dilatação dos seios venosos e espessamento das paredes sinusoidais que refletem a congestão do baço.
    Podemos dizer que na esquistossomose crônica sem lesões hepáticas avançadas o hospedeiro e o parasita parecem estar em equilíbrio. Os elementos patogênicos, sejam quais forem, são eliminados ou neutralizados pelo organismo em ritmo apropriado. A resposta do hospedeiro às agressões está contida e guarda aparente proporção com o estimulo. Ao que parece, e por motivos ainda desconhecidos, este equilíbrio pode ser rompido, ou porque o estimulo passa a ser mais intenso e o organismo não consegue manter o ritmo de neutralização dos elementos nocivos a ele ou porque há modificação no modo de reagir do hospedeiro, gerando alteração tissular. E assim as lesões encontradas na fibrose de Symmers vão se instalando paulatinamente. O fato dela não se desenvolver em pessoas que deixam as áreas endêmicas, ainda que altamente parasitadas, sugere a importância das exposições iterativas aos focos de infecção. O acometimento de somente pequena proporção dos indivíduos vivendo, aparentemente, sob as mesmas condições e sujeitos aos mesmos estímulos mostra a importância da predisposição do hospedeiro.

    Patogenia da Fibrose de Symmers
    A fibrose se Symmers somente se encontra em infecções por esquistossomas, principalmente pelo S. japonicum e S. mansoni. Contudo, ainda se discute quais os elementos esquistossomóticos responsáveis pela lesão e quais os mecanismos que a produzem. Geralmente as discussões concentram-se mais no papel dos vermes adultos e no dos ovos.
    Vermes adultos – Aparentemente são bem tolerados e enquanto vivos não produzem efeitos mecânicos, irritativos ou tóxicos. Os produtos metabólicos excretados ou secretados são eliminados na veia porta. Certamente são substâncias antigênicas, mas de indefinida importância patogênica. Na esquistossomose aguda humana tem sido descrita hepatite antes do inicio da postura, em infecções experimentais unissexuais ou bissexuais antes da postura, mas não há nenhuma evidência de que estas produzem fibrose. A hepatite que aparece na fase crônica parece estar relacionada aos vermes e poderia ter importância na produção da fibrose porta. Neste sentido é muito importante a observação de Sadun e cols de que no chimpanzé a fibrose portal nos espaços porta maiores e de tamanho médio precede a deposição dos ovos.
    Barreto e cols verificaram que em Caatinga do Moura, as preás (Cavia aperea aperea) que freqüentam as mesmas áreas onde habitam os pacientes esquistossomóticos se infectam espontaneamente em média com 259 esquistossomas, quantidade de vermes muito grande, por quilo de peso corporal, em relação ao homem. Nos canídeos os ovos de Schistosoma não amadurecem por faltar nestes animais substâncias necessárias a maturação do ovo e por isso, também, não produzem granulomas. Estes animais não desenvolvem hepatite, fibrose ou outras lesões vasculares da esquistossomose. Esta constatação fala a favor da pouca importância dos vermes na patogenia da esquistossomose.
    De menor consistência, ainda, seria a possibilidade das lesões serem produzidas por toxinas, cuja existência não foi provada, inclusive em experiências com camundongos parabióticos.
    O pigmento esquistossomótico, embora estimule a hiperplasia das células do sistema fagocitário, é uma substância inerte que não causa inflamação e nem fibrose.
    Quando o verme morre, espontaneamente ou em conseqüência do tratamento especifico, encalha em um dos ramos menores da veia porta e produz inflamação, obstrução e necrose e, eventualmente, formação de escaras. Mas, as lesões são irregulares e não sistematizadas, como as da fibrose de Symmers e são completamente absorvidas. Ademais, milhões de pacientes esquistossomóticos já foram tratados no Brasil sem relato de desenvolvimento de síndrome hepatosplênica.
    Em raros pacientes a morte dos vermes tem sido associada a manifestações de agravamento da condição hepática, elevação da pressão porta e hematêmese, ou repercussões sobre o aparelho respiratório, como pneumonite, asma, cor pulmonale agudo e até choque anafilático ou vasculite generalizada e morte.
    Ovos – A grande maioria dos que se dedicaram ao assunto pensa que a fibrose hepática esquistossomótica é produzida pelos ovos de esquistossoma, isoladamente ou em combinações com outros elementos esquistossomóticos. Falam neste sentido, a sistematização do processo, sua natureza, o tipo das lesões vasculares e a distribuição dos ovos. Bogliolo assegura que o processo da neoformação vascular e conjuntiva tem inicio, exclusivamente, no tecido vásculo-conjuntivo periportal, como pode ser demonstrado pelas injeções intravasculares de substâncias coradas e os moldes, com plástico, da árvore portal, da arterial e das veias supra-hepáticas. A maneira como o ovo exerceria seu papel patogênico, também, é discutida. Os ovos imaturos não produzem reação especial nos tecidos do hospedeiro e são removidos por fagocitose, o mesmo acontecendo com as cascas e os ovos calcificados. Alguns dias depois de amadurecer, o miracidio começa a liberar substâncias histoliticas que são também antigênicas, eliminadas através da casca do ovo. No intestino este mecanismo tem a finalidade de abrir caminho para o exterior. Em torno dos ovos não eliminados, como os que vão para o fígado, surge um infiltrado celular que se transforma em tecido fibroso, constituindo o granuloma, que é o mecanismo pelo qual o hospedeiro procura localizar, neutralizar e absorver o ovo e seus produtos. Em grande número os ovos provocam inflamação granulomatosa e obstrução vascular e são agentes fibrogênicos. A fibrose decorreria de uma resposta inflamatória granulomatosa crônica dos ovos e talvez de fatores estimulantes dos fibroblastos.
