Atualização no Tratamento da Leptospirose – Nívia Nohmi – 2005

    Data de publicação: 09/08/2005

    Atualização no Tratamento da Leptospirose

    Acadêmica Nívia Nohmi

    Conferência realizada em 09 de agosto de 2005, na Academia Mineira de Medicina.

    As Leptospiroses são doenças infecciosas na sua maioria de evolução aguda cujo agente etiológico está distribuído em todo o mundo e é a causa em muitos países de epidemias. O agente etiológico é uma espiroqueta entre as quais cerca de 25 a 40 sorotipos são citados na literatura como sendo patogênicas para o homem. As mais comuns são os sorotipos Leptospira icterohaemorrhagiae, L. grippotyphosa, L. canicola, L. pomona, L. sejroe, L. hyos, L. australis A e B, L. ballum, L. bataviae, L. saxkoebing, L. autumnalis, L. hebdomadis, L. pyrogenes, L. bovis entre outras, as mais comumentes encontradas. O agente etiológico atinge animais domésticos e o homem. A sua distribuição no Brasil é conhecida através de pesquisas que vem sendo realizadas principalmente nos estados de São Paulo, Recife e Amazônia. São conhecidos trabalhos de Aragão, Bentes e MacDowell no estado de São Paulo desde 1917.
    Importante estudo retrospectivo é citado por Veronesi, 1954, que inclui pesquisas realizadas por Meira, Corrêa, Forattini, Nóbrega, Magaldi, entre outros. Na Amazônia as pesquisas efetuadas por Corrêa e colaboradores deram início a uma série de trabalhos sorológicos que demonstraram a distribuição das leptospiroses em Porto Velho, entre militares do 5o Batalhão e em habitantes do estado do Acre. No estado do Amapá, Nohmi com a colaboração de Corrêa, Cruz e outros diagnosticou o primeiro caso clínico de leptospirose humana. A infecção foi provocada pela L. icterohaemorrhagiae e estudos epidemiológicos demonstraram a existência de roedores num canal próximo à residência do paciente, como também em depósito de garrafas. Estudos hematológicos em grupos populacionais de Macapá mostraram a infecção em vários deles.
    Corrêa demonstrou a infecção em cães do estado de São Paulo, com vários sorotipos tendo sido encontrada a positividade com as L. icterohaemorrhagiae e L. canicola.
    Em Belo Horizonte, Minas Gerais pesquisas sorológicas em animais, foram realizadas por Mário Barbosa na Escola de Veterinária da Universidade Minas Gerais. Nessa mesma época, Nohmi realizou pesquisas sorológicas (soro-aglutinação) em operários da prefeitura de Belo Horizonte, do setor de água e esgoto, armazém, feiras livres e magarefes, tendo encontrado baixo percentual de positividade, considerando o título a aprtir de 1:200. A mesma autora em pesquisa efetuada em cães de favelas de Belo Horizonte, encontrou cães infectados com a L. grippotyphosa (pesquisa inédita). Pesquisas em Leptospiroses por Nohmi, Sampaio, Roquetti e outros foram realizadas em agricultores de arrozais e cana-de-açucar na Cidade de Montes Claros, estado de Minas Gerais. Maior foi o índice de positividade nesses trabalhadores do que os efetuados em funcionários da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. O baixo índice de positividade encontrado na capital mineira foi atribuído ao clima seco e acidez do solo.
    As formas clínicas das leptospiroses podem ser graves, agudas ou então mais leves, com a possibilidade de regressão e cura. Geralmente são acometidos vários órgãos ou sistemas com manifestações de mialgia intensa, principalmente nas panturrilhas, congestão ocular, icterícia, alterações no sistema urinário, podendo a evolução ocorrer desde o contato com a fonte de infecção. As formas mais graves geralmente mostram comprometimento associado do fígado, baço, sistema circulatório e rins, podendo levar a um quadro de coagulação intra-vascular com êxito letal.
    As fontes de infecção mais comuns são a urina de ratos contaminados, de felinos e cães, gado vacum e outros animais domésticos, sendo que os ratos habitam geralmente as caixas de esgoto, bueiros, terrenos alagadiços, armazéns e feiras livres, como também açougues e peixarias. As urinas contaminadas desses animais em contato com o homem transmitem a infecção cujo período de incubação poderá ocorrer até durante três semanas dependendo da gravidade da forma clínica.
