MORTE E LUTO NAS GRANDES CATÁSTROFES (Parte 2)

    or Evaldo D´Assumpção (*) – Médico e Escritor – 25-maio-2020

    Prosseguindo em nossas considerações sobre esses dois temas tão presentes nos dias atuais, vamos completa-las abordando a questão do LUTO. Palavra derivada do latim luctus = dor, mágoa, lástima, define um conjunto de alterações emocionais, físicas e espirituais, consequentes a uma perda significativa. Geralmente é relacionado somente com a morte de uma pessoa querida, contudo ele existe toda vez que perdemos alguma coisa ou pessoa pela qual temos grande estima. Um emprego, um objeto, uma propriedade, etc. Como a morte é, a maior perda que podemos ter, é por ela que passamos o processo do luto em sua maior complexidade. Conseguindo lidar e superar o luto pela morte de uma pessoa querida, com certeza aprenderemos também a lidar com as demais perdas pelas quais passamos em nossa vida, não relacionadas com o falecimento de alguém querido. Nesse artigo, trataremos somente da morte.

    Dizemos que o luto é um processo natural e necessário em todas as perdas, pois é através dele que iremos retomar o fluxo normal de nossa existência, por vezes interrompido de modo súbito e até brutal, deixando-nos a dolorosa sensação de que nossa vida já não tem sentido, que a dor que estamos sentindo será interminável. É claro que, dependendo da ligação que se tinha com a pessoa falecida, essa sensação será maior ou menor, e quanto maior, mais acentuada será a convicção de que não se voltará a ser feliz. Contudo, como já afirmamos, nada nem ninguém é permanente na realidade em que vivemos, nada permanece para sempre. Exceção se faz quando nos acomodamos nessa dor, nada fazendo para superá-la. Pelo contrário, há até quem procure conservá-la, recusando qualquer ajuda para elaborá-la. Isso acontece mais frequentemente com pessoas que têm o que chamamos de “ganhos secundários” com aquela situação. Como, por exemplo, quem já se sentia muito só, sem ter apoio de familiares ou amigos, percebe que, com a morte de uma pessoa com quem era muito ligada, passou a receber visitas e apoio de parentes e conhecidos. Imaginando que se o sofrimento que expressa com choros e lamentações, deixar de existir, ela poderá perder o apoio que está recebendo, nada fará para superá-lo. Conseguindo o seu objetivo – que pode ser até inconsciente – de conservar aquele apoio através de seu pranto, ela o manterá. Todavia, ninguém aguenta ficar muito tempo com pessoas lamurientas, e chegará um dia em que ela se verá novamente solitária, nada mais adiantando seus lamentos. Mesmo que agora sejam autênticos.

    Já quem deseja realmente ter a sua dor atenuada, ou até extinta, certamente encontrará ajuda para essa tarefa. Menos árdua quanto maior for a vontade de se livrar desse sofrimento, pois hoje existem ótimos profissionais especificamente preparados para essa tarefa.

    Muitas pessoas acreditam, e até afirmam, que não quer trabalhar seu luto, pois jamais irá esquecer a pessoa amada que perdeu. Todavia, essa é uma forma errônea de entender o que é a elaboração do luto. Na verdade, o que se trabalha não é o esquecimento da pessoa querida, o que seria absurdo, e até impossível. Seu objetivo principal é transformar uma saudade dolorida, numa lembrança gostosa, onde a pessoa se recorda daquela que partiu, com amor, e não com sofrimento. Sem a sensação de que a vida dos que ficaram, tornou-se sem sentido. Nossa vida jamais perde seu sentido, pois ele está em nós mesmos, e não em outras pessoas, por mais querida que elas sejam. Deixar de viver, não querer ser feliz, porque alguém de quem ela gostava muito, já não está a seu lado, é ignorar que a nossa vida tem sentido por si mesma. Se assim não fosse, os anos em que vivemos sem ter aquela pessoa ao nosso lado, teriam sido totalmente inúteis. Ela pode ter enriquecido nosso viver, não mais do que isso. E, com certeza, outras pessoas, se lhes dermos oportunidade, poderão se tornar igualmente importantes para nós.

    O luto vivenciado adequadamente, dura geralmente dois anos, dependendo de sua intensidade e do trabalho feito para elaborá-lo. Em nosso livro “LUTO”, detalhamos como fazer esse trabalho, que geralmente se inicia no próprio momento do óbito, quando ele ocorre de forma imprevisível. Para as mortes já pressentidas, o luto se inicia quando é recebida a notícia da inviabilidade da recuperação daquela pessoa. A esse luto chamamos de premonitório, e ele suaviza o impacto da morte da pessoa querida. Mas, sua elaboração mais intensa, tem início no velório. Por isso, é totalmente inadequado não se permitir o velório por parte dos familiares. Será roubar deles, absurdamente, um momento fundamental no doloroso processo de perda.

    O velório não pertence a ninguém, senão aos familiares e amigos mais chegados, e será desumano privá-los desse momento onde a dor se faz mais intensa, e em que se inicia a elaboração de sua superação. Estudos mostram que o luto de quem não participou do velório da pessoa amada, é bem mais demorado e tem seu sofrimento ampliado. Pela mesma razão, sempre orientamos às pessoas que assistimos, a não idealizar seu próprio velório, deixando tarefas, às vezes dificílimas e onerosas, para os sobreviventes atenderem seus projetos e fantasias. Quem morre, não estará em seu próprio velório, pois já pertencerá a uma realidade totalmente distinta. Sendo assim, que ele deixe os que irão vela-lo decidirem onde e como irão fazê-lo. Pois, salientamos, ali começa uma jornada árdua, mas muito necessária, para que os sobreviventes continuem como tal, elaborando o luto e assim superando a grande dor da perda.

    No caso de mortes por doenças contagiosas, cabe às empresas funerárias e às autoridades competentes, criarem situações adequadas para que os velórios possam ocorrer sim, todavia sem colocar em risco os que ali estiverem. Mas jamais impedindo esse momento que é vital para os familiares e amigos mais chegados.

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    (*) – Autor dos livros: “Sobre o viver e o morrer” (2011) e “Luto – como viver para superá-lo” (2018) – Ambos da Ed. Vozes, Petrópolis.