    Muitos autores acreditam que a formação de granulomas em torno dos ovos dos esquistossomas é o principal processo responsável pelo desenvolvimento das formas graves da doença, tais como a fibrose de Symmers e a arterite pulmonar. A reação granulomatosa ao ovo é uma resposta imunológica mediada por céluals e, portanto uma forma de hipersensibilidade retardada. Que pode ser supressa por drogas, timectomia neonatal, soro antilinfocitico, soro antimacrofágico, tumor semelhante ao Hodgkin e toxina colérica. Como o aspecto dos granulomas no homem é parecido ao dos animais, sugerindo semelhante mecanismo de formação, o estudo dos granulomas tem merecido especial atenção dos interessados na patogenia da esquistossomose. O tamanho dos granulomas em animais pode diminuir nas infecções mais intensas ou com a evolução da infecção. O granuloma é uma fonte de estimulo dos fibroblastos, importante na regulação da fibrose hepática. Experimentalmente, a quantidade de colágeno no fígado aumenta proporcionalmente à formação de granuloma em torno dos ovos. O granuloma esquistossomótico teria a propriedade de liberar substâncias capazes de atrair para os espaços presinusoidais células sintetizadoras dos elementos constituintes da fibrose periportal.
    No homem, Raso e Cheever já haviam feito observação de que não há muitos ovos nos espaços porta antes do aparecimento da fibrose, mas que eles ai concentram nos estágios avançados da lesão.
    A fibrose hepática de Symmers não parece resultar da simples fusão de granulomas, pois, no homem, ela não guarda relação de intensidade e nem de uniformidade com os granulomas. Também nos camundongos a fibrose hepática pode estar dissociada do tamanho dos granulomas. Admite-se que os antígenos solúveis eliminados pelos ovos com miracídio vivo são os principais responsáveis pela reação granulomatosa e pela fibrose periportal de Symmers, na seqüência seguinte. Dois tipos de antígenos solúveis foram isolados dos ovos de esquistossoma (SEA), capazes de estimular os fibroblastos: um atuaria diretamente sobre estas células e o outro sobre os linfócitos e monócitos que liberariam substâncias estimuladoras dos fibroblastos. Ao lado da produção de substâncias quimiotáticas e ativadoras dos fibroblastos haveria, também, a produção de colagenase pelos macrófagos, responsáveis pela destruição do colágeno extracelular. Na fibrose hepática esquistossomótica haveria um desequilíbrio entre colagenose e colagenólise com o aumento da síntese de colágeno e de fibrose tissular.
    Resposta do hospedeiro – O sistema imune protege os esquistossomas, mas, também pode estar relacionado com indesejáveis efeitos colaterais imunopatológicos. A imunidade humoral apresenta hipersensibilidade. Os efeitos colaterais relacionados com a imunidade mediana por células têm variado com a duração da hepatosplenomegalia e conforme os autores. Também, é difícil separar causa de efeitos. Para alguns autores a imunidade do tipo celular está deprimida nos pacientes hepatosplênicos e em menor proporção nos hepatintestinais e está relacionada com a carga de vermes. Os pacientes podem recuperar sua reatividade imune pelo tratamento especifico da esquistossomose. A imunodepressão dificultaria a eliminação dos elementos patogênicos. Nos camundongos infectados pelo S. mansoni há diminuição no índice fagocitico dos macrófagos em relação à Salmonella typhimurium.
    Para outros autores, os pacientes com heptatosplenomegalia avançada são anérgicos, enquanto os hepatosplênicos atendidos nos ambulatórios, e, portanto considerados em fase inicial da doença são hiperérgicos. A fibrose de Symmers seria devida à falta de modulação imune. Alguns dados sugerem que IL- 10 é uma citocina importante na regulação da resposta imune e possivelmente controla a morbidade na esquistossomose mansoni humana.
    Modelo animal – A obtenção de um modelo animal facilita muito a compreensão da patogenia de uma condição mórbida, por permitir que se estude isoladamente o envolvimento dos diversos fatores, desencadeantes, predisponentes ou concomitantes, e a marcha da instalação do processo.
    Em dois animais pode-se induzir fibrose hepática que reproduz, em maior ou menor grau, a fibrose de Symmers: no camundongo e no chimpanzé.
    A ausência de semelhança macroscópica e o fato da fibrose hepática de Symmers no homem não parecer ser devido a simples fusão de granulomas, como acontece no camundongo, são dois argumentos dos que acreditam que a lesão no homem não seja a mesma do camundongo.
    O chimpanzé pode apresentar lesões hepáticas bastante semelhantes às da fibrose de Symmers humana. O aspecto macroscópico da superfície externa do fígado mostra aspecto nodular e ao corte vê-se as típicas lesões em “cachimbo de barro”. O animal pode desenvolver hepatosplenomegalia, circulação colateral e varizes esofagianas, embora, a pressão porta possa estar dentro dos limites da normalidade. A fibrose de Symmers se estabelece em animais com alta carga parasitária, após dois anos de sucessivas reinfecções.
