Um mistério chamado coronavírus

    Por EVALDO D’ASSUMPÇÃO – Médico e Escritor – 13 de maio de 2020

    Formei-me em medicina há 56 anos, numa época áurea da Faculdade Federal de MG. Não lhe faltavam recursos, e o corpo docente era da melhor qualidade. Passadas as cadeiras básicas e entrando nas matérias clínicas e cirúrgicas, tivemos os médicos mais respeitados e ilustres dos anos 50 e 60, como professores catedráticos e professores assistentes. E ainda não sendo hábito começar especializações precocemente, todos nós nos formávamos Médicos (com letra maiúscula, mesmo!), bem capacitados para o exercício profissional em qualquer parte do país. Faço esse preâmbulo para explicar porque, mais de meio século passado, eu e meus contemporâneos de Faculdade ainda nos sentimos capacitados para conversar sobre qualquer especialidade – não como especialistas formados e atualizados – mas como conhecedores da arte hipocrática em sua extensão e essência. Devemos isso a um censo crítico bem burilado, suficiente para avaliar em seus aspectos gerais, essa pandemia chamada COVID19 (corona virus disease, 2019 = doença causada pelo novo coronavírus surgido no ano de 2019).

    Doença que vem acompanhada de mistérios tais, que nem Sherlock Holmes, ícone dos detetives, se renascido, conseguiria decifrá-los todos. Senão, vejamos.

    O primeiro mistério é a sua origem. Tudo leva a crer que foi na cidade chinesa de Wuhan, havendo quem considere que teria surgido num mercado de animais exóticos para alimentação, mais especificamente em morcegos. Outros acreditam que se trata de uma nova forma de um vírus antigo (por isso é chamado de “novo coronavírus”), modificado em laboratório dessa mesma cidade. Alguns afirmam que estava sendo estudado por uma pesquisadora chinesa, enquanto outros asseguram ser uma arma bacteriológica que estava em desenvolvimento nesse mesmo laboratório, e que por falha de segurança escapou, dando início à pandemia que hoje inferniza o mundo. Essa hipótese faz parte de uma mais ampla “teoria da conspiração”.

    O segundo mistério, que se desdobra em miríades de outros, é o como lidar com ela, como erradicá-la. Sobre isso existem tantas teorias, condutas e questionamentos, quantas são as estrelas no céu. Nessa moderna Torre de Babel, mais parecida com um ringue de luta-livre, onde diversos competidores, movidos pela vaidade, pela ganância, pelo auto endeusamento, ou por interesses políticos, trocam sopapos, chutes, e outros golpes, tão baixos quanto suas motivações. Nela, aparecem os mais variados esquemas terapêuticos, remédios milagrosos e outros, já conhecidos há décadas, cujo custo é tão baixo que não estimula os grandes fabricantes a produzi-los em larga escala. Além disso, costumam ser execrados por “abalizadas” opiniões de mestres, doutores e pesquisadores, alguns questionando sua eficácia, outros ressaltando seus efeitos colaterais (que, curiosamente, antes nunca foram obstáculo ao seu uso eficiente para outras doenças, ainda comuns em vários países). Nesse vácuo que criaram, acenam com novas drogas e vacinas que estariam sendo desenvolvidas, obviamente a custos astronômicos, e futuros lucros estratosféricos. Outro mistério é o fato de que milhares de pessoas têm sido curadas com os medicamentos existentes, mas até hoje não conseguiram estabelecer um protocolo para ser amplamente divulgado e utilizado em todo país. No que diz respeito a equipamentos, multiplicam-se as demandas por respiradores, que também por razões misteriosas, têm seu custo variando entre 20 a 300 mil reais, conforme quem os compra. Essas aquisições são feitas pelo governo de alguns Estados, sem qualquer licitação ou critério bem embasado, aproveitando-se o Estado de Calamidade decretado no país. Medida oportuna para essa orgia de compras, justificada pela urgência de se ter mais e mais equipamentos. Imagino que, controlada a doença, o Brasil será um dos países com maior número desses respiradores…

    E o tal do Distanciamento social, Isolamento social, Confinamento em casa, Quarentena, dê-lhe o nome que quiser? É mais um mistério, sendo uma ilusão que se finge ser verdade. Refiro-me à realidade das comunidades de periferia, onde um ou dois cômodos abrigam diversas pessoas. O distanciamento possível será de centímetros… E as cracolândias? E as cadeias e presídios? Alguém acredita em isolamento nesses locais? Outro mistério, é o fato de que as estatísticas (que tanto apraz aos intelectuais) como mostrou o governador de Nova York, que 66% dos hospitalizados com COVID19 estavam em rigoroso confinamento domiciliar. Os demais, não estavam submetidos a essa tortura. Surge então mais um mistério a ser solucionado: descobrir o que causará mais mortes, se a epidemia sem o confinamento, ou se os surtos psicóticos, os suicídios, a violência doméstica, a falta de dinheiro para comprar alimentos, a fome, o desemprego, e tantos outros efeitos colaterais dessa prisão domiciliar. Que, venhamos e convenhamos, não é respeitada por quase metade da população.

    Outro aspecto revestido pela negra capa dos mistérios, são as estatísticas, tanto na demonstração dos casos detectados, como das mortes ocorridas, e a previsão das que irão acontecer. O mais impressionante são as curvas “exatas” de evolução de todo o processo para a população de cada localidade, de cada país, e até do mundo inteiro. A “precisão” dessas estatísticas, dos “picos” (sempre mudando…) e de suas curvas polêmicas, espanta-me como um médico dos anos 60, onde a medicina raramente era praticada com números. Afinal, infinitamente mais importantes eram o instinto médico e a avaliação clínica, onde pesavam mais as qualidades do profissional, sua sensibilidade, sua percepção acurada dos sintomas e da evolução do enfermo, para se fazer o diagnóstico, estabelecer a terapêutica e prever, sem máquinas de calcular, seu prognóstico: a cura, ou o óbito. Hoje, um neomédico, sem máquinas, pouco faz…

    Óbitos, nessa pandemia constituem outro mistério insondável. Em várias cidades já se antecipam a abertura de sepulturas, ou a prefeitura compra centenas de caixões com dinheiro público, com base nas perspectivas estatísticas de morte. Jornais de Belo Horizonte, de 29 de abril pp. davam conta de que o prefeito da Capital mineira estava abrindo, preventivamente, 1.900 covas. No entanto, treze dias passados os jornais de hoje apontam, em BH, 979 pessoas contaminadas, e 26 mortes pela doença. Volta e meia fica-se sabendo que há lugares onde, havendo leve suspeita da presença do coronavírus, todas as mortes ali ocorridas são registradas como “óbito por COVID19”, ampliando as mórbidas estatísticas, talvez para justificar a gravidade da pandemia. Claro que com fortes motivações políticas. Já ironizam dizendo que se alguém morrer atropelado, fulminado por uma bala ou um punhal, se estiver com um mínimo sinal desse vírus, vai para a sua estatística. Parece que ainda não se sabe distinguir o que é a morte ocorrida pela COVID19, e a morte ocorrida numa pessoa em que se detectou o coronavírus.

    O pior de tudo isso, é a proibição de velórios, do sepultamento com a presença de familiares. Coisa absolutamente necessária para se estabelecer o processo de elaboração do luto. Mas isso será assunto para um próximo artigo.