    Os dois últimos pacientes que eu tive a oportunidade de acompanhar merecem uma menção especial, dado ao fato de que um deles, adulto, funcionário estadual, me foi encaminhado ainda “sob diagnose”, e atendido às 16 horas no ambulatório do Hospital “Governador Israel Pinheiro”. O paciente prestou informações seguras sobre seu próprio caso. Mediante ele ter tido contato com esgoto de sua casa levantei a suspeita de se tratar de uma forma clínica de Leptospirose. Foram feitos todos os pedidos de exames ao laboratório de patologia clínica para confirmar ou negar essa hipótese de diagnóstico, e outras, para o diagnóstico diferencial. O paciente foi hospitalizado, mas veio a falecer às 20 horas do mesmo dia, embora eu tenha indicado o tratamento preventivo com antibióticos. A comprovação diagnóstica foi feita com exame positivo de soro-aglutinação.
    O outro paciente destaca-se pela originalidade dos acontecimentos que o levaram ao diagnóstico da infecção. Eu saía de casa para atender ao convite de comemoração de data natalícia de um colega quando o telefone tocou e uma voz aflita pediu-me para atender seu filho que estava com febre alta. A suspeita de que a criança havia sido mordida por morcego, se baseou na existência de outros casos anteriormente conhecidos. A mãe da criança de nove anos, teve receio de que o filho tivesse adquirido raiva. Perguntei-lhe se na casa dela não havia sinal de algum ninho de ratos e se a criança não teria entrado em contato com queijo ou alimentos lácteos similares. A informação inicial era de que não haviam visto ratos na residência. Todavia, perto da casa do paciente havia um “shopping center” que me levou a pensar e insistir na busca de ratos isolados ou ninhadas dos mesmos. Numa segunda informação deu-me a certeza de que a criança tinha fragmentos de queijo na boca. Pedi que verificassem se havia alguma lesão nos lábios da criança, que pudessem sugerir mordida do roedor. O diagnóstico de Leptospirose foi comprovado tendo sido descoberta uma ninhada de ratos no terreiro da casa do paciente.
    É importante fazer o diagnóstico diferencial entre raiva e Leptospirose mediante citações na literatura de transmissão de raiva pela mordida do morcego. É preciso pensar na possibilidade da ocorrência dessas fontes de infecção para se chegar a um diagnóstico. Pesquisa paralela do Prof. Max Chamone Jorge, especialista em pesquisa de morcegos, informou-me de que no mundo existem cerca de 40 espécies de morcegos que podem transmitir a raiva (informação pessoal).
    Se se tratasse de um texto literário, o caso clínico do garoto em apreço, eu o transformaria em crônica, com o título de: “O beijo do rato”.
    O quadro clínico do primeiro paciente aqui resumido realça a importância de se estar atento(a) à gravidade da evolução com êxito letal.
    O tratamento das Leptospiroses exige medidas gerais e específicas, utilizando-se respectivamente medicamentos e antibióticos, medidas de equilíbrio metabólico, função renal, hepática, da coagulação do sangue e outras de ordem geral. O uso de soro específico, anti-leptospira, é medida que ainda não está completamente desenvolvido.
    Com satisfação, gostaria ainda, nessa exposição fazer a minha homenagem aos professores Abdon Hermeto, Mário Barbosa e demais professores da Escola de Veterinária de Minas Gerais que direta ou indiretamente me ofereceram as instalações para a realização das pesquisas em Belo Horizonte. Sou igualmente grata ao grande parasitologista Marcelo Otávio Alvarez Corrêa, com quem estagiei no Instituto Adolfo Lutz, que forneceu-me os primeiros antígenos e acompanhou paralelamente as reações iniciais e favoreceu-me as pesquisas em colaboração no então Território Federal do Amapá, hoje Estado do Amapá.