    Lichtenberg acredita que as lesões hepáticas esquistossomóticas vistas no homem são melhor reproduzidas no chimpanzé do que no camundongo, porque os vasos e a distribuição dos linfáticos nos antropóides se assemelham mais aos do homem.
    Fibroplasia hepática – A fibrose em qualquer órgão resulta da deposição do excesso de tecido conjuntivo, composto principalmente de colágeno, que representa as proteínas fibrilares. Fazem ainda parte de sua composição os componentes não fibrilares que são as glicoproteinas (fibronectina e laminina) e os carboidratos complexos, glicosamoniglicanos e proteoglicanos, além de outros elementos encontrados em menor freqüência e ainda não bem caracterizadps.
    Os estudos sobre tecido conjuntivo trouxeram alterações fundamentais em nosso conhecimento a respeito das fibroses hepáticas. Ao contrário do que parecia, os processos fibróticos nem sempre constituem lesões irreversiveis, pois neles o tecido conjuntivo ainda retém suas capacidades de se refazer. Mesmo na fibrose instalada continuam as atividades de síntese do colágeno e de colagenólise. Deste modo, pode-se pensar que o processo fibroso é passível de ser controlado. O colágeno, principal componente do tecido conjuntivo, não é uma substância uniforme e diferentes tipos são encontrados no homem, distinguidos pela precisa seqüência dos aminoácidos que formam as cadeias alfa.
    No fígado estão presentes cinco tipos de colágeno e muitas de suas características na esquistossomose humana são conhecidas.
    Os estudos em culturas de células e determinações enzimáticas e bioquímicas estão mostrando que a síntese de colágeno não é apanágio da linhagem de células fibroblásticas e que as células endoteliais, as células de Ito, as células de Kupffer, os miofiborblastos, as células musculares lisas e mesmo os hepatócitos ou outras células poderiam formar colágeno, desde que adequadamente estimuladas. A mesma célula poderia sintetizar diferentes tipos de colágeno e há algumas evidências de que o mecanismo de seleção do colágeno pelo gene dependeria de fatores extracelulares ou ambientais. Tais fatores que operariam na célula para modular a síntese do tipo de colágeno ainda não são conhecidos. Em última análise, a fibrose hepática poderia resultar da proliferação de células que sintetizam o colágeno, do aumento da formação de colágeno em células existentes ou deficiência na degradação do colágeno que estaria sendo formado continuamente.
    Procurando ver se a hidroxiprolina urinária serviria como marcador de fibrose hepática encontramos maior eliminação nos hepatosplênicos, com diminuição após tratamento especifico.
    Em fases avançadas da doença poderia haver menos reversão da fibrose. Nas fases avançadas do processo fibrótico hepático há predomínio do colágeno tipo I, de turnover mais lento. Contudo, o tratamento pode reverter à fibrose esquistossomótica, não importa o tempo em que esta tenha se instalado.

    Fatores que afetam a Instalação da Fibrose de Symmers
    Além dos mecanismos de instalação da fibrose hepática esquistossomótica e dos elementos esquistossomóticos envolvidos na gênese da mesma, devem ser considerados, ainda, alguns fatores que podem ser importantes no desenvolvimento da hepatosplenomegalia. Estes podem estar relacionados aos parasitas (raça do parasita e carga parasitária) e ao hospedeiro.
    Raças de Schistosoma – Há sempre a possibilidade da existência de diferentes raças de Schistosoma, umas mais patogênicas do que outras, conforme foi bem estudado em relação ao Schistosoma japonicum. Em relação ao Schistosoma mansoni não dispomos de dados tão concluentes. Alguns autores não encontraram diferenças nas raças estudadas por eles e outros encontraram. Não há evidências de que a fibrose de Symmers e conseqüentemente a forma hepatosplênica esteja relacionada à raça do Schistosoma mansoni.
    Carga parasitária – Embora os vermes possam ser contados através da remoção extracorpórea do sangue porta ou avaliados pela determinação do antígeno circulante no plasma ou excretado na urina, a contagem de ovos nas fezes é a única maneira prática para se avaliar a carga parasitária. Há relação entre o número de ovos nas fezes e o número de vermes, mas tanto no homem como em animais, é muito grande a variação diária no número de ovos nas fezes. Contudo, para fins epidemiológicos, a contagem de ovos tem sido muito usada e é de grande utilidade na esquistossomose, a despeito das discrepâncias individuais.
    A relação entre a quantidade de ovos eliminados pelas fezes, a carga parasitária e o desenvolvimento da forma hepatosplênica da esquistossomose é matéria ainda controvertida. A forma hepatosplênica da esquistossomose é mais encontrada em áreas com maior prevalência da doença e maior eliminação de ovos pela população. O discutível é se são os indivíduos, ou pelo menos a maioria deles, que eliminam mais ovos pelas fezes que desenvolvem a forma hepatoesplênica da doença. Muitos autores acham que sim e outros que não. Esta correlação não seria observada nos indivíduos mais idosos e deixaria de existir à medida que se instalasse a esplenomegalia. Contudo, em média, os vermes extraídos dos hepatosplênicos representam uma carga parasitária elevada e certamente, é uma condição importante para a instalação da fibrose de Symmers.
