Anastomosose hipoglosso facial com preservação parcial na paralisia facial periférica hypoglossa – Vinícius Cotta Barbosa – 2010

    Data de publicação: 17/08/2010

    ANASTOMOSE HIPOGLOSSO FACIAL COM PRESERVAÇÃO PARCIAL DO NERVO HIPOGLOSSO NA PARALISIA FACIAL PERIFERICA
    HYPOGLOSSA

    FACIAL ANASTOMOSIS WITH PARTIAL PRESERVATION OF HYPOGLOSSAL NERVE

    Vinicius Cotta Barbosa1
    1 Médico Otorrinolaringologista, especialista pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial.

    RESUMO :
    INTRODUÇÃO: Múltiplas são as funções do nervo facial e a sua paralisia ocasiona enormes conseqüências ao paladar, lacrimejamento, sensibilidade da face, porém, mais graves são aquelas relacionadas aos seus ramos motores, responsáveis pela mímica facial. Nas lesões dos segmentos proximais do nervo, onde as demais técnicas de reanimação do nervo facial não podem ser utilizadas, a cirurgia pode ser realizada usando-se apenas parte do nervo hipoglosso (um terço), conseguindo desta maneira a recuperação dos movimentos da face sem as sequelas da hemilingua. OBJETIVOS: Avaliar os resultados da anastomose hipoglosso-facial na paralisia facial unilateral completa utilizando-se apenas de um terço do diâmetro do nervo hipoglosso em (2) dois pacientes tratados cirurgicamente.

    Avaliar a técnica de secção do nervo facial a partir do segmento timpânico e desta maneira obter o tronco do nervo facial mais longo tornando mais fácil sua aproximação ao funículo do nervo hipoglosso na região cervical. MÉTODO: Dois pacientes, um do gênero masculino e outro do feminino, com paralisia facial periférica completa unilateral foram avaliados. Os pacientes foram classificados antes da cirurgia, conforme o grau da paralisia, de acordo com a escala de House-Brackmann (H.B). O nervo facial paralisado é dissecado desde o segmento timpânico até o forame estilomastóideo por meio de uma mastoidectomia e dissecção cervical para expor o nervo hipoglosso ipisilateral acima da alça descendente. O nervo facial é mobilizado para a região cervical e seu tronco seccionado 3 mm menor do que sua bainha e neste pequeno nicho criado o funículo do hipoglosso é colocado facilitando assim a aproximação e a fixação da anastomose com auxilio da cola de fibrina. Após a cirurgia todos foram encaminhados a fisioterapia. RESULTADOS: Os dois pacientes apresentaram melhora após 1 ano utilizando-se a classificação de H.B. A paciente do gênero feminino foi avaliada após 6 meses e apresentava sinais de melhora e após 14 meses classificada como grau III. O outro foi classificado como grau IV. Não houve atrofia da hemilíngua em nenhum deles. CONCLUSÕES: A reanimação do nervo facial por meio da anastomose hipoglosso termino-terminal com a técnica descrita permitiu uma melhor mobilização do coto do nervo facial e um resultado satisfatório na motricidade da face paralisada e pela ausência de seqüelas na hemilíngua.

    SUMMARY
    INTRODUCTION: Multiple are the facial nerve functions and its paralysis give rise to huge consequences to the taste, tears and face sensibility. Nevertheless, the most serious consequences are those related to the motor branches, responsible for facial mimicry. In lesions of the nerve’s proximal segments, where other techniques of facial nerve reanimation cannot be used, surgery may be performed by using only part (one third) of the hypoglossal nerve, thus making it possible to recover facial movements without hemilingual sequelae.
    OBJECTIVES: To evaluate the results of hypoglossal-facial anastomosis in complete unilateral facial paralysis by using only one third of the hypoglossal nerve diameter in two surgically-treated patients. To evaluate the nerve dissection technique starting at the tympanic segment, thus obtaining a longer facial trunk, which makes its anastomosis with the hypoglossal nerve in the cervical region easier.
    METHODS: Two patients, one male and one female, both with complete unilateral peripheral facial paralysis, are evaluated. By using the House-Brackmann (HB) grading system, the patients were classified prior to the surgery according to the paralysis grade. The paralyzed facial nerve is dissected from the tympanic segment to the stylomastoid foramen through mastoidectomy and cervical dissection, in order to expose the ipsilateral hypoglossal nerve over the descending branch. The facial nerve is mobilized to the cervical region and its trunk suffers a cut which is 3 mm smaller than its sheath. In this newly created small niche the hypoglossal funicle is placed. Fibrin glue is used to achieve good anastomosis fixation. After the surgery, the patients were sent to regular facial rehabilitation.
    RESULTS: Through HB grading system, both patients showed improvement after one year. The female patient was evaluated after six months, showing improvement signs. After fourteen months she was classified as grade III. The other patient was classified as grade IV. None of them had hemilingual atrophy.
    CONCLUSIONS: Facial nerve reanimation through terminal hypoglossal-facial anastomosis, as described here, allowed for a better facial nerve mobilization and a satisfactory result regarding facial movements. This was achieved without hemilingual sequelae.

