Um século sem Cícero Ferreira: nota da família

    A família de Cícero Ferreira, agradecida e representada por seu neto Carlos Eduardo Ferreira, membro desta Academia, cumprimenta-a e a todo o seu Corpo Acadêmico, através de seu presidente Walter Pereira, pela comemoração que fazem pelo decurso, em 14 de agosto deste 2020, do centenário de seu falecimento, ocorrido em Belo Horizonte.

    Por coincidência, o trabalho hercúleo desenvolvido por Cícero Ferreira para enfrentar a epidemia da Gripe Espanhola aparelhando os hospitais, transformando em hospital de campanha a própria Escola de Medicina por ele fundada e já em funcionamento, ministrando e divulgando exaustivamente recomendações para os cuidados profiláticos e para o tratamento dos infectados com sintomas leves em suas próprias casas e se deslocando ele próprio para as fronteiras ferroviárias de Minas com São Paulo e Rio para conter o acesso de doentes ao Estado, tem sido muito lembrados, pelo seu pioneirismo, nestes tempos modernos de pandemia. As preocupações de hoje, com muito mais recursos, foram as mesmas de Cícero Ferreira há cem anos atrás, a grande diferença – enfrentou-a sozinho e foi o responsável pelo sucesso ou insucesso tendo sido Minas um caso exemplar.

    Ao comemorarmos esse primeiro centenário de seu falecimento, nada melhor do que invocar a sua vida na Belo Horizonte que nascia em 1887, sua dedicação e cuidados com a população do Curral Del Rey e com a que chegava para a povoação da nova capital de Minas.

    Concentrou seus maiores esforços para transformar Belo Horizonte num importante Centro Médico, e para isso, além de fundar hospitais, aplicou seu talento na fundação, construção e pleno funcionamento da Faculdade de Medicina, a terceira do Brasil, antes mesmo que São Paulo e sonho dos Inconfidentes de 1789.

    Dedicou sua vida ao próximo e onde existisse algum doente, sem exceção nenhuma, lá estava ele. Viveu de maneira simples para fazer o bem ao próximo.

    O maior tributo que colheu, e que é para um médico a maior distinção, é ser o Patrono desta casa – A Academia Mineira de Medicina.

    Em vida dispensou homenagens, mas morto foi o único mineiro até agora que fez jus a um decreto de luto oficial por oito dias, com as bandeiras em todo o Estado a meio pau.

    Teve hospital com seu nome, mas que o progresso urbano e imobiliário levou. Rua, apenas uma de 3 quarteirões, que dividiu em duas partes o terreno de sua chácara na Serra. Essa cidade, que foi sua filha e da qual foi Prefeito e Presidente do Conselho de Desenvolvimento Municipal por muitos anos, está a dever-lhe uma homenagem, de que é credora também esta Academia, por tê-lo como Patrono.

    Doente e acamado, já tendo ele próprio avisado aos familiares e amigos de sua partida próxima, o meio médico e oficial já esperava por sua morte a qualquer momento, mas quando aconteceu, a grande surpresa veio pelo levante em lágrimas e tristeza de toda a população de Belo Horizonte que acorreu em massa às ruas, disputando espaço para o último adeus ao médico e amigo que em vida a todos atendeu.

    Não sobrou nenhuma flor em qualquer jardim público ou privado da cidade. Todas acompanharam o Doutor Cícero.

    Dois magníficos discursos foram proferidos, o primeiro na Faculdade de Medicina, onde se viam os chefes dos governos estadual e municipal, senadores, deputados, altos funcionários e muitas outras pessoas, proferido pelo professor Doutor Mello Teixeira, do qual destacamos:

    “ E ontem, quando pelos quatro ângulos da cidade reboou a nova sinistra, a consternação foi geral. Não só dentro desta Escola, no circulo dos seus collegas e companheiros de lucta, no seio de seus discípulos, mas em todas as camadas sociais – que o admirava e bem queria – foi grande e irreprimível a emoção sentida.

    Sobre o seu féretro cahem as lágrimas sinceras, não de uma classe de que elle era tulgido expoente, mas de uma sociedade inteira que perde, com sua morte, um dos seus elementos de maior lustre.”

    E já no cemitério o acadêmico Mário Mendes Campos, emocionado, discursou:

    “ O pranto que nos brotou dos olhos, ou ficou retido no recesso íntimo das nossas almas, é bem o justo reflexo da nossa dor, diante do tremendo golpe do destino que nos feriu, roubando à direção da Faculdade de Medicina, à ciência médica do Brasil e à sociedade de Belo Horizonte, o eminente mineiro dr. Cícero Ferreira.

    Na personalidade do nobre morto, a cujos pés lançamos hoje a nossa última homenagem, confluíam os mais distintos predicados que podem, nesta transitória travessia humana pelo planeta, engrandecer e glorificar as almas superiores, na mais alta consciência de sua finalidade biológica.

    Na sua individualidade refulgiam as virtudes cívicas, as mais nobres e ativas, os dotes morais, os mais exemplares e dignos, a capacidade científica, a mais sólida e variada.

    Civismos, moral, cultura – eis a tríade nobilíssima e gloriosa que o armaram cavaleiro, de viseira erguida, na execução da sua cintilante trajetória na vida, que ele tanto honrou, porque, senhores, o problema da finalidade moral da espécie humana, deveria, em suma, resumir-se na avaliação dos seres que honraram a vida e foram dignos dela.”

    A família, hoje somando mais de 1.300 integrantes, agradece à Academia Mineira de Medicina.