    Exposição ao risco de re-infecções – Somente desenvolvem forma hepatosplênica os indivíduos que permanecem em estreito contato com os focos de infecção. Mesmo permanecendo nas áreas endêmicas, mas diminuindo as oportunidades de re-infecção, pelo uso continuado de moluscicidas, ou pela educação para a saúde, eles não desenvolvem as formas graves, pode-se supor que a exposição ao risco de re-infecções aumentaria a carga parasitária, rompendo o aparente equilíbrio entre deposição e destruição de ovos nos tecidos. Ou alteraria a resposta do hospedeiro, independente do aumento ou não da carga parasitária.
    Fatores relacionados ao hospedeiro – Em algumas regiões a doença parece ser mais benigna do que em outras. Em uma mesma área, onde as pessoas estão sujeitas, aparentemente, às mesmas condições, inclusive eliminando as mesmas quantidades de ovos, somente umas desenvolvem a forma hepatosplênica.
    Idade – discute-se, se o importante seria a idade do paciente ou somente a duração da doença. Em Nova Esperança, onde a introdução da transmissão parece ter sido recente, encontramos somente hepatosplênicos jovens, sugerindo que nesta localidade os adultos não desenvolveram a forma grave. No entanto, Pessoa e Coutinho verificaram formas graves em adultos sujeitos a continuas re-infecções.
    Desnutrição – Suspeitou-se que a desnutrição poderia ser um fator predisponente. Pelos estudos experimentais, tudo indica que as deficiências nutritivas parecem mais proteger do que agravar a infecção pelos esquistossomas. Ademais, temos visto muito hepatosplênicos entre áreas endêmicas da Bahis, são principalmente os brancos, sabidamente os que possuem melhores níveis de vida, os que desenvolvem mais hepatosplenomegalia.
    Etilismo – Experimentalmente há evidências de que o etilismo reduz a resposta imune granulomatosa do hospedeiro aos ovos do S. mansoni Kasanda mostrou em camundongos que o etilismo diminui o número de vermes, a oviposição, a formação dos granulomas e o grau de fibrose hepática. Nos pacientes obstêmios a prevalência de exames de fezes positivos para ovos de Schistosoma mansoni foi de 68,9% e nos alcoólatras de 57,1%, mas não houve diferença na quantidade de ovos eliminados pelas fezes. As formas hepatosplênicas foram encontradas em 26 (10,2%) abstêmios e em 6 (6,6%) alcoólatras. Entre os 26 abstênios em 1 a forma hepatosplênica estava descompensada e entre os 6 alcóolatras em 2.
    Predisposição do hospedeiro – Influencia genética. Sabe-se que diferentes raças de camundongos quando infectadas pelo Schistosoma mansoni podem produzir graus diversos de fibrose e que a síntese do colágeno é regulada por genes.
    Raça – No Brasil, em certas partes, os pretos são mais resistentes ao desenvolvimento das formas hepatosplênicas da esquistossomose, apesar de adquirirem a infecção na mesma freqüência e intensidade 117 e de viverem em piores condições sócio-econômicas. Em outra região, os pretos desenvolveram mais fibrose hepática, porém menos esplenomegalia, sugerindo que mesmo entre os indivíduos pretos há diferença na resposta à infecção com respeito às formas clínicas da doença.
    Isto pode refletir nos sobrenomes das pessoas, tendo os hepatosplênicos mais sobrenomes de animais e plantas (preferidos pelos grupos raciais brancos) do que a conotação religiosa, adotados pelos negros. O tratamento especifico pode produzir regressão da hepatosplenomegalia em 10 (47,6%) não brancos e somente em 2 (8,3%) brancos.
    Ocorrência familial – Vários hepatosplênicos ocorrem em uma mesma família nuclear e isto não é casual. Como, em geral os membros de uma família freqüentam os mesmos focos de contágio, às vezes, é difícil deslindar o que ocorreria por conta do meio ambiente. Os estudos dos heredogramas destas famílias não sugere herança mendelina simples, mas provalvemente multifatorial e, possivelmente, poligênica.
    Coeficiente de endocruzamento _ certas áreas hiperendêmica de esquistossomose os hepatosplênicos têm maior coeficiente de endocruzamento (26,8%) e do que os hepatintestinais (12,5%), o que faz suspeita de influência genética.
    Marcadores genéticos – Grupos sanguineos. Alguns estudos mostraram que a forma hepatosplênica da esquistossomose mansoni e também a da japônica pode ser mais freqüente em pessoas do grupo sanguíneo A, o que não foi confirmado por outros.
    Complexo principal de histocompatibilidade – A forma hepatosplênica tem sido correlacionada com os antígenos A1 e B5 dos sistemas de histocompatibilidade. A presença dos antígenos B5 e B8 foram relacionadas à polipose intestinal e a do CW2 à baixa resposta aos ovos do esquistossoma e ausência de sintomatologia. Os portadores do haplotipo BW44- DEN têm predisposição à fibrose hepática esquistossomotica.
    Sistema glioxalase I – A incidência de hepatosplênicos é quatro vezes maior em homozigotos GLO*1/GLO*1 e três vezes mais nos heterozigotos GLO*1; GLO*2 do que em homozigotos GLO*2/GLO*2.

