Cirurgia de adenoma da próstata – Eduardo Neves Netto – 1999

    Data de publicação: 11/07/1999

    CIRURGIA DO ADENOMA DA PRÓSTATA
    Eduardo Neves Netto

    Resumo do Trabalho Científico apresentado pelo candidato à cadeira nº. 36 da Academia Mineira de Medicina, em 13/07/1999.

    RESUMO

    Introdução
    Em 1964, já no terceiro ano do curso médico, iniciei as atividades cirúrgicas, acompanhando meu pai, o professor José Murillo Netto, responsável pelo Serviço de Urologia da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora e Professor fundador e Titular da disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.
    Meu pai era um cirurgião preciso, meticuloso, severo e de uma habilidade manual impar. Devido à sua grande experiência nas prostatectomias retropúbicas, seu serviço recebia urologistas de várias regiões do país, que vinham a Juiz de Fora no intuito de assistir as prostatectomias que “não sangravam” e cuja urina tornava-se clara já no pós-operatório imediato. Realmente, ele dominava a técnica de Millin em seus mínimos detalhes e introduziu várias modificações pessoais.
    Trabalhei com meu querido pai e mestre quatro anos como acadêmico e sete anos como médico, até seu prematuro falecimento em 1977 aos 63 anos de idade. Nesse período, procurei absorver todos os detalhes de seu manuseio cirúrgico e aprofundei-me ao máximo na execução da prostatectomia retropúbica pela técnica de Millin.
    Tão logo regressei da Europa, onde me especializei em Urologia, iniciei as atividades nessa especialidade. Juiz de Fora, como pólo médico de toda a Zona da Mata e de parte do interior do Estado do Rio de Janeiro, recebia um número considerável de pacientes com patologias urológicas, fazendo com que a demanda cirúrgica fosse muito alta. Desse modo, ao longo de trinta e um anos de carreira, pude coletar uma estatística pessoal de 2265 prostatectomias retropúbicas introduzindo modificações pessoais e obtendo baixíssimo índice de complicações, o que me permitiu a elaboração desta monografia.

    Indicações e Contra-indicações da Cirurgia Aberta
     Indicações
    A prostatectomia aberta sempre deve ser considerada em pacientes com próstatas volumosas, em geral excedendo 80 a 100 gramas de peso, pois nesses casos, a ressecção transuretral apresenta um aumento significativo de complicações. É também o procedimento de escolha para pacientes que apresentam patologias vesicais associadas, como divertículos ou cálculos volumosos que não podem ser tratados por via endoscópica. Indica-se também a cirurgia aberta em pacientes com anquilose do quadril, que impossibilita a posição de litotomia necessária a realização da cirurgia via transuretral. Pacientes portadores de hérnia inguinal uni ou bilateral são candidatos potenciais à cirurgia aberta, com reparo simultâneo da hérnia pela mesma incisão, utilizando-se a técnica pré-peritoneal. Pacientes com doença uretral associada que impeça o acesso endoscópico também são candidatos à cirurgia aberta.
    Pacientes com implante de prótese peniana.

     Contra-Indicações
    Pacientes com próstatas pequenas, prostatectomias prévias, cirurgia pélvica anterior ou qualquer tipo de câncer da próstata não devem ser submetidos a este tipo de cirurgia.

    Técnica Cirúrgica
     Vantagens e desvantagens
    As vantagens da prostatectomia retropúbica sobre a suprapúbica são:
     melhor exposição anatômica da próstata.
     Visualização direta do adenoma prostático durante a enucleação promovendo completa remoção do mesmo.
     Transecção precisa da uretra distal com menor risco de lesão esfincteriana.
     Visualização de toda a fossa prostática após a enucleação com melhor controle do sangramento.
     Trauma mínimo à bexiga urinária.
    Sua desvantagem se comparada à via suprapúbica é a ausência de acesso à bexiga, que pode ser necessário em alguns pacientes com patologia vesical associada, como divertículos, litíase, trauma prévio ou tumor. Nesta situação, existe a possibilidade de se incisar a cápsula prostática no sentido longitudinal com ampliação até a bexiga (prosttectomia vésico-capsular combinada). Outra variação técnica é a abertura da cápsula prostática em forma de “T” invertido que também propicia acesso a bexiga.

     Anestesia
    Prefere-se a anestesia espinhal ou peridural por propocionar menor perda sanguinea intra operatória e apresentar uma menor incidência de trombose venosa profunda e embolia pulmonar pós-operatória se comparada à anestesia geral. Esta, reserva-se a pacientes que apresentam alguma contra-indicação à anestesia regional ou que a prefiram.

     Posição e preparo
    O paciente é colocado em posição supina com Trendelenburg de 20º que aumenta a distância entre o umbigo e a sínfise pubiana, possibilitando melhor exposição do espaço retropúbico. Meias elásticas são utilizadas para prevenção da trombose venosa profunda. Após assepsia e anti-sepsias rigorosas, faz-se cateterismo vesical com sonda de nelaton nº 14, pois a bexiga vazia facilita o acesso ao espaço retropúbico.

