Pensamento Cívico e Filosófico dos Grandes Líderes da Democracia – José Bento Teixeira de Salles

    Doutor José Bento Teixeira de Salles

    “Pensamento Cívico e Filosófico dos Grandes Líderes da Democracia”.

    Pronunciamento do Doutor José Bento Teixeira de Salles sobre o Governador Milton Campos em 23 de setembro de 1995.

    Poucos homens públicos mineiros deste século alcançaram as culminâncias do pensamento cívico e filosófico do eminente líder democrático Milton Soares Campos.
    Para melhor compreender sua posição como defensor autêntico da liberdade e da justiça, é oportuno situá-lo no tempo e no espaço. Nascido no dia 16 de agosto de 1900, viveu durante o fastígio do liberalismo que, partindo de revolução industrial inglesa, invadira todos os países. Ao mesmo tempo, criando seus próprios algozes, o liberalismo forjou também uma geração contestadora, que buscava traçar rumos diferentes na árdua caminhada para o futuro.
    Entre nós, Milton Campos integrou essa geração atormentada, participando do grupo que, em Minas, deu ressonância ao movimento modernista de São Paulo, Identificados os dois movimentos embora praticamente estanques, nos mesmos ideais de um mundo novo e progressista.
    Enquanto isso, com base no pensamento marxista e, por outro lado, em exacerbado nacionalismo, crescia a tendência totalitária, aproveitando-se dos equívocos e acomodações da burguesia dominante. A certa altura, o nazi-fascismo e o comunismo se identificavam, confirmando o velho aforismo de que os extremos se tocam.
    Neste quadro do pensamento político da primeira metade do século, o democrata Milton Campos situa-se na “difícil posição do meio termo”, entre o liberalismo burguês e as ascendentes forças totalitárias.
    Essa posição do meio termo, aliás, seria uma constante no pensamento político do ex-governador de Minas.
    Aristóteles, em sua “Ética a Nicômaco”, cap. VI, n°I, admite que “se deve preferir o meio termo e não o excesso ou a falta e que o meio termo é determinado pelos ditames da reta razão”.
    Já Abgar Renault, no prefácio do livro “Compromisso Democrático”, registrou com precisão: “O meio termo dominou também a ação do governo, mais notadamente nas áreas da política, demarcadas com absoluta nitidez por acampamentos vizinhos e hostis. Sem ele – acrescentou Abgar – não haveria sido possível guardar exatidão, equilíbrio e eqüidistância nos dias carregados e bruscos de um governo de coligação, isto é, do meio termo”.
    Outra vertente filosófica que teria contribuído para a estruturação do ideário político de Milton Campos foi o racionalismo cartesiano. E não é difícil compreender que o já citado meio termo bem se ajusta ao sábio francês que, levantando a dúvida como o método de raciocínio, acaba por substituir a fé e a crença em idéias pré-concebidas pelo uso da razão – que nos conduz à ponderação, ao equilíbrio e, consequentemente, ao meio termo.
    Daí, a contraditória posição de Milton Campos, um homem essencialmente racional e cético que possuía, ao mesmo tempo, uma crença inabalável na liberdade e na justiça.
    A liberdade, para Milton Campos, antes de ser a aparatosa ostentação de concessões demagógicas, era o exercício permanente e discreto da democracia, tanto mais importante quando, no Governo de Minas, ele ajudou a reimplantar o regime destruído pela ditadura getulista ou ainda quando no Ministério da Justiça , deu embasamento moral e jurídico aos princípios programados pela Revolução de 64.
    Advogado e jurista, consultor e jurisconsulto, Milton Campos encontrou no respeito à lei o melhor instrumento para o império da justiça.
    Afonso Arinos melhor fixaria as idéias e posições política do estadista mineiro ao afirmar, em síntese precisa, que a liberdade política, a ordem jurídica e a justiça social foram às fontes inspiradoras do comportamento do eminente homem público.
    Fundamentada na defesa dos direitos humanos e sociais, a visão doutrinária de Milton Campos não deve ser confundida com o liberalismo reacionário do passado.