    Complicações da Hepatosplenomegalia
    Doentes com hipertensão porta podem ter hipertensão pulmonar, síndrome cianótica, fibrose peri-intestinal e glomerulopatia, além de associações mórbidas.
    Hipertensão pulmonar – Cerca de 25% dos hepatosplênicos têm pressão média na artéria pulmonar superior a 20 mm de mercúrio. Quanto mais grave a hipertensão porta, maior a freqüência da hipertensão pulmonar.
    O substrato anatômico desta forma é a arterite pulmonar esquistossomótica. A hipertensão se localiza na artéria pulmonar e, posteriormente, há aumento da pressão intracardiaca sistólica e diastólica. Por fim, instala-se o cor pulmonale crônico. A principal queixa dos pacientes é a dispnéia, que nem sempre guarda relação com os outros sintomas. No começo, ela se evidencia somente aos esforços, mas, pode tornar-se continua. As palpitações são freqüentes e acompanham a dispnéia. Ambas surgem logo que a hipertensão atinge certo grau. Muitos doentes referem dor torácica, às vezes precordial, usualmente constritiva e paroxística. A sincope de esforço, aparece em alguns casos, durante o exercício; ela vem precedida por tonturas, turvação de visão, cefaléia e desconfortos epigástrico e precordial. Tosse e hemoptise podem surgir raramente.
    O exame físico revela os sinais dependentes do grau de hipertensão pulmonar e a resultante dilatação da artéria pulmonar e hipertrofia do ventrículo direito. Vêem-se os batimentos anormais do segundo, terceiro e quarto espaços intercostais esquerdos e palpa-se a segunda bulha e o frêmito diastólico. O achado mais freqüente de todos é a hiperfonese da segunda bulha no foco pulmonar, que, às vezes, também se apresenta desdobrada. A ausculta pode ainda evidenciar o ruído da abertura da válvula pulmonar e um sopro diastólico no mesmo foco. Em alguns casos, ouve-se o sopro de Graham Steell da insuficiência pulmonar e um supro sistólico tricúspide.
    O exame radiológico é de extrema importância na evidenciação desta forma clinica, revelando a dilatação do cone e do tronco da artéria pulmonar e a acentuação da trama vascular. Há alargamento da sombra hilar, especialmente à direita, a qual se assemelha a uma grande vírgula e, às vezes, alcança dimensões de um aneurisma. O arco médio, representado pelo cone da artéria pulmonar, está abaulado ou, pelo menos, retificado. O ventrículo direito pode estar aumentado, produzindo crescimento do diâmetro transverso do coração. A radioscopia mostra a típica pulsatividade da artéria pulmonar direita dilatada. A angiocardiografia confirma os achados e demonstra, em certos casos, o aspecto tortuoso e irregular de alguns vasos pulmonares periféricos. A ultra-sonografia pode ser útil no diagnóstico.
    O tempo de circulação pulmonar pode estar retardado. A saturação de oxigênio arterial é normal, mas nem sempre alcança 100% após a inalação de oxigênio puro, devido às derivações estabelecidas da direita para a esquerda. O eletrocardiograma não apresenta anormalidades antes do aparecimento de hipertrofia ventricular direita e, às vezes, mesmo após o inicio desta. O eletrocardiograma é um bom indicador da progressão da doença.
    Na hipertensão pulmonar esquistossomótica, não há lesão parenquimatosa ou capilar, e a cianose não constitui manifestação clinica importante. Apesar de referida em alguns casos da literatura, geralmente ela está relacionada com grave insuficiência cardíaca.
    Síndrome Cianótica – Faria e cols chamaram a atenção para a existência de uma síndrome, na esquistossomose, que se acompanha de cianose e dedos em baqueta de tambor. Muitos pacientes queixam-se de dispnéia de esforço, apresentam aumento do débito cardíaco, hipertensão alveolar e decréscimo da saturação arterial, mesmo após respirar oxigênio puro durante 15 minutos. Após exercício, não há aumento da pressão sistólica no ventrículo direito, e a resistênica arteriolar no pulmão diminui. São pacientes com hepatosplenomegalia, sem ou com discreta hipertensão pulmonar.
    Em cerca da metade dos casos, a cianose aparece após esplenectomia. Discute-se se a cianose é devida a fístulas arteriovenosas pulmonares, anastomoses porto-mediastinais (também assinaladas na cirrose de Laennec) e, certamente, relacionadas com a hipertensão porta, ou em conseqüência da diminuição da afinidade da oxi-hemoglobina pelo oxigênio.
    Fibrose peri-intestinal – Cerca de 11% dos hepatosplênicos autopsiados apresentam espessamento fibrótico do tecido adiposo do grosso intestino, especialmente do reto, estendendo-se com freqüência ao retroperitônio. Diferente do Brasil, no Egito são freqüentes as massas abdominais nos epiplons, mesentérioos e gânglios e subserosas pericolônicas, comumente associadas a pólipos, dedos em baqueta de tambor hipoalbuminemia e disenteria mesmo em pacientes sem fibrose de Symmers.