     Incisão e exposição da próstata
    Optamos pela incisão transversa do tipo Pfanestiel, que tem um índice de hérnia incisional pós-operatória menor que a incisão mediana infra umbilical, que também pode ser utilizada. Aprofunda-se a incisão até a aponeurose com hemostasia do tecido celular subcutâneo. A aponeurose é aberta com uso de tesoura do tipo Metzenbaum. O músculo reto abdominal é separado na linha média e a fascia transversalis é cuidadosamente incisada dando acesso ao espaço retropúbico. O peritônio é mobilizado cefalicamente através de dissecção digital. A pelve deve ser cuidadosamente inspecionada. Utiliza-se afastador tipo Millin (3 ramos) para facilitar o acesso à próstata. Os ramos laterais afastam a parede abdominal e o ramo central traciona a bexiga posteriormente e superiormente. Procede-se, então, à hemostasia rigorosa dos vasos do tecido cavernoso periprostático com exposição da cápsula prostática.

     Manobras hemostáticas
    Na técnica de Millin original fazia-se a incisão da cápsula prostática no sentido longitudinal e não era feita nenhuma hemostasia prévia dos vasos da cápsula e nem das artérias prostáticas.
    Previamente à enucleação do adenoma, optamos pelo controle sobre os vasos capsulares e a artéria prostática. As artérias e veias capsulares são ligadas através de sutura transversa na cápsula prostática, utilizando-se 1 a 4 pontos de Catgut cromado 1, reparando-se o ponto central. São dados 2 pontos de Catgut cromado 1, na união vésico-prostática bilateralmente, englobando-se as veias existentes no espaço de Retzius e possivelmente, a artéria prostática. Em pacientes portadores de volumosos adenomas, o desvio lateral dos vasos gera maior dificuldade de se englobar a artéria prostática nos pontos dados na união vésico-prostática. Recentemente, alguns autores têm realizado a cirurgia de Millin obtendo completo controle do complexo da veia dorsal do pênis e dos pedículos laterais do colo vesical, semelhante ao que se faz nas prostatectomias retropúbicas radicais utilizadas para tratamento cirúrgico do carcinoma da próstata preconizada por Walsh. Não utilizamos esta técnica para tratamento do adenoma da próstata em virtude do aumento significativo do tempo cirúrgico e do maior índice de complicações pós-operatórias, incluindo-se a impotência sexual causada por lesão do feixe vásculo-nervoso.

     Enucleação e fechamento da cápsula
    Faz-se inicialmente, uma capsulotomia transversa com bisturi elétrico 2,0 cm distalmente ao colo vesical, num ponto localizado entre os dois reparos das manobras hemostáticas da cápsula. Inicia-se dissecção com tesoura do tipo Metzenbaum até a localização da sonda de nelaton que se encontra na uretra prostática entre os 2 lobos laterais. Introduz-se a extremidade menor de um afastador do tipo Farabeuf no interior do colo vesical; o auxiliary o traciona para cima e para trás, deslocando o colo. A seguir, o lobo médio é tracionado com pinça de Millin, Pozzi ou Museux. Nos casos de ausência de lobo médio (20% dos casos), traciona-se o lábio posterior do colo vesical. Após tração destas estruturas faz-se incisão rente ao lábio posterior do colo e longe dos orifícios ureterais. Para maior segurança desse tempo cirúrgico, pode-se fazer cateterismo bilateral dos ureteres com sonda de nelaton número 4 ou utilizar índigo carmim.
    Inicia-se então, a partir do lobo médio, uma dissecção com tesoura seguida de complementação digital. Os lobos laterais são tratados da mesma maneira, ou seja, iniciando-se com dissecção por tesoura com a finalidade de separar a cápsula do adenoma e abrir espaço para a complementação digital da enucleação. Completada a dissecção dos lobos traciona-se o adenoma, que se encontra preso unicamente à uretra prostática que será seccionada dentro da luz prostática próximo ao ápice e longe do esfíncter, em campo praticamente exangue e com visão quase direta destas estruturas, o que evita de sobremaneira a lesão esfincteriana com posterior incontinência urinária. A seguir, faz-se incisão em forma de “V” no colo vesical e sutura-se o vértice deste triângulo no fundo da loja prostática com fio Catgut cromado 1. esta trigonização evita o ressalto da bexiga para a loja prostática e reduz, consideravelmente, o risco de esclerose do colo vesical. Parte-se então para nova ligadura da artéria prostática, desta vez intraprostática. Dá-se, então, dois pontos laterais no interior da loja com o objetivo de reduzir o seu tamanho e facilitar a hemostasia. Não fazemos hemostasia do coto uretral por eletrocoagulação, pois a presença de uma sonda 24 fr, por si só faz a hemostasia circunferencial do corpo esponjoso da mesma. A introdução da sonda de Folev número 24 fr, 3 vias é feita por vias uretral e o volume do balão é regulado pelo tamanho da loja prostática. O fechamento da cápsula prostática é feito com pontos separados de Catgut cromado 1 em número de 6 a 8. Estes só são atados quando o balão estiver cheio e no interior da loja prostática. O ponto reparado no inicio das manobras hemostáticas dos vasos capsulares propicia um ajuste final dos lábios prostáticos. Após revisão rigorosa da hemostasia é feita a drenagem do espaço de Retzius com dreno tubular número 20 ou 25, exteriorzado por contra-incisão. Nessa mesma etapa, inicia-se irrigação vesical continua com soro fisiológico.