    Neste sentido, foi correta a analise de Tristão de Ataíde quando afirmou que “o liberalismo de Milton Campos não era anacrônico, nem uma subordinação aos interesses de uma oligarquia plutocrata, nem a defesa de uma politicagem minada de vícios eleitorais”.
    Homem do centro, praticou a democracia no seu mais amplo significado. Defensor intransigente da lei, opôs-se às investidas totalitárias, sempre que se pretendeu subverter a ordem e destruir as instituições. Inteligência lúcida e progressista, observou a evolução do mundo moderno e, embora confiando na iniciativa particular, era um intervencionista moderado. Assim é que aceitou e lutou pelo monopólio estatal do petróleo, dos minerais atômicos e da eletricidade, assim como defendeu a necessidade de uma reforma agrária, dentro dos quadros da realidade brasileira e dos limites constitucionais.
    Reconhecido, certamente, que um mundo novo surgia das experiências do liberalismo, cujo enfraquecimento, aliás – a observação é dele – “coincide com as formas modernas do absolutismo renovado”.
    Numa época em que mais acirrados eram os extremismos, teve o bom senso de colocar-se na posição intermediária, em um mundo dividido entre conservadores e reformistas.
    A vida de Milton Campos foi um permanente sacerdócio de pregação democrática.
    No governo de Minas, esse comportamento foi mais importante quando se recorda que a redemocratização implanta-se sob as cinzas da ditadura estado novista.
    Em sua dadivosa atividade pública, quando convocado para as funções de Ministro da Justiça do governo Castelo Branco, ele desempenharia papel de importância relevante na implantação do novo regime, que surgiria para debelar os males de uma falsa e despreparada pregação esquerdista do governo Jango Goulart.
    Identificado com espírito revolucionário de 64, na luta contra a subversão, Milton Campos afastou-se do Ministério antes do alto Institucional n°2, que determinava a realização de eleições indiretas para os governos estaduais e reabriria o processo das cassações, num evidente retrocesso da retomada democrática, que ele ajudara a implantar.
    Embora discretamente, como de seu feitio, exonerou-se do cargo por discordar dos novos rumos traçados pela revolução.
    Mais tarde, em 1968, no Senado, ao condenar o impedimento do vice-presidente Pedro Aleixo, ele manifestaria, pronunciamento histórico, toda sua discordância, em face do desvirtuamento sectário imposto à revolução.
    Depois que o movimento de redemocratização de 1945 deu ao País a sua liberdade política, duas chagas que minavam o organismo nacional preocupavam o saudoso político mineiro: a demagogia e a corrupção.
    Para debelar, ou pelo menos amenizar aqueles males da democracia contemporânea, ele apresentou o projeto de eleições distritais que limitava geograficamente a área eleitoral a ser disputada, reduzindo, em conseqüência, as facilidades da infiltração da demagogia e da corrupção.
    Registre-se, uma vez mais, a atualidade do pensamento político de Milton Campos quando indagava, entre cético e esperançoso: “Quem sabe caberia ao liberalismo ser, no mundo agitado e tumultuário de hoje, o sal da democracia, para impedir que ela se corrompa e para conservar o essencial da liberdade e da igualdade do homem?”
    É oportuno observar que a questão eleitoral básica do momento não é tanto a aleatória capacidade administrativa dos candidatos, mas a busca ansiosa da moralidade pública. Procura-se restaurar, antes de mais nada, a dignidade do poder e a honestidade do político – predicados nos quais o ex-governador pautou a sua vida exemplar.
    Buscam-se, hoje, aquelas condições que ele ofereceu ao povo de sua terra, como um marco na história do País: proibidade, honradez, honestidade, respeito à vontade popular e sincero culto à lei, à justiça e a liberdade.
    Este é o sonho do brasileiro. Este, o exemplo de Milton Campos – um dos homens públicos mais importantes do País e um dos mais eminentes do Brasil contemporâneo.