    Nefropatia – Em área endêmica de esquistossomose pode-se encontrar proteinuria em 24,6% dos pacientes hepatosplênicos e em 4,6% dos hepatintestinais. Em 12% dos hepatosplênicos com lesões em fase avançada desenvolve-se alterações renais, praticamente de todos os tipos, mais comumente do tipo síndrome nefrótica com proteinuria persistente e uma glomerulonefrite membranoproliferativa generalizada. A área mesangial do glomérulo é a princiapl sede da nefropatia. A glomerulopatia tem sido reproduzida em animais, na dependência da carga parasitária em um período prolongado. As lesões estão relacionadas a presença de antígenos circulantes originários do verme adulto, ovos e cercárias e seus anticorpos, com depósitos dos imunocomplexos nos glomérulos. O clearance destes antígeno-anticorpos deveria ocorrer no fígado e por isso discute-se a importância da circulação colateral na patogenia da glomerulopatia.
    Os pacientes podem apresentar edema e às vezes ascite, proteinuria e hipergamaglobulinemia, mas o colesterol no sangue não está elevado.

    Outras Formas Clíniccas
    Forma pseudoneoplástica – Conhecida também como forma tumoral. A sintomatologia obstrutiva ou de compressão e o aspecto granulomatoso ou consistência dura das lesões simulam uma neoplasia. Localizam-se, freqüentemente, no intestino ou peritônio. Em 26 casos da literatura, a freqüência foi a seguinte: colón descente e sigmóide, 50%; íleo terminal, 19,3%; retroperitoneal, 19,3% e intestino delgado, 11,4%. Os pacientes podem apresentar distúrbios de trânsito intestinal, e se o tumor crescer para a luz intestinal, pode chegar à oclusão. Se o crescimento for a partir da serosa, pode haver aumento do volume comprimindo órgãos. À palpação, o intestino pode se apresentar endurecido. O tumor pode se localizar fora do aparelho digestivo, como por exemplo, no aparelho genital feminino ou masculino ou no sistema nervoso.
    Neuroesquistossomose – A localização cerebral de ovos de S. mansoni não é freqüente, como ocorre no S. japonicum. É mais comum a mielite transversa. A paraplegia é de instalação rápida, com distúrbios esfincterianos, alterações sensitivas e aumento de células de proteínas no liquor. Há outros quadros clínicos como a síndrome de cauda eqüina.

    Associações Mórbidas
    Salmonelose Septicêmica Prolongada – Mais de 20 espécies de salmonela, de origem humana ou animal, pode se associar aos esquistossomas. Elas aderem à superfície dos esquistossomas, principalmente nos vermes machos, emitindo fibras que penetram no tegumento dos mesmos. Também são encontradas no intestino do verme. Nestes locais, podem permanecer abrigadas mais de ano.
    Esta associação de verme e bactéria produz um quadro clínico caracterizado, principalmente, por febre de longa duração, diarréia, emagrecimento, dores abdominais, palidez, edemas e petéquias nos membros inferiores, e ausência de alterações sensoriais e toxêmias. Aos exames de laboratório, observa-se hipergamaglobulinemia, eosinofilia e, freqüentemente, leucocitose e neutrofilia moderadas. Suspeita-se que alguns pacientes com salmonelose septicêmica prolongada desenvolvam uma lesão renal por imunocomplexos em que a bactéria funciona como antígeno.
    Tem sido descrita associação do S. mansoni também com E.coli.

    Outras Associações Mórbidas
    Associação da esquistossomose e hepatite por vírus B e C tem sido constatada em hepatosplênicos. Os pacientes com a associação apresentam maior freqüência de angiomas estelares, icterícia e aminotransferases elevadas. Neles, é mais freqüente o encontro de hepatite crônica ativa, o que agrava a evolução da hipertensão porta. Esta associação foi verificada em pacientes hospitalizados ou acompanhados em serviços de saúde, onde, conseqüentemente estão mais expostos à transmissão destes vírus, durante procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Estudo bem conduzido em área endêmica não confirmou a associação.
    O linfoma folicular gigante do baço tem sido encontrado em esquistossomóticos hepatosplênicos.

    Diagnóstico Etiológico
    O diagnóstico de esquistossomose, quase sempre necessita ser confirmado pelo encontro do ovo parasita. A contagem dos ovos nas fezes, habitualmente feito pelo método de Kato modificado por Katz et al tem mais aplicação em estudos epidemiológicos e em pesquisa. No Brasil, o método de exame mais usado é o da sedimentação espontânea das fezes, preconizado por Lutz no início do século. Os ovos são encontrados na biópsia retal, que por ser um método invasivo somente é usado na falha de repetidos exames de fezes.
    A intradermorreação com antígeno de verme adulto tem pouco uso pela possibilidade de falsa reação positiva e por não se negativar na esquistossomose inativa.
    As reações sorológicas, tem tido pouca aplicação prática. O teste ELISA usando como antígeno keyhole limpet haemocianin que compartilha um epitopo carbohidratado com a superfície do esquistossomulo do S.mansoni68 permite separar a esquistossomose aguda crônica. Um teste simples e rápido, que identificasse a presença de antígenos do verme no sangue ou melhor na urina, teria grande utilidade na seleção de pacientes para tratamento seletivo em programas de controle.

    Diagnóstico Clínico
    A suspeita de esquistossomose aguda é feita com base nos dados clínicos, antecedentes epidemiológicos e mais de 1000 eosinófilos por mm3 de sangue.