     Fechamento da parede abdominal
    O músculo reto abdominal é aproximado com pontos separados de Catgut O simples. A aponeurose é suturada com pontos contínuos de prolene O e a pele com pontos separados de mononylon 4.0. Faz-se curativo simples local.

     Considerações pós-operatórias
    Faz-se monitorização diária dos débitos da sonda de Foley e do dreno tubular. O gotejamento da irrigação vesical continua é progressivamente diminuído à medida que a urina vai se tornando não hemática. Geralmente a sonda é retirada entre o 5º e 8º dias, com desinsuflação gradual do balão. O dreno, habitualmente, é retirado no mesmo dia da retirada da sonda.

    Resultados
    Os resultados clínicos obtidos com a cirurgia aberta da próstata superam os obtidos com todos os outros métodos de tratamento da hiperplasia prostática benigna, quando se consideram a remissão dos sintomas, o aumento do fluxo e a melhora da qualidade de vida.
    Os dados por nós obtidos não receberam tratamento estatístico convencional, mas, em nossas observações, assemelham-se aos resultados da literatura.

    Complicações
    Quarenta pacientes apresentaram complicações hemorrágicas, sendo que cinco pacientes necessitaram de reintervenção cirúrgica. Vinte e um pacientes apresentam hemorragias de menor porte não necessitando de reintervenção; e quatorze pacientes evoluíram com hematoma no espaço de Retzius cuja conduta adotada também foi conservadora.
    Cento e quinze pacientes evoluíram com incontinência urinária temporária, com duração de 3 a 7 dias em 87 pacientes; e de até 40 dias em 31 pacientes. Foram observados 2 casos de incontinência definitiva, um em um paciente que, na realidade, apresentava adenocarcinoma da próstata e outro em um paciente muito idoso que apresentava uma próstata extremamente volumosa, com importante descompensação do detrusor.
    Foram observados onze casos de fistula urinária com regressão espontânea não necessitando de reintervenção.
    Quatro pacientes desenvolveram estenose de uretra pós-operatória; e dois pacientes desenvolveram esclerose do colo vesical. Esses pacientes necessitaram de reintervenção tardia por via endoscópica.
    Oito pacientes, desenvolveram abscesso de parede com tratamento conservador (drenagem simples + antibioticoterapia).
    Trombose venosa profunda ocorreu em 17 pacientes com embolia pulmonar em três.
    Foram registrados 18 óbitos todos eles por complicações cardiovasculares pós-operatórias. Nenhum óbito ocorreu por complicação da cirurgia propriamente dita.

    Conclusão
    Nesse nosso estudo realizado em 2265 adenomectomias prostáticas pela Técnica de Millin com modificações pessoais importantes, concluímos que:
    a. É a melhor técnica para o tratamento cirúrgico do adenoma da próstata médio e grande.
    b. O controle da hemostasia per-operatória é seguro devido à melhor exposição anatômica da próstata, permitindo um magnífico acesso aos vasos prostáticos, de modo a realizar uma hemostasia prévia quase perfeita e também uma hemostasia excelente da loja prostática após a enucleação do adenoma.
    c. visualização direta e clara do adenoma permitindo uma enucleação calma, segura e completa do mesmo.
    d. A enucleação completa do adenoma devolve ao paciente um jato normal e evita a possibilidade de uma possível reintervenção.
    e. Transecção precisa da uretra ao nível do ápice prostático sem risco de lesão esfincteriana e de estenose uretral, com baixa possibilidade de incontinência pós-operatória definitiva.
    f. Trauma mínimo da bexiga urinária por manter integra sua parede muscular.
    g. Pós-operatório menos doloroso e com menos agitação psico-motora causado, na maioria das vezes, pela desagradável obstrução da sonda por coágulos intravesicais.
    h. Permite-nos uma plástica em “V” do colo vesical com perfeita trigonização de modo diminuir sobremaneira o índice de esclerose de colo.
    i. O baixo índice de complicações desta técnica permite menor tempo de permanência hospitalar com conseqüente diminuição dos custos para o paciente.