    Palavras Chaves: Paralisia Facial, Nervo Facial, Nervo Hipoglosso.
    Key Words: Facial Palsy, Facial Nerve, Hypoglossal Nerve.

    INTRODUÇÃO

    O nervo facial é responsável pela inervação motora da musculatura da face além dos músculos estilohioideo, estapédio e do ventre posterior do digástrico. Sendo um nervo misto leva também as fibras parassimpáticas pré-gangliônicas (às glândulas lacrimal, submaxilar, submandibular, sublingual e seromucosas nasais), fibras aferentes responsáveis pelo paladar nos dois terços anteriores da língua, fossa tonsilar e o palato. Finalmente a propriocepção aferente da musculatura da face assim como da pele do conduto auditivo externo e pavilhão auricular.

    A perda destas funções, em especial dos movimentos da face, levam a problemas sociais e psicológicos importantes para estes pacientes. A reconstrução anatômica do facial pode ser necessária após a remoção dos grandes tumores do ângulo pontocerebelar, do osso temporal ou em determinadas lesões deste relacionadas ao traumatismo do temporal. As técnicas cirúrgicas usualmente empregadas na recuperação dos nervos periféricos como a anastomose término-terminal, o re-routing (mudança de trajeto) ou o enxerto autógeno nem sempre são possíveis de serem utilizadas nas lesões do facial intratemporal ou na fossa posterior. O encontro do sétimo nervo, em especial do seu coto proximal, é sempre uma tarefa árdua e de risco em virtude da fibrose que se instala nas proximidades do tronco encefálico. Esta é a situação para a qual se propõe a anastomose do facial a outro nervo craniano, ou a transferências do nervo facial contra lateral (cross-face) ou ainda as transposições musculares.

    A primeira tentativa de anastomosar o nervo facial a outro nervo periférico foi feita por Drobnick1 em 1879 quando usou o nervo acessório. Ballance2, em 1895 propôs a utilização do nervo hipoglosso e em 1901, Karte3 relatou o uso do nervo hipoglosso em uma anastomose com o facial. Conley4 divulgou esta técnica apesar das críticas a ela imposta. A anastomose entre o nervo hipoglosso e o nervo facial está entre as mais descritas, apesar das críticas imputadas á atrofia da hemilíngua4,5, Figura 1.
    Tão importante como recuperar a atividade motora da face com a anastomose hipoglosso-facial é a necessidade em minimizar ou evitar as sequelas ligadas à atrofia da hemilíngua após a secção do nervo hipoglosso. Com este objetivo surgiram trabalhos como os de May6, Cussimano7, Sawamura8. Entre nós Bento9 sugere que a anastomose seja feita com o funículo posterior do nervo hipoglosso. Todos estes autores tiveram como objetivo preservar o nervo hipoglosso, ainda que parcialmente.

    FIGURA 1: Anastomose clássica hipoglosso-facial.
    OBJETIVOS
    Avaliar os resultados da anastomose hipoglosso-facial por meio da utilização de um terço ou um pouco mais do diâmetro do nervo hipoglosso em 2 pacientes tratados cirurgicamente.
    Avaliar a técnica de dissecção do nervo facial a partir seu segmento timpânico obtendo assim maior comprimento o que facilita a anastomose com o nervo hipoglosso na região cervical.

    CASUÍSTICA E MÉTODOS

    Foi realizada a avaliação dos resultados da anastomose hipoglosso- facial: hipoglosso funicular termino-terminal em 2 pacientes. Um do gênero masculino com 46 anos submetido a cirurgia de exérese de Schwanomma Vestibular, via fossa posterior, com secção per operatória do nervo facial e permanecendo a paralisia facial grau VI. A outra paciente do gênero feminino com 40 anos de idade foi submetida a remoção parcial de Schwannoma Vestibular e posteriormente ao receber tratamento complementar com radioneurocirurgia, alem de outros problemas neurológicos, apresentava paralisia facial periférica unilateral de grau VI. A paralisia facial de ambos tinha duração maior que 6 meses quando foram operados.

    DESCRIÇÃO DA TÉCNICA

    A via de acesso foi retroauricular seguida de mastoidectomia com dissecção do nervo facial desde o seu segmento timpânico até o forame estilomastóideo. O autor sugere que se procure seccionar o mais proximal possível o nervo facial, em seu segmento timpânico, para se obter um coto mais longo que permita melhor mobilização para a anastomose com o nervo hipoglosso. A incisão retroauricular é então estendida para o pescoço onde o nervo hipoglosso ipsilateral é identificado acima da alça descendente, bem próximo à segunda vértebra cervical, onde ele é mais espesso o que facilita este tipo de anastomose. O coto distal do nervo facial, já preparado, é mobilizado para junto do nervo hipoglosso e o seu tronco cortado 3 mm menor do que sua bainha, criando desta forma um pequeno nicho onde o funículo do hipoglosso é colocado facilitando a aproximação término-terminal. O coto do nervo facial e o funículo (aquele um terço retirado do hipoglosso) ficam bem alojados no nicho criado com a bainha do facial e a anastomose termino-terminal é finalmente fixada com a cola de fibrina. Após a cirurgia os pacientes foram encaminhados para tratamento fisioterápico. Figuras 2A, 2B, 2C

    e 3.

    FIGURA 2A: O nervo facial é seccionado no segmento timpânico e mobilizado para a região cervical para a anastomose com a parte (um terço ou um pouco mais) do nervo hipoglosso.

    FIGURA 2B e C: Maior aumento, mostrando anastomose do nervo facial com parte do nervo hipoglosso. O tronco do facial cortado menor e sua bainha aberta para receber o nervo doador. Esquema da anastomose onde se percebe a importância da bainha do facial protegendo e permitindo melhor fixação dos cotos.
    FIGURA 3: Anastomose hipoglosso-facial, com preservação parcial do nervo hipoglosso.

    RESULTADOS:
    A paciente do gênero feminino entre 5 e 6 meses já apresentava sinais de reinervação motora e aos 18 meses classificada entre os graus II e III da escala H.B. O paciente do gênero masculino foi classificado como de grau IV após 12 meses.
    Em todos a funcionalidade da língua foi preservada.

    DISCUSSÃO

    Quando não é possível se aplicar as técnicas clássicas de recuperação da anatomia e consequentemente das funções do nervo facial, vários procedimentos cirúrgicos têm sido propostos. Autores como Cusimano7, admitem uma melhor compatibilidade neural quando se usa o nervo hipoglosso, pois, este teria maior similaridade funcional com o nervo facial. A mastoidectomia de rotina é realizada seguida da exposição do facial desde o inicio do segmento timpânico onde este é secionado e posteriormente liberado dos ligamentos que o envolve ate sua bifurcação. A incisão retroauricular é estendida ao pescoço onde o nervo hipoglosso ipsilateral é exposto e seu epineuro aberto para a escolha da área doadora, ou seja, o funículo criado para a anastomose. A bainha do facial é aberta em 3mm da sua a extremiddade distal para receber o funículo do nervo hipoglosso escolhido para anastomose funicular termino-terminal e fixados com auxilio da cola de fibrina. É importante lembrar que alguns pacientes apresentam paralisia facial bilateral, ou déficits neurológicos com o IX, X ou ainda com o XII par craniano do lado oposto onde à necessidade em preservar o nervo hipoglosso, ainda que parcialmente, torna-se fator decisivo e neste aspecto esta técnica cirúrgica se distingue das demais. Críticas a anastomose parcial hipoglosso-facial são feitas, porém, Cusimano7 estimulou as fibras restantes do
    hipoglosso durante o ato cirúrgico e considerou muito boa a resposta obtida no momento do estímulo bem como mais tarde observando-os após um ano ou mais da cirurgia.
    Os trabalhos de Ballance e Conley, entre outros, defendendo a anastomose clássica hipoglosso-facial são aceitos, entretanto, o objetivo deste estudo foi demonstrar a possibilidade de se usar apenas parte do nervo hipoglosso na anastomose com o nervo facial e assim procurar recuperar os movimentos da face preservando a motricidade da hemilingua.
    Nesta casuística a técnica utilizada permitiu maior facilidade na realização da anastomose e na reabilitação tardia.

    CONCLUSÃO

    Os pacientes apresentaram melhora satisfatória quando avaliados pela classificação HB após 12 meses.
    A reanimação do nervo facial por meio da anastomose hipoglosso-facial: termino-terminal com a técnica descrita permitiu melhor mobilização do nervo facial e resultado satisfatório na motricidade da hemiface paralisada com preservação da função motora da hemilíngua.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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