    A fibrose de Symmers é suspeitada pelo encontro de fígado duro, com superfície nodular e quase sempre com o lobo esquerdo proeminente. O diagnóstico deve ser confirmado pela ultra-sonografia que, além de revelar o grau da hipertensão porta, mostra o típico espessamento do espaço porta, o qual também pode ser evidenciado nas autópsias ou biópsias cirúrgicas, mas não por agulha. O espessamento portal, visto na ultra-sonografia, somente é patognomônico da fibrose de Symmers quando acentuado. O classificado como grau I, pode significar somente infiltrado celular e não fibrose.
    A fibrose de Symmers somente caracteriza a forma hepatosplênica se vier acompanhada de esplenomegalia de certa proporção. O encontro de baço palpável somente à inspiração, geralmente flácido, ocorre com freqüência mesmo em áreas não endêmicas. A hipertensão porta pode ser confirmada pela presença das varizes esofageanas, evidenciadas pela radiografia ou esofagoscopia, pela ultra-sonografia ou pela esplenoportografia.
    A complicação mais freqüente é a hipertensão pulmonar suspeitada ao exame clínico e evidenciada pela radiografia torácica e cateterismo cardíaco.
    Nos hepatosplênicos com febre de longa duração, procedentes de áreas endêmicas, suspeita-se de salmonelose septicêmica prolongada. A salmonela é facilmente isolada em hemoculturas e em menor grau na medula óssea, urina, bile e fezes. Às vezes é difícil determinar o papel do Schistosoma mansoni ou da salmonella na glomerulonefrite em esquistossomótico hepatosplênico.
    Geralmente, após repetidas hemorragias, ou quando apresentam associação com hepatite por vírus, etilismo, após operações de shunt portosistêmicas ou, mais raramente sem causa aparente, pode haver descompensação da hepatosplenomegalia. Nesta circunstância, o paciente desenvolve insuficiência, com icterícia, ascite, circulação colateral superficial, encefalopatia portosistêmica e provas de função hepática alteradas.

    Tratamento
    O tratamento da esquistossomose sem lesões avançadas resume-se na cura da parasitose, que pode ser alcançada com os medicamentos específicos. Quando se instalam as formas graves da doença, elas adquirem individualmente e primazia, às vezes ainda dependendo e outras não da atividade parasitária. Por estes e outros motivos, no tratamento da esquistossomose é importante estabelecer, logo no início, dois diagnósticos: o da atividade parasitária e o da forma clínica da doença. No tratamento das formas clínicas, além das drogas específicas usam-se medicamentos auxiliares.
    O tratamento também tem importância no controle e profilaxia, da transmissão da esquistossomose.

    Tratamento Específico
    Somente a oxamniquine e o praziquantel são usados no tratamento da esquistossomese no Brasil.
    A oxamniquine é eficaz por via oral, em dose única de 15 mg/kg administrada em cápsulas. A dose para criança, de 20 mg/kg, dada sob a forma de xarope, será mais bem aceita se dividida em duas tomadas ao dia. A medicação por via oral produz sonolência e tonturas em alguns pacientes e, raramente, alucinações, mas em geral é bem tolerada. Cura cerca de 80% dos esquistossomóticos crônicos. A oxamniquine é amplamente usada no Brasil, nos programas de controle da doença, sem supervisão médica imediata e sem cuidados especiais.
    O praziquantel é dado em torno de 50-60 mg por quilo de peso corporal, dada por via oral duas vezes. Para crianças, 70 mg por quilo de peso corporal.
    As principais reações de toxicidade são dores abdominais, diarréias, astenias e cefaléias.
    O medicamento tem percentagem de cura e é tão bem tolerado pelos pacientes como a oxamniquine.
    Tem sido constatada resistência ao tratamento em alguns pacientes, com ambas as drogas. Isto é um fato preocupante, embora, na prática, seja de observação excepcional.

    Tratamento Cirúrgico
    O tratamento cirúrgico da esquistossomose indica-se principalmente nas hemorragias causadas pela hipertensão porta e nas extirpações de tumores causados pelo S. mansoni. Os principais tipos de cirurgia preconizada são a esplenectomia, os shunts portosistêmicos e outros diretamente sobre as varizes.
    Esplenectomia – Ela tem as seguintes vantagens: elimina o tumor abdominal, corrige imediatamente o hiperesplenismo, cura o infantilismo e outros distúrbios endócrinos, melhora o estado geral e, às vezes, as provas de função hepática, baixa a pressão porta em cerca de 40%. Todavia, não traz suficiente alívio para alteração básica que à a hipertensão porta e, por isso, os esplenectomizados podem ter hemorragias digestivas, embora se acredite que com menor freqüência. A esplenectomia impede a realização posterior de certas anastomoses.
    Shunts portosistêmicos – teoricamente, seriam a operação ideal no tratamento da hipertensão porta esquistossomótica, pois facilitaria o escoamento de sangue, assim atenuando o distúrbio básico dessa forma clínica.
    Anastomose porto-cava – Nem sempre a hipertensão porta é substancialmente reduzida. A vida média dos eritrócitos é encurtada e há aumento da bilurrubina indireta. A tolerância à amônia diminui e alguns doentes desenvolvem encefalopatia porto-sistêmica. A operação está contra-indicada no tratamento da hipertensão porta esquistossomótica.
    Anastomose esplenorrenal – O seletivo shunt tem sido preferido ao total shunt. No seguimento dos enfermos, têm-se visto alguns dos inconvenientes mencionados na porta-cava, embora com menos freqüência. Por isso muitos contra-indicam esta operação em esquistossomóticos.
    Outras operações, tais como ligadura das artérias hepáticas e esplênicas, são menos indicadas.
    Operações diretamente sobre as varizes – Disconnections surgeries, tais como a ligadura transesofagiana, ressecção esofagogástrica, etc. tendem a substituir as operações de shunt na esquistossomose. A desvascularização esofagogástrica junto com a esplenectomia tem sido indicada com freqüência.
    Com a esclerose das varizes pela endoscopia em muitos pacientes se consegue o desaparecimento das varizes, mas às vezes o paciente volta a ter hematêmese. O tratamento é demorado e exige várias aplicações. Em alguns pacientes surgem complicações após a escleroterapia, como ulcerações e estreitamento.

    Conduta Terapêutica
    Na esquistossomose aguda, com intensa sintomatologia, pode ser aconselhada a associação de prednisona na dose de 1 mg/kg de peso corporal por uma semana, iniciada um dia antes do uso de oxamniquine, seguida da metade da dose na segunda semana e 0,25% mg/kg de peso corporal por mais uma semana. A associação dos esteróides aumenta a percentagem de cura, melhora sintomatologia e reduz o tempo da doença.
    Na esquistossomose crônica, havendo atividade parasitária, deve-se instituir a terapêutica específica que alivia os sintomas e evita que uma forma assintomática se transforme em sintomática ou, mesmo, em uma forma grave.
    Com a oxamniquine e, mesmo o praziquantel, as contra-indicações ao tratamento específico são poucas. Evidentemente, deve-se evitar o tratamento de crianças abaixo de dois anos de idade, gestantes e pacientes em fase avançada de doença, com desnutrição acentuada, insuficiência cardíaca ou renal grave, ascite, infecções agudas ou situações semelhantes.
    Na hipertensão porta, sem antecedentes de hemorragia digestiva, independente da idade do paciente deve-se imediatamente instituir o tratamento especifico da esquistossomose, com o qual se pode obter, num prazo de seis a 24 meses, a reversão da forma hepatosplênica em 40% dos tratados e melhoras em outros doentes. Somente após este período se pode pensar na possibilidade cirúrgica. A esplenectomia, a descompressão porta seletiva ou a desvascularização esofagogástrica tornam menos provável a possibilidade de haver hemorragias digestivas, embora não as previnam seguramente. Isto não significa que a cirurgia deva ser indicada sistematicamente para os portadores de hipertensão porta na ausência de hemorragias, pois outros fatores, inclusive o risco cirúrgico, e o fato de muitos pacientes nunca apresentarem hematêmese devem ser considerados. O volume do baço, ainda que raramente, pode ser uma indicação para a esplenectomia. Esta também melhora as condições gerais do paciente e acelera a cura do infantilismo. Nas áreas endêmicas do Brasil, não há evidências de que os esplenectomizados tenham mais infecções do que os não-esplenectomizados.
    Na hipertensão porta com antecedentes de hematêmese, são maiores os riscos de novas hemorragias e maiores as indicações cirúrgicas da ligadura intra-esofagiana de varizes associada ou não à esplenectomia ou da descompressão, porta-seletiva por anastomose esplenorrenal distal (operação de Warrem).
    O paciente com hipertensão porta esquistossomótica, na vigência da hematêmese, deve ser imediatamente internado no hospital e mantido sob vigilância. As medidas a serem adotadas são a correções da volemia e da anemia, a lavagem gástrica, o uso de coagulantes, a lavagem intestinal, a prevenção do coma hepático e o tratamento da insuficiência hepática. Se as hemorragias são repetidas, faz-se o tamponamento esofagiano com o balão de Sangstaken-Blakemore. Pode-se incluir no tratamento o Pitressin. Se a hemorragia não for coibida, recorre-se a operações diretas sobre as varizes. Alguns preferem indicá-las antes de usar o balão.
    Os bloqueadores beta-adrenérgicos (Propranolol) diminuem o débito cardíaco e o fluxo sanguineo esplênico, reduzindo a pressão portal. Alguns autores recomendam o seu uso continuado para prevenir a recorrência de hematêmeses.
    A síndrome cianótica não se beneficia com a estirpação do baço que talvez a agrave. Nas formas pseudoneoplásicas, e na mielopatia ao tratamento especifico deve-se associar o uso de corticosteróides e a cirurgia só está indicada se fracassar o tratamento clinico. O tratamento específico não reverte as lesões da glomerulopatia esquistossomótica, mas exerce efeito benéfico na lesão renal da salmonelose septicêmica prolongada.
    O Brasil, a partir de 1975, iniciou um vigoroso Programa Especial de Controle da Esquistossomose (PECE), tratando em massa milhões de pessoas com oxamniquine. Ao mesmo tempo, foram feitas aplicações de niclosamida (Bayluscide) em alguns criadouros de caramujos e incrementado programa de abastecimento da água. Obteve-se redução da prevalência da esquistossomose. Atualmente, o Programa de Controle da Esquistossomose (PECE) tem como objetivo principal controlar a morbidade e evitar a expansão da doença.
    No Brasil vem havendo progressivo declínio do número de esquistossomóticos com a forma hepatosplênica, mesmo em áreas onde não houve programas especiais de controle ou precedendo aos mesmos.

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