Artigo: Acadêmico Carlos Eduardo Leão – “Carta aos belgas”

    Carta aos belgas

    Prefiro nem imaginar o que a vitória sobre vocês e uma possível chegada ao hexa poderiam determinar para o nosso futuro como pátria e nação.

    Por Carlos Eduardo Leão*

    Meus caros e competentes belgas,
    Preferi esperar para escrever essa carta pois sei como são essas comemorações e vocês não teriam tempo de lê-la. Ressaca é “Flórida”!
    Confesso que estou triste. Preferia ter ganho de vocês e avançado na Copa. Queria jogar com a França, vingar-nos dos 3 a 0 de 1998, chegar à final e conquistar o hexa, de preferência sobre a Inglaterra para, igualmente, vingar-nos de 1966, quando fomos eliminados na primeira fase, um vexame histórico! Seria um prêmio para todos nós povo, sofrido, enganado, açoitado, roubado, aviltado, desesperançado em nossas convicções e entendimento pátrios. Merecíamos essa alegria, mas o Brasil não merecia. Portanto, permitam-me começar novamente esta carta.
    Meus caros e competentes belgas,
    Muito obrigado pelo acontecido. Passamos a ter uma dívida de gratidão com a derrota que vocês nos impuseram com tanta garra e determinação. Prefiro nem imaginar o que a vitória sobre vocês e uma possível chegada ao hexa poderiam determinar para o nosso futuro como pátria e nação.
    Estaríamos entorpecidos pelo nosso ópio natural, o futebol. Esqueceríamos, sei lá por quanto tempo, os gravíssimos problemas que nos assolam e nos aproximam de uma sarjeta irreversível, impulsionados pela corrupção, pelos desmandos e pelas oportunistas e despudoradas inversões de conceitos políticos e jurídicos nos três poderes que escoram a democracia.
    Não teríamos outro assunto a não ser as deliciosas peripécias, rolamentos e penteados do “menino” Neymar, o lindo exemplo do Jesus favelado, da beleza rosácea de Alisson e da competência de Tite, possível presidenciável na corrida eleitoral vindoura.
    Obnubilada pelo “ópio”, uma perigosa maioria nem lembraria que Dirceu está solto e que outros condenados em segunda instância poderão ter o mesmo destino. Pode soltar, somos hexa! Obnubilada pelo “ópio”, uma perigosa maioria nem notaria ou não importaria com as pesquisas eleitorais manipuladas, viciadas e dirigidas pelos interesses espúrios que enganarão novamente o povo. Pode enganar, somos hexa! Obnubilada pelo “ópio”, uma perigosa maioria não atentaria para o escárnio representado por determinadas candidaturas de condenados, impedidos e indiciados pela lei e ética, até então presumivelmente eternas. Pode debochar, somos hexa!
    Portanto, meus caros belgas, vocês permitiram que uma brasileira, Martha Medeiros, enxergasse na nossa derrota que “colocar nossas esperanças nos pés de alguns atletas ao invés de nas mãos de quem conduz o país é um verdadeiro desastre, uma inversão total de valores, pois só deixaremos de ser o fracasso que nos constituímos a partir das próximas eleições e não pelo hexa de Moscou”. Enxergamos, com a oportuna derrota, que o “circo” acabou. A Seleção Brasileira perdeu e tudo voltou ao normal: 14 milhões de desempregados, 90 mil assassinatos por ano, milhares de mortes nas filas de hospitais e, entre tantas outras mazelas, um dos países mais corruptos do mundo e o mais tributado da Terra.
    Se vocês, amigos da Bélgica, conseguirem, com os 2 a 1 de Kazan, que mantenhamos aceso, até outubro próximo, este mesmo patriotismo demonstrado em Moscou, poderemos escolher uma outra seleção que, mais que levantar uma taça de hexa, erga todo um país para que, num futuro próximo, ganhemos as Copas da educação, da saúde, da segurança, do emprego, da moral e da ética. Na minha conta, seis Copas, portanto, hexa!
    Muito obrigado, Seleção Belga. Torço por vocês.

    *Carlos Eduardo Leão é cirurgião plástico e cronista.

    Extraído do site “Dom Total”, do dia 10/07/2018
    http://domtotal.com/noticia/1274756/2018/07/carta-